Volume 2
Capítulo 102: Quebrantado
Lucas viu a criatura ficar imóvel no meio do nada, enquanto suas pernas tremiam para se manter de pé. Ele retornou seu potencial a porcentagem normal, mas isso foi imediatamente um erro.
Inúmeros cortes surgiram ao longo do corpo, rasgando a pele em diversos ângulos e lançando um banho de sangue por membro seu.
A expressão preocupada de Solein sobrepôs ao cansaço, ela correu na direção do rapaz prestes a desabar e o segurou em seus braços, agachando-se para deitá-lo no chão.
— Céus, você se quebrou todo! — reclamou a elfa, mais uma vez conjurando seu feitiço de cura e vendo pouco efeito. — Temos que levá-lo logo de volta a vila para ser tratado, talvez o papai tenha um feitiço de cura melhor para ajudar! Ou talvez aquela bruxa maluca do castelo tenha!
— Ei, não fala assim da Aegis! A coitada é um amor de pessoa!
Um gemido de dor escapou da boca de Lucas, que mal conseguia formular palavras em meio a agonia excruciante passando por cada um de seus músculos.
— Ai, que sexy ele gemendo… — A súcubo mordeu a ponta da unha, vendo-o no chão. — Tá, tá, se afasta um pouquinho porque isso é comigo!
Depois de estralar os dedos das mãos, Lilith mexeu as mãos. As sombras ao redor dos dois, combinado com um pouco de magia negra, ganharam forma física e ergueram o ponto abaixo de Lucas.
Agora só precisavam carregá-lo até um canto seguro, ou melhor, tirá-lo do evento o mais cedo possível para evitar mais estrago.
As duas estavam cientes de que uma das regras era de que o participante se desclassificaria caso saísse da ilha, assim tudo o que precisariam fazer era levá-lo para fora da ilha.
Por ser seu querido e amado homem, Lilith foi gentil em levá-lo flutuando até a borda, abrindo suas asas de morcego para descerem juntos rumo ao mar abaixo.
Ela fez questão de parar na superfície e ficar ao lado do seu querido, enquanto Solein permaneceu ali em cima esperando somente os reforços chegarem.
Não demorou para um tipo de bote vir ao resgate, também trazendo um médico para ajudar na situação. Solein não demorou para se jogar também quando os viu chegarem.
Ao invés de pousar graciosamente com sua colega, ela congelou a superfície de água na hora que encostou, evitando um estrago maior na queda.
— Você gosta de ficar se mostrando para os outros… — disse a elfa para sua colega, esboçando uma expressão ranzinza. — Devia focar em ajudá-los ao invés de só olhar o médico, idiota!
— Mas eu não sei dessas coisas! Eu nunca me machuquei na vida, quer que eu faça o que?
— Espera, você nunca se machucou…?
Isso explicava muito sobre a personalidade levada e solta demais de Lilith, o que fez o queixo de Solein cair por um momento.
A elfa recobrou a compostura, mordendo a ponta da língua para não xingar o moço que tratava das feridas de Lucas, pois estava sendo lenta demais a recuperação dos ferimentos.
As pessoas no bote retornaram à base, uma ilha de metal flutuante no meio do mar, conectado a ilha principal de onde o portal saia por um elevador.
Solein e Lilith acompanharam o processo todo, Lucas tinha sido sedado ao máximo para evitar a dor e possivelmente estava em um nível completamente diferente de realidade.
A elfa ficou perto o tempo todo, até quando subiam aquela estranha máquina com propriedade de levitação, sem tirar os olhos concentrados na pessoa deitada na maca.
Não demorou para que se reunissem na ilha principal, onde havia uma tenda para aqueles que precisavam de atendimento médico em caso de emergência.
Lucas foi um dos únicos que sofreu disso, enquanto a esmagadora maioria dos participantes ficou espalhada ao longo do pedaço maior da ilha observando o evento se desenrolar.
Solein se pôs ao lado da cama que serviu como apoio durante sua recuperação, ao seu lado ficou Lilith, de braços e pernas cruzadas e fazendo todos os tipos de careta.
