Volume 1
Capítulo 27: Paranoia
O silêncio do hospital foi repentinamente cortado pelo choro de uma moça. Os olhos de Levi estavam abertos, porém sua cabeça ainda girava.
Ele olhou para a garota ruiva que abraçava seu corpo, e enfim reparou quem era, Natália, sua namorada. Seus olhos encheram de água e seus braços retribuíram o abraço.
Eles soluçaram e choraram juntos por um longo tempo, acompanhados somente pelos bipes das máquinas. Quando ambos conseguiram se controlar, o silêncio retornou.
Encararam-se, e era visível que Natália não sabia dizer. Percebendo isso, Levi respirou fundo e perguntou:
— Por quanto tempo eu apaguei?
— Por… uma semanas… — Ela limpou os olhos e o nariz catarrento com a manga. — Eu fiquei tão… mas tão preocupada. Tinha dias que mal consegui dormir direito.
— Obrigado, Natália… eu realmente sou grato por você ter feito isso. — Passou a mão no cabelo, com certa dor de cabeça. — E a mãe? Onde ela está?
— Sua mãe deve estar trabalhando a essa hora. Eu e ela estamos alternando turnos desde que seu irmão disse que iria sair por um tempo…
— E cadê ele? Pra onde o Lucas foi?
Natália ficou mais uma vez quieta, mas logo abriu o jogo e disse que ninguém sabia.
Seu irmão apenas tinha dito que precisava ir a um lugar, e que em breve retornaria com tudo o que era necessário para dar uma vida boa o suficiente a sua família.
Levi não entendeu o sentido daquilo. Como Lucas iria conseguir tanto dinheiro? Por que havia sido sequestrado? O que estava acontecendo ao seu redor? Será que ele tinha os colocado em algum perigo extremo?
Ele precisava descobrir, não importava como, porém quando tentou sair de cima da cama, foi impedido pelas mãos de sua namorada, que o obrigou a se manter deitado.
— Não seja idiota, Levi!
— Eu tenho que encontrá-lo, me deixe ir!
— Não! Eu não vou! — Ela pressionou seus ombros, mantendo-o no lugar. — Você não entende o que eu senti depois do que aconteceu, por acaso?!? Fique aí, eu imploro, só fique!
Levi parou no instante que viu Natália chorar novamente.
Sentiu uma pontada no coração, talvez realmente estivesse se apressando, consumido por preocupação e desespero de descobrir mais.
Não era hora para isso ainda, era necessário calma. Ele respirou fundo, pegando nas mãos de sua namorada e tentando de todo modo trazer alguma paz.
Não adiantou tanto, já que as lágrimas continuaram a escorrer pelo rosto, enquanto ela apoiava a cabeça no peito do namorado e insistia para que ele não fosse embora de novo.
A consciência de Levi pesou, sua pressa talvez causasse um dano muito pior do que gostaria. Ele manteve a paciência, consolando-a o máximo possível.
Após bons momentos de calmaria e assim que sua namorada novamente conteve o choro, alguém bateu na porta.
Natália fungou e pediu para que ele continuasse na cama, então atendeu a pessoa que batia.
Não era a enfermeira como imaginavam, na verdade era uma pessoa com uma aura um pouco opressora e um longo cabelo avermelhado que ia até a cintura.
Ela estava acompanhada de um homem simpático de óculos. Um suave cheiro de fumo encheu a sala, e assim que Natália abriu espaço, a tal mulher entrou na sala.
— Você é o Levi, correto?
— Sim, sou eu… Quem é você?
— Eu sou a contratante de seu irmão. — Ela pegou uma cadeira e se sentou. — Vim ver como você está. Ele me pediu para também cuidar de você, garoto.
— Por que ele pediu isso? E que tipo de contrato você está dizendo?
Bianca suspirou. Pelo rosto daquele garoto, certamente qualquer coisa não o convenceria, na verdade parecia que ela tinha entrado no pior momento possível.
Só faltava torcer para que suas palavras fossem entendidas, se não, sabe-se-lá o que esse irmão faria.
