Farme! Brasileira

Autor(a): Zunnichi


Volume 2

Capítulo 100: Leão

Lucas viu o homem-lagarto sumir tão rápido quanto apareceu, eles mal tiveram tempo para conversar direito quando um relâmpago passou e o afastou para longe.

Erguendo a sobrancelha em desconfiança, ele encarou o rastro de grama chamuscada. Nem a pau que seguiria o caminho, as lutas estavam um saco e ainda continuava fraco desde a luta contra o Berserker.

Bianca, por outro lado, ficou meio boquiaberta e em seguida abaixou a cabeça, pondo a mão no rosto e soltando um grande suspiro antes de dar as costas e começar a andar.

— Eu vou indo. Não quero me meter com esse cara de novo.

— Já? Mas espera, quem é…

Antes de sequer responder, a mulher propulsionou os pés com jatos de fogo e subiu para o alto, não demorando muito para se afastar. Ainda teve a falta de educação de nem sequer esperá-lo terminar de falar.

O rapaz colocou a mão na cintura e ficou a olhando diminuir de tamanho, então virou a cabeça na direção oposta à do rastro elétrico e voltou a caminhada.

— Somos só você e eu de novo, Yasmin. — Ele deu de ombros. — Bora continuar procurando um canto pra esperar. Sinto que só tô atraindo problema desde que entrei no evento.

— Ah! — A garota cambaleou um pouco nos próprios pés devido ao susto, mas logo ficou ao lado de seu parceiro e esticou a mão para o alto para tomar sua atenção. — Acho que é porque o senhor é muito famoso! Todo mundo deve querer um pouco do seu tempo e até tirar fotos! 

— Poxa, se eu soubesse que ser famoso dava tanto trabalho, era melhor só continuar rico e ir seguindo a vida… Hah, pelo menos você não enche o saco, sabia, Yasmin? Recentemente eu encontrei um monte de gente que me causou dor de cabeça e só me deu problema, ou bancou uma personalidade esquisita pra cima de mim. Você sendo tranquila assim me faz ter fé que existe gente normal por aí.

— Hãã… obrigada, eu acho? — Ela inclinou a cabeça, tentando entender direito o que aquelas palavras significavam. “Que bom que ele gosta de mim, talvez eu possa pedir uns favores depois! Posso chamar ele pra sair, fazer beicinho olhando pra algo e quem sabe ganho de presente! Uma pena que minha habilidade não funciona, se não eu poderia…”

Yasmin parou repentinamente de andar ao perceber um importante detalhe. Lucas também interrompeu o passo e olhou por cima do ombro, observando a garota agora com expressão cabisbaixa.

— O que foi? Tem alguma coisa de errada?

— Senhor Lucas, você é imune a controle mental, não é? — Levantou o rosto, sua boca tremia num misto de hesitação e dúvida. — Por-Por que você me decidiu levar? Quero dizer, minha habilidade pode não ter funcionado, mas eu ainda te enganei… En-Então era pra você ter raiva de mim, não é?

O rapaz ergueu a sobrancelha, enfim tendo alguma clareza na mente para entender o porquê diabos a face dela ficou assim e porque veio pergunta.

— Não estou, nem preciso de motivo. Você só tentou e não conseguiu, então o que tem?

— É porque… eu estou… te usando… — Seus olhos não conseguiram se concentrar no sujeito de gravata, sendo mirados para o chão. 

Lucas sabia mais ou menos o que se passava em sua cabeça. Os dois passaram por bons perrengues, em todos ele dava um jeito dos dois se safarem ilesos.

Inclusive, muitas das suas lutas focavam em derrotar os oponentes o mais rápido possível e colocar Yasmin num lugar seguro enquanto houvesse o combate.

A garota estava vendo as coisas em retrospectiva e se sentindo mal, mas não por seu plano dar errado, mas por ligeiramente manipular alguém que fez tanto por ela mesmo sem ser realmente controlado.

— É muito simples, menina. Você me lembra o meu irmão, daí não vi problema em te ajudar assim. Sabe, o Levi, o meu chapa, sempre passou por maus bocados por causa da habilidade dele. Todo tempo os valentões levavam-no para curar as feridas depois de uma briga, e se ele recusasse, acabava levando uma surra. Eu dei cabo desses caras há bastante tempo, mas não consigo esquecer. 