A mulher ao seu lado estava de saco cheio com a falta de seriedade dessa súcubo, por isso seu punho atingiu o topo da cabeça dela sem aviso.
— Au! Por que você me bateu?!
— Porque você não consegue nem mesmo ser séria ou demonstrar empatia nessa situação, maluca! Olhe o estado de Lucas! Você não consegue nem fazer uma expressão diferente do rosto idiota que você tem?
— Ora, mas com o que vou me preocupar? Meu amor é forte, poderoso, charmoso, gosto… bem, você entendeu. Ele vai sobreviver de um jeito ou de outro… Se acabar morrendo ainda assim, eu me mato junto e nós vamos ser felizes no inferno, só eu e ele.
— Não, não, não! Isso nunca acontecerá! — Como se estivesse possessa, Solein utilizou seu cajado da floresta para acelerar o processo de cura em Lucas. — Fique bem, fique bem! Eu não quero essa maluca ao seu lado!
Lilith revirou os olhos perante ao ciúme tóxico dessa garota de orelhas pontudas, mas não a impediu de fazer o que quisesse.
Um suspiro fugiu de sua boca. De fato estava preocupada, mas demonstrar isso seria um pecado. Não podia fraquejar enquanto os outros estivessem ao seu redor, especialmente sua rival.
As suas fraquezas só seriam reveladas ao amado, como um tipo de necessidade esquisita que precisava ser cumprida a todo custo.
Elas esperaram um do lado da outra por mais um tempo, Lucas permaneceu deitado sem reação nenhuma. Mesmo que estável sua condição continuava trazendo um motivo para preocupar as moças.
No entanto, a coisa que menos esperavam era a aparição de uma senhora de óculos dentro daquela sala. As três se encararam, a moça que adentrou arrumou rapidamente o óculos antes de dar mais um passo.
— Meu filhinho tem todo tipo de amizade e nunca conta mesmo… — disse Cristina, coçando o meio da testa em sinal de raiva. — Com licença, meninas, eu só vim ajudar meu filhinho querido.
“Filho?!”, as duas pensaram em sincronia, até que um brilho encheu a sala e saiu da palma da mãe rumo ao garoto deitado.
Num piscar de olhos, todos os seus ferimentos foram curados.
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Hélio passou longos momentos desacordado. Ele nem mesmo ouviu o aviso sobre os monstros, e quando estava em tempo de recobrar a consciência, sua cabeça continuava tonta.
A essa altura ele já imaginava uma linda enfermeira ao seu lado, lhe dando a medicação necessária para passar a dor de cabeça. Era uma cena clássica dos filmes, no entanto, nada disso aconteceu.
Ele estava dentro de uma caverna escura, sem poder ver nada além de um profundo breu de um lado para o outro. Ergueu o torso, passando a mão na bochecha, que estava meio dolorida.
— Olá, colega. Fico feliz que acordou — falou uma voz no meio da escuridão.
Hélio estava pronto para invocar seu arco e atirar as flechas, mesmo que errasse, apenas para se proteger e comprar tempo para fugir.
A criatura que apareceu foi uma pequena massa rosada, que parecia bastante simpática e fofinha para o seu tamanho. O homem reconheceu essa criaturinha, era aquela que salvou por acidente da última vez.
O medo de uma hora para a outra sumiu, por algum motivo não tinha como temer essa amoeba pequena. Qualquer coisa era só dar meia-volta e correr o mais rápido possível.
Por curiosidade, ele se ajoelhou para ficar na altura da criaturinha, apertando um pequeno bracinho que o slime esticou em sua direção para cumprimentá-lo.
— Prazer te conhecer… Eh, eu sei que você é o cara que ajudei mais cedo, mas deixa eu te perguntar, porquê me salvou?
— Retribui um favor. Acho muito educado fazer isso para alguém quando ela lhe ajuda, mesmo que de maneira não intencional. Eu te vi com dificuldades e me livrei daquela brutamonte para você.
Hélio era meio cético quanto a essa declaração, ainda mais se levasse em conta o tamanho da massinha rosa, porém como os dois estavam em um lugar que não era uma ala de enfermagem, achou que talvez tivesse algum crédito.
— Certo, entendi. Onde nós estamos?