— Seu irmão virou um raider, digamos que ele também ganhou o meu gosto e de algumas empresas que recentemente viraram seus olhos para ele. — Ela se encostou na parede e pediu para que seu acompanhante pegasse uma cópia do contrato. — Como pode ver aqui, o prazo é de cerca de três anos, com direito a férias antecipadas e tolerância para faltas de trabalho. Se ele trouxer mais dinheiro para a empresa, ainda posso fazer mais.
Levi franziu o cenho, estava escutando bulhufas daquela mulher. Ou era uma golpista procurando aplicar um contrato que não existia ou ela se referia a outra pessoa.
— Moça, é impossível, veja bem, meu irmão não tem sequer uma habilidade para se virar e…
Antes de terminar de falar, Bianca abriu um vídeo no celular que era algumas gravações do que acontecera na raid das formigas de cristal.
Foi gravada de cima, por um drone que entrou com os demais participantes, e o vídeo demonstrava Lucas derrubando algumas criaturas com meros socos.
Levi acreditaria ser outra pessoa se não fosse pelo óculos idiota de seu irmão, que era tão velho que as armações eram de cores diferentes em relação ao plástico ao redor da lente.
Ficou sem palavras e por dentro se sentiu traído. Ainda lembrava da conversa que tiveram durante sua jogatina em casa, dele não ser “apropriado” a esse tipo de trabalho.
Porém, lá estava seu irmão, enfrentando monstros com uma facilidade absurda e até se divertindo no processo.
— Amor? — chamou Natália, pegando em sua mão. — É mesmo o seu irmão?
— Sim, é… — Apertou o lençol, sendo consumido pela frustração. — Por que ele decidiu fazer isso?
— Dinheiro, garoto — respondeu a mulher de blazer. — Pelos registros que achamos, possivelmente isso foi para dar uma vida melhor à sua mãe e a você, além de que ele achou um meio de ganhar uma nota preta com incrível facilidade.
— Então quer dizer que ele estava escondendo algo da gente esse tempo todo que poderia mudar nossas vidas e só decidiu revelar agora?
— Isso eu também acredito que não. Existem pessoas que apenas despertam suas habilidades depois de muito tempo, então assim que ele descobriu a própria, decidiu usá-la.
Ela olhou para seu celular e xingou bem baixo, reparando que uma mensagem em específico a chamava de volta ao trabalho. Depois de seguir para a porta, continuou:
— Eu estarei indo agora. Deixei alguns dos meus empregados por aqui de patrulha, para que não ocorra aquilo novamente. Uma boa tarde.
Bianca os deixou e conversou brevemente com os raiders próximos dali, os de maior rank que possuía na empresa.
Eles até questionaram o porquê precisavam fazer aquilo, e a resposta veio como um olhar aterrador e assustador por parte da mulher.
Ela saiu do hospital rumo ao prédio da Scarlet Witch Bazar, acompanhada de Arthur, que digitava num laptop numa velocidade assustadora.
Os tec-tecs fizeram a cabeça de Bianca girar, inicialmente sendo apenas um incômodo e em seguida virando a fonte de sua raiva.
Fechou a tela tão forte que o barulho da batida soou dentro da limusine. Seus olhos ainda demonstravam raiva misturada com uma frustração.
— Por que ele teve que sair nessa hora? — perguntou, apertando a saia do blazer. — Faz três dias que não dá notícia.
— Não sei, Bianca. — Dispensou o laptop ao lado. — Está preocupada que ele tenha ido embora para outro país ou empresa?
— Sim, é muito repentino. Talvez tenha sido só uma desculpa para sumir de nossa vista. Essa habilidade que ele tem… como não conseguimos achá-lo e rastrear de nenhuma maneira?
— Eu tenho uma teoria.
Ela ergueu os olhos, repentinamente curiosa para saber o que ele diria.
— E se na verdade, ao invés de teleportar de um lugar para o outro, ele tivesse algo semelhante a entrar na dimensão dos portais?
Aquilo acendeu um isqueiro na mente de Bianca. Fazia sentido, aquelas quantias de ervas e inclusive os itens que ele obtia do absoluto nada se enquadravam em algo assim.
Apoiando as mãos no queixo, sua cabeça se encheu de pensamentos. Se fosse da maneira como pensava, então Lucas se assemelhava a um tipo de ameaça à humanidade.
