Volume 2
Capítulo 103: Confissão
O poder de Cristina era de cura. Não à toa aquela mulher era uma raider, além do mais, tal poder seria bastante valioso levando em conta o tanto de perigo que as pessoas ao seu redor passavam.
Levi herdou isso de sua mãe, no entanto, Lucas nunca recebeu nenhuma parcela ou forma disso. Até uns bons meses atrás, ela acreditava que seu filho somente possuía um corpo aprimorado.
Porém, quando ele engordou e se isolou no quarto, lentamente passou a reparar em como afirmar isso era mentira. Seu filho parecia mais um humano normal do que qualquer coisa.
Por causa também das brigas que ocasionalmente entrava, Cristina sempre tinha que usar seu poder quando ele voltava para casa e assim repará-lo ao normal.
Ela se preocupou que o estado dele ficasse assim durante o evento, até mesmo queria dar uns cascudos na sua cabeça por causa disso, só não faria na frente daquelas duas.
Pouco depois de ser curado, os olhos de Lucas se mexeram, e seus olhos foram lentamente abrindo para serem cegos pela luz acima de sua cabeça.
Ele averiguou rapidamente os arredores e começou desejar a dormir de novo quando percebeu que no cenário estavam sua mãe e as duas garotas problemáticas do seu grupo.
No entanto, fingir dormir agora seria demais. Com um suspiro, ergueu o tronco e apoiou as mãos para trás, sentindo uma cãibra por todo lugar e certa sonolência.
— Oi, mãe… — disse, abaixando o tom diante da aura opressiva da mulher.
— Ainda bem que você acordou… — a resposta veio com bastante peso, assustando até mesmo as duas sentadas no banco.
Ela se aproximou do seu filho e apoiou as mãos em seus ombros, encarando-o no fundo dos olhos filtrados pelo óculos. A forma como suas sobrancelhas abaixavam e subiam era prova de um grande julgamento.
Já estava prevendo umas pancadas mais tarde ou um castigo, pois mesmo sendo adulto e velho, Cristina nunca deixou de educá-lo e transformá-lo numa criança se fosse necessário.
— Vai ficar só me encarando e não apresentar suas amigas? — perguntou a mãe, saindo do meio do caminho e pondo a mão no topo da cabeça do filho. — É falta de educação esconder que conhece outras pessoas. Você não é de fazer amigos, eu sei disso melhor que qualquer uma.
— Ca-ham! — Solein pigarreou e levantou do banco, estufando o peito com orgulho e dando um passo em frente. — É um grandíssimo prazer conhecê-la, madame! Eu sou a noiva dele!
— E eu a amante! — Lilith interviu, lançando um sorrisinho malicioso bem largo. — Sabia que seu filho também me chama de “mamãe”?
Cristina levantou a sobrancelha só faltando sair da testa e voar para o espaço. Lucas corou, queria esconder o rosto debaixo da terra e nunca mais ver ninguém na face desse mundo.
— Ignora elas duas, mãe, uma tem problema mental e a outra é perturbada.
A mulher não sabia muito bem se confiava no que fora dito, olhando para o filho com bastante descrença. Porém logo um sorrisinho curto surgiu na sua face.
Esse sorriso logo se tornou numa risada, uma risada tão alta que deu calafrios em Lucas. Ele já imaginava o que vinha a seguir, só pela forma como abraçou as duas com um par de braços fortes disse tudo.
Ambas ficaram em completo choque, paralisadas pelo avanço repentino. O abraço também não foi fraco, causando estalos nas costas das duas, no entanto o poder de cura ajudava a evitar ferimentos.
— Bem-vindas a família, queridas! — Ela se afastou e afrouxou o aperto, dando um beijo na testa de cada uma como uma saudação. — Eu sei que meu filho está na flor da idade, então eu espero que o perdoem por não tê-las apresentado antes a mim, mas sabe de uma coisa? Eu adorei vocês!
— Mãe, para com isso! — Lucas ganhou uma expressão muito espantada, não querendo saber aonde isso os levaria. — As duas estão mentindo, é sério!
— Mentindo? Ora, filho, não se deve dizer isso das mulheres da família! Você por acaso tem vergonha delas e por isso não as apresentou, é, Luquinhas? Me desculpa, meninas, ele às vezes é insensível mesmo, mas sabiam que tem um jeito de deixa ele manso igual gatinho?