Era uma grandíssima mentira, porém não importava para o momento. Desde que os olhos de Yasmin brilhassem de interesse pela história, sua ideia funcionaria.

— Quando olho pra você, lembro dele. Toda vez que lutava, fiquei com medo que você se machucasse e escolhi por conta própria te proteger, então não se culpe por isso.

Ela quis chorar, mas controlou ao máximo suas lágrimas. Seus olhos ainda ficaram vermelhos, e Lucas temeu ter que dá-la um abraço de consolo para evitar o choro.

Felizmente, não foi necessário. Yasmin passou a mão pelos olhos e cerrou os punhos, aproximando-se com um largo sorriso no rosto e saltinhos alegres.

— Obrigado, senhor Lucas! Você é mesmo o melhor! 

O rapaz riu de volta, assim os dois retornaram a uma extensa e tediosa caminhada. Mesmo que o momento fosse fofo, um celular com Candy Crush viria a calhar para sumir com o tédio.

Lucas ponderou mais um pouco a respeito do assunto. Ele não podia ser manipulado mentalmente, mas talvez ainda pudesse tomar proveito da habilidade de Yasmin caso viesse uma chance.

Queria saber como fazer isso, pois nenhuma ideia veio além de arrancar o olho com as próprias mãos, coisa que não estava disposto a fazer de modo algum.

— Senhor Lucas…?

— Sim? Eu ainda tô te ouvindo.

— Na sua frente, se-senhor Lucas!

Aquelas palavras forçaram o corpo do rapaz a se mexer rápido, saindo do lugar que estava e pegando Yasmin nos braços.

Alguma coisa bateu com toda força no chão, quebrando a terra em fragmentos e levantando uma grande cortina de poeira. Quando abaixou, uma silhueta esquisita apareceu.

— Que merda é essa…?

Uma criatura com cabeça de leão e corpo de homem estava à sua frente, com um machado fincado nas pedras, que soltou um rugido que estremeceu cada pelo do corpo de Lucas.

 

*****

 

Cristina, mãe de Lucas, teve muitos vícios na sua juventude que levaram a uma questionável moral e atitude. Um desses era de apostar, e só de ver seu filho ganhando ela batia na mesa com uma satisfação enorme.

— É isso aí, porra! É o meu garoto, o meu menino! Eu sabia que era fácil espancar esses trastes de merda, tudo porque essa competição é feito de um bando de lixo que não consegue nem limpar a própria bunda, hahaha! Vai filhão, arrebenta cada um deles com as mãozadas que a mamãe aqui te deu!

Esse descontrole era muito vergonhoso para qualquer pessoa, e se Lucas estivesse ali, com certeza sairia correndo carregando a própria mãe para não ouvir tamanhas besteiras.

O álcool de drinques servidos também aumentou significantemente sua emoção, tirando aquela cautela de madame preocupada que demonstrou no início do evento.

Ela batia na mesa com pancadas que balançavam as fichas, gritava para que o salão inteiro ouvisse e ainda por cima falava sons de comemoração dignos de uma torcedora de time de futebol.

Alguns ali também eram pais e mães dos competidores, mas nenhum deles possuía a mesma vibração e vontade que Cristina, cujos olhos estavam em chamas com cada destaque que seu filho conseguia.

Viviane, sentada ao seu lado, estava morrendo de vergonha, mas era por um bem maior. Manter-se perto daquela mulher e ajudá-la quando necessário era um dever de amigas.

No entanto, até ela queria cobrir os rostos com as mãos por causa de tanto furdunço rolando. Como uma senhorita rica e por dentro dos negócios da família, teve que só suspirar e deixar o caos acontecer.

Por fim, Alice olhava para a última ficha entre seus dedos. Desde que aquelas duas entraram na mesa, nenhuma das suas apostas ocorreu, a falta de lutas com Theo também colaborou nisso.

Sobrou somente uma fichinha e uma vontade de chorar gigantesca, daquelas que nem mesmo uma noite toda poderia tirar tamanha tristeza. De uma hora para a outra, ela ficou pobretona de novo.