Ainda lembrava da aparição de uma criatura que o ameaçou e que tinha a mesma habilidade de abrir portais.
O que fariam se os dois montassem uma aliança se fossem tão próximos quanto aparentavam?
A paranoia pareceu atingir sua cabeça em cheio. Não valia a pena revelar ao público, era uma teoria e ninguém acreditaria numa empresa pequena revelando algo daquele nível.
Revirou os olhos e soltou um longo suspiro. Por um momento se sentiu idiota por acreditar que havia encontrado uma mina de ouro, era claro que haveria gases que podiam explodir assim que encontrassem uma labareda.
Bianca se aquietou, olhou para a janela e observar os transeuntes andando e vivendo suas vidas normais.
Queria um pouco do pedaço dessa vida, porém suas escolhas a impediam de alcançar tal façanha, e agora que achara Lucas, as coisas seriam mais impossíveis ainda.
— Arthur, vamos voltar por enquanto e nos preparar para o pior.
— Acredita que seja isso? Alguém que despertou seu poder de maneira prematura e tem algo desse nível?
— Sim… e se for como pensamos, então ele tem o potencial para ser um raider de classe Z. — Ela passou a mão no cabelo, arrumando os fios. — Vamos jogar como se não soubéssemos de nada, por enquanto. Se ele achar que suspeitamos de algo, pode ser nosso fim.
Arthur concordou. Os dois em pouco tempo retornaram à empresa, lá seguiram para o salão onde os inscritos da primeira rodada do teste se reuniram.
Dessa vez, porém, havia poucos. Eram os aprovados, e ironicamente este foi o ano com menos aprovados de todos.
Bianca analisou cada um e chamou o nome da primeira pessoa: Alice Teixeira.
— A-aqui! — Uma garota de moletom amarelo levantou a mão.
— Sua habilidade é algo relacionado a movimentação, correto? Um impulso elétrico…
— Sim, isso mesmo!
— Ok… Renato! — Assim que chamou, um raider com um cabelo semelhante ao de um rebelde japonês deu um passo a frente. — Treine essa garota e escolha outro baseado na lista que fizemos antes.
Renato acenou com a cabeça e em seguida chamou outro dos aprovados. O processo se repetiu mais vezes, até que todos estivessem dispensados.
A lista de habilidades era interessante, ia desde aprimoramentos físicos a criação de elementos, no entanto, não refletia por completo a capacidade deles.
Era possível ver na expressão de alguns o seu orgulho, como se o teste tivesse sido fácil. Assim que todos foram embora, Arthur e Bianca se dirigiram à uma sala de treino vazia.
— Ei, espera, isso não é o lugar que você deu para o Lucas treinar? — perguntou o homem, reconhecendo o caminho.
— Sim, é… Também é o canto mais provável que encontraremos aquele gato.
Abriram a entrada, lá dentro estava um ser alto, peludo, bípede e com garras pontiagudas.
Ao seu redor estavam diversos paineis destruídos e o chão possuía marcas pretas no formato de suas patas, ao mesmo tempo que o ambiente possuía um cheiro de queimado.
A criatura esticou o braço para o lado e começou a lamber suas mãozinhas, demorando um tempo para reparar no casal na entrada.
Ele recobrou toda a compostura e voltou a sua forma de gatinho, uma pena que seu pelo estava todo assanhado e sujo.
— Ca-ham, em que posso ajudar?
Agora a situação era um pouco mais complicada de conversar, pois a cena causou um misto de constrangimento e medo a julgar por como ele parecia meio-segundo atrás.
De toda forma, Bianca se aproximou, agachando próximo ao gatinho.
— Senhor Amora, você é o familiar do Lucas, correto?
— Da mãe dele, para ser mais exato. Diga logo o que você quer.
— Bem… eu queria que você me confirmasse algumas coisas.
Ambos ficaram lá um longo tempo conversando, e cada ofensa direcionada ao seu pupilo mexia no coração do mestre.
Aquele também foi o mesmo dia que Amora teve a maior paciência e tolerância do mundo. Crianças engravatadas sempre eram paranoicas e loucas, como esperava.
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