— Numa caverna que encontrei para usarmos de esconderijo. Você ficou desacordado por um bom tempo, quer que eu lhe dê as boas novas?
O homem inclinou a cabeça para o lado em dúvida, mas quis ouví-lo ainda assim, acennado positivamente para continuar.
Gorby, o nome pelo qual a criaturinha se apresentou, revelou cada um dos detalhes mais recentes, desde o aviso de monstros até os combates mais importantes que rolaram até então e que viu.
A estrela do evento, um classe B chamado Berserker, foi derrotado pela nova estrela em ascensão chamada Lucas, que apareceu semanas atrás matando dezenas de monstros num portal repentino.
Além disso, uma dupla consistindo de uma garota da seita do Sol Nascente e um homem super normal derrotaram Joab, um experiente jogador de xadrez famosinho por causa de sua habilidade.
Outros conflitos menores ocorriam pelas ilhas, juntas é claro da liberação de um chefe super poderoso em algum lugar dessa masmorra. Provavelmente esse monstro ditaria o final da competição.
Gorby não se importou de comentar sobre cada um dos detalhes e foi ligeiro em explicar, mas a mente de Hélio parecia bastante confusa sobre isso.
Muitas coisas deviam ter acontecido enquanto dormia, então o que diabos estaria rolando lá fora? Ele virou a cabeça rumo ao corredor de pedra, com a curiosidade atiçada.
O amontoado de chiclete no chão notou essa repentina mudança e encarou na mesma direção, acabando por seguir para ali, como se tivesse lido seus pensamentos.
— Vamos sair para pegar um pouco de ar fresco, o sol ajuda muito a clarear a mente dos outros e também a relaxar.
Hélio concordou com um aceno, mas realmente não tinha certeza do que o slimezinho falou. Ambos seguiram pelo caminho, com uma ocasional tosse pelo tanto de poeira espalhada por ali.
Quando bateu o pé no lado de fora, uma linda paisagem cresceu diante dos olhos do homem, com um por do sol no horizonte e diversas ilhas voadoras, mas esse cenário mais parecia o fim de uma luta terrível.
Inúmeros lugares possuíam explosões, vários hectares de mata foram carbonizados, ilhas inteiras tinham deformações irreais, e logo no centro, quase que tapando o por do sol, havia um enorme monstro.
Não era uma serpente marinha, mais parecia um dragão voando no céu, e flutuando perto dele estava um garoto de cabelo branco com uma espada afiada em mãos.
Ao lado desse mesmo garoto havia também outras duas pessoas, um homem de costas largas voando numa plataforma de pedra e uma garota que lançava relâmpagos para todos os lados.
Ainda mais gente estava reunida abaixo do enorme dragão, cada um usando sua própria habilidade para derrubar o monstro voador enquanto o jovem com a espada desferia todo tipo de golpe contra a criatura.
Hélio ficou boquiaberto com a vista, e vendo como seria completamente inútil naquele combate, cerrou os punhos e mordeu os lábios em pura frustração.
Suas flechas errariam e quem sabe até iam cair nos próprios aliados se dependesse de sua pontaria, e muito menos alcançaria o monstro para bater no inimigo.
Ele se sentou no chão e largou um longo suspiro, apreciando a destruição caótica nos ares e o por do sol ficar bagunçado conforme o combate continuava.
Era ao menos um show interessante de assistir, mais do que as coisas que passavam na TV e do que as dezenas de quadrinhos que já leu.
A vergonha era tamanha que Hélio queria chorar. Se uma situação igual àquela acontecesse na entrada de sua casa, o que diabos ele faria? Com certeza o mesmo que agora, sentar num canto com medo.
Gorby ficou próximo, ele possivelmente não tinha o mesmo sentimento, mas não poderia também ajudar muito naquela luta, a menos que fosse arremessado e acertasse o monstro gigante.
O tempo passou, com os dois falando besteiras. Uma pipoca cairia bem, pena que ninguém com a habilidade de gerar pipoca no ar estava próximo para ajudá-los.
E assim, Hélio entendeu como se tornar um raider era uma realidade distante d
emais para alcançar. Naquele momento, ele desistiu de seu sonho de infância.