— Mãe!
Solein e Lilith antenaram suas orelhas para ouvir, extremamente curiosas para saber que técnica sagrada a poderosa matriarca passaria as duas.
— O segredo é…
Lucas saltou da cama e colocou as mãos na boca da mulher, calando-a na mesma hora e a arrastando para fora daquela clínica antes que fosse tarde demais.
— Ei, a gente quer saber! — reclamou Lilith, correndo atrás para puxar o braço dela de volta. — Solta, solta! Eu NECESSITO ouvir o segredo e te transformar no meu homem!
— O-O que você tá dizendo?! Ele não é o seu homem! — Solein também queria descobrir, mas ao invés de ajudar sua colega nisso, decidiu segurar a súcubo para não ter mais caos.
— Solein, eu sei que você é safada e quer chamá-lo de meu homem, mas foi mal, eu já tô na cola! Ô, grandíssima e magnífica matriarca, me revele seus segredos!
— Hff, Huum, Reee!
Aquela zona atraiu a atenção de todos, as pessoas na ala de enfermaria viram um grupo de loucos tentando puxar um ao outro na tentativa de falarem algo.
Lucas foi o que ficou mais corado, por que sua mãe tinha que justamente aparecer quando estava com aquelas duas? Ele não as odiava, pelo contrário, gostava de suas companhias, mas sabia o quão loucas eram!
Um grande suspiro saiu da sua boca, o que por um momento fez Lilith parar, janela perfeita para Solein tirá-la de perto. Quanto a mãe, ela revirou os olhos e tirou as mãos de seu filho da sua boca.
— Tudo bem, eu não vou contar. O fresco não aguenta nem uma brincadeirinha inofensiva.
— Eu prefiro levar os socos do Amora do que ter que ouvir a senhora falando algo vergonhoso meu.
— Seu sem vergonha! Não era pra desejar esse tipo de coisa! — Um chute na canela quase derrubou o seu menino, seguido por um cascudo assim que ele abaixou um pouco a cabeça. — Pra você aprender!
Aquelas pancadas doeu, porém Lucas fechou a boca e não encostou mais nessa rosa espinhosa que sua mãe se demonstrava. Ao invés disso, ele levou diversos esporos seguidos.
Solein e Lilith assistiram, o mar de palavras da matriarca criou uma barreira invisível entre eles que quase as impediam de passar. Quase.
A boca da elfa hesitou, como se algo quisesse sair e estivesse preso na garganta. Ela queria dar um passo a frente e soltar o que estava preso, aproveitando que se reuniu com Lucas depois de tanto tempo.
“Não, não. Esse momento é inapropriado, eu deveria esperar até ele voltar para nossa casa, montar um presente melhor, me arrumar e assim será mais fácil…”
O pensamento era desenvolvido em diversas cenas românticas, das quais ela queria tentar uma por uma, sem perceber que estava no mundo da lua ao lado de Lilith.
A súcubo logo percebeu como sua colega estava no mundo da lua. Ela com certeza não diria nada nesse momento, e por isso decidiu trazê-la de volta com um assopro na ponta da orelha.
Solein se arrepiou da cabeça aos pés e franziu as sobrancelhas para cima da súcubo, que apenas apontou para aqueles dois com a cabeça.
Seus olhos transmitiram bem a mensagem, e foi aí que a elfa caiu na real. Se deixasse para depois, quando teria a chance de se reunir com ele novamente?
Ora, Lucas passava horas do dia treinando, e se não estava treinando, retornava ao seu mundo para fazer alguma coisa que necessitava ser resolvida.
Eram raros os momentos sozinhos dos dois, ou pior ainda, ficou progressivamente mais difícil vê-lo. O mesmo não poderia ser dito por Lilith, que vivia o incomodando por sua falta de vergonha.
Solein tocou a ponta dos dedos, engolindo seco. Uma pitada de coragem brotou no seu peito, essa labareda cresceu e a fez marchar de maneira travada na direção do jovem.
Seu rosto pálido se avermelhou como um tomate, ela não queria de nenhuma forma perder a oportunidade, mesmo que tivesse extrema vergonha de abraçá-la.