Devia ser por isso que falavam tanto para não cair no mundo das apostas, do contrário seriam gravemente punidos e perder tudo era um destino que muitos apostadores enfrentavam.

Ela bateu a cabeça contra a mesa e aquietou a boca, enquanto uma mulher mais velha novamente retornou a sua gritaria ao ver o filho espancando um musculoso fortão na tela.

Viviane estava entre as duas, com o cotovelo apoiado na mesa e o rosto virado para os telões, observando as coisas acontecerem lentamente.

“O progresso dele é bem impressionante. Não imaginei que ficaria tão forte em pouco tempo”, comentou uma voz no canto de sua cabeça. “Talvez pegá-lo enquanto dorme e matá-lo seja mesmo uma boa ideia, assim poderiamos pegar o seu poder e tomarmos mais portais.”

“Você pode só calar a boca? Não cometerei canibalismo.”

“Não seja tola. Eu sempre falei como tráfico humano era ideal para nós, mas você recusava por ser algo ‘inumano’. Ora, é tolice ignorar uma mina de ouro diante dos seus olhos. Já que você ainda se recusa, por que não tenta tirar algo dele? Só essa vezinha.”

Com um tapa leve na bochecha, Viviane espantou os pensamentos traiçoeiros daquele ser para as profundezas da mente, retomando a atenção para as coisas que aconteciam.

Estava bem interessante, havia bastante emoção e todos estavam se divertido. Quando o dragão apareceu na tela, todos se surpreenderam e adoraram.

O dragão não era seu, e sim da própria masmorra, dando um show enorme para todos os espectadores que vieram de longe assistir ao evento.

Por outro lado, existia ainda um segundo chefe. Ele não era obrigatório de enfrentar, e sim uma fera projetada para ser um segredo de última hora. 

Em breve o monstro seria liberado, mas tinham tempo até lá. Demonstrando um sorrisinho, ela tomou outro drinque, até avistar o presidente Baltasar caminhando em sua direção.

— Em que posso ajudar? — perguntou a mulher, colocando a bebida na mesa.

— Temos um assunto para conversar a sós, é de extrema importância.

Ela levantou a sobrancelha, descrente sobre o que falariam, mas de qualquer jeito ergueu-se da cadeira para acompanhá-lo.

— Senhora Cristina, eu já volto, vou só resolver uma pendência e em breve estarei aqui novamente.

— Vai logo, não perde tempo. Ai, olha ali, meu neném ganhou daquele brutamonte!

Pelo visto a sua amiga estava distraída demais para prestar atenção, então Viviane apenas saiu acompanhada do presidente rumo ao lado de fora do evento.

Eles passaram por longos corredores, o rosto de Baltasar estava suando frio e seu olho tremia de um lado para o outro. Algo estava errado.

Após descerem pelo elevador, rumo aos andares do subsolo, Viviane já estava entendendo onde aquilo iria parar. 

Ela havia emprestado algumas feras para o evento, mas do jeito que as coisas estavam indo, algo deu errado em relação as criaturas.

Mesmo assim, não perguntou, esperando primeiro chegarem ao local para tomar a próxima providência. 

As portas do elevador se abriram, levando a um grande espaço aberto com diversas jaulas. Elas seriam para outra coisa futura, mas uma em especial fez os olhos de Viviane se arregalarem.

Uma estava destruída, pedaços das barras de metal receberam mordidas e arranhões além do reparo. Aquela jaula, que era para ser quase indestrutível, foi quebrada assim.

— Acho que você entendeu…

— Sim, eu entendi… — Ela mordeu a ponta da unha. — Pra onde ele foi?

— Entrou no portal. Enviamos uma equipe de busca, mas até agora não o acharam.

— Meu Deus do céu…

Viviane passou a mão pelo cabelo, todo o estresse veio de uma vez e sua preocupação para com o evento era maior do que nunca, fazendo seus olhos não pararem quietos.

Aquela fera que foi liberta não era um monstro qualquer, longe disso, era uma criatura que seria usada na segunda fase da competição como forma de demonstrar o trabalho de raiders de classe alta.

Agora, ela caiu dentro do portal e estava sabe-se-lá onde, perambulando por uma longa floresta e procurando uma presa para matar.



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