Segurou o pulso de Lucas, esse gesto interrompeu a onda de esporos e fez Cristina analisar a garota de cabelo prateado ao lado. A face dizia muito, então optou por fechar boca.
— Eu vou deixar vocês à sós por um tempo e ajudar uns pobre coitados nessa ala, ok?
Ela deu as costas, andando pelo corredor e visitando cada uma das pessoas, enquanto seu filho foi deixado em certo estado de choque para trás.
O jovem olhou para a própria mão, e como os finos e gelados dedos da elfa o tocavam. Era meio incômodo, especialmente com o choque de temperaturas.
Em seguida, os dois trocaram olhares, mas Solein logo desviou e deu uma leve puxada no pulso.
— Posso conversar contigo só um pouquinho…?
— Pra que? Aconteceu alguma coisa?
— Ai, ai, meu amor sempre é tão denso! — reclamou Lilith, mostrando a língua enquanto assistia a cena, mas mesmo ela não aguentou. — Só vão logo, seus idiotas. Vou ficar zanzando e perturbando uns nerds virgens, ok? Não fiquem na minha frente e andem!
Aquela era a primeira vez que a súcubo parecia tão irritada com algo, mas inevitavelmente teve certo medo por ela se referir a “nerds virgens”. Lucas fez bom trabalho escondendo sua identidade.
Com as ameaças e esperneios daquela moça avermelhada, a duplinha se afastou para um lugar mais isolado, fora da ala médica e rumo a um espaço com quase ninguém, abaixo de uma árvore.
Solein estava segurando o pulso de Lucas até ali, seu coração batia forte, como se fosse sair pela boca. Anteriormente, estava tentando planejar algo para tomar a atenção daquele cara.
Ela se arrumaria perfeitamente, levaria um buque, faria tudo à moda tradicional dos elfos de gelo, mas isso nunca veio a se concretizar por falta de tempo. Mesmo que colocasse todo empenho, jamais daria certo.
Agora, tremia de nervosismo porque ela o chamou para um lugar privado e queria falar algo. Apertou os dentes, com medo de virar a cabeça para trás e encará-lo.
Lucas reparou nisso, estava temeroso do que sairia daquela garota. De uns tempos pra cá, ele não considerou Solein a pior pessoa do mundo.
A forma como os dois se conheceram foi extremamente conturbada, ao ponto de quase considerá-la uma assediadora e abrir B.O numa delegacia.
Só depois de lembrar que não existem delegacias em outro mundo e passar um tempo a mais ao seu lado que entendeu como não era exatamente assim.
Havia bastante elficidade naquela moça. Ela se empenhava para ajudar, gostava de retribuir gentileza, tinha seus temores e sentimentos. Era uma pessoa normal, e mais, não era alguém ruim.
Ambos talvez não tivessem passado tanto tempo juntos, mas pouco importava se pudesse depositar confiança nela. Estava até imaginando que talvez Amora as tivesse enviado.
Se fosse o caso, então ambas deviam ser bastante confiáveis, especialmente aquela à sua frente.
— Lucas… — Solein cerrou os punhos e, de cabeça baixa, moveu o corpo em sua direção. — Eu tenho algo pra te contar, algo que eu mantive escondido por muito tempo.
Ela começou a andar, o jovem permaneceu parado, então as mãos da elfa seguraram seu colarinho.
— Eu… Eu fiquei com medo de contar isso, pra falar a verdade, não queria nunca contar. E-E-Eu…
Sua voz se calou. Não conseguia tirar a coisa reprimida nas cordas vocais, parecia haver um peso.
— Tá tudo bem, eu consigo esperar até você querer contar — disse Lucas, dando uma risada casual. — Temos bastante tempo, então você pode demorar muito que eu ainda vou esperar.
Solein sentiu os olhos arderem. Ela queria chorar, como diabos não conseguia fazer algo tão simples? Se fosse assim, se não saísse por bem, sairia por mal.
Ela desistiu de falar e levantou o rosto, seus lábios caíram contra os dele, enquanto suas mãos agarraram-no pela nuca e mais do que nunca o apertaram como se jamais quisesse se separar.
Quanto a Lucas… bem, era a segunda experiência nisso, e por mais estranho que fosse, o toque macio era bom. Ele aceitou, segurando-a pela cintura enquanto se beijavam.