Farme! Brasileira

Autor(a): Zunnichi


Volume 1

Capítulo 20: Limitado

Viviane olhou para a tela de seu celular, decepcionada que há dias não recebia mensagem alguma de Lucas. Tinha gostado dele, uma pena que não parecia o mesmo para o rapaz.

O que mais incomodava ela, no entanto, era sua pupila Natália. A garota parecia estar muito incomodada com algo, seu rosto entregava uma clara coisa fora do lugar.

Ela não falava tanto fazia semanas, suas reclamações sumiram de repente e mesmo quando treinavam até o limite sua expressão permanecia impassível.

Viviane esticou seus braços, caminhou até o centro do dojo e comentou: 

— Aconteceu alguma coisa, não é, baixinha?

— Oi? — Ela franziu as sobrancelhas. — O que você quer dizer?

— Ora, quero dizer exatamente o que disse. Sua cara fala tudo, você está emburrada faz muito tempo, então deve ter ocorrido algo que não me disse.

— Não quero falar disso. Só vamos continuar o treino logo…

A mulher suspirou e puxou a orelha da ruivinha. Como era esperado, ela reagiu, esperneando e tentando se soltar.

— Sou sua mestra. Se algo perturba sua mente, não posso deixar passar. 

— Aí, aí! Eu conto! É por conta do meu namorado!

Soltou a orelha, agora as coisas ficaram interessantes. A mente de Viviane começou a pensar no tipo de drama que podia ter acontecido.

— Ele te traiu? Ou você descobriu um segredo muito obscuro dele? Ou quem sabe…

— Para! Não foi nada disso! — Natália fungou, abaixando a cabeça de leve. — Ele foi sequestrado. O irmão mais velho dele o resgatou depois, mas ele voltou todo surrado e com os ossos quebrados. Ele até parou no hospital! Como que eu ia conseguir ficar bem quando uma coisa dessa aconteceu com meu namorado? Não dá, mestra! Eu tô preocupada com ele e tenho até medo que esses sequestradores venham atrás de mim também! Só dou graças a Deus que o irmão dele o trouxe de volta, mas eu tava ficando maluca com cada dia que passava e ele não dava notícia! 

Enfim a onda de desabafos saiu daquela baixinha. Viviane estava num misto de pena e amargura por ela, porém permaneceu quieta e apenas afagou o cabelo de sua pupila.

Era comum ela soltar aqueles desabafos com os incentivos certos, e agora a mestra estava à par da situação. Era realmente bonitinho o quanto ela se importava com o próprio namorado.

— Tudo bem, tudo bem, eu já entendi. Se acalme, tá? Não precisa chorar.

— Eu fiquei morta de feliz quando soube que ele voltou, e até agora não pude visitá-lo por conta desse seu treino infernal que você não me deixa sair daqui nunca, sua bruxa insensível!

— Assim você machuca meus sentimentos... — Viviane teve vontade de arrancar os olhos da pupila, mas não o fez. — Está certo, então te darei uma folga hoje e espero que aproveite o resto do seu dia. 

— Sé-sério?!? De verdade?! Eu posso?!

— Pode, agora fecha a matraca e vai antes que eu mude de ideia.

Natália saiu saltitante dali, seus olhos brilhavam feito diamantes e sua satisfação não podia ser maior. 

Viviane, por outro lado, fechou a cara. Talvez fosse falta de empatia, mas não poder treinar o talento radiante de sua pupila era como um espinho na garganta.

Porém, não podia assumir a face de um monstro. Com um suspiro profundo, fechou as portas do dojo, guardando-se para sua própria meditação nos confins de sua mente.

 

*****

 

— Uff, acho que já deve tá bom.

Lucas saiu da posição de descanso e olhou para o ambiente à sua volta. Continuava no mundo dos sonhos, que agora parecia um canto mais confortável de ficar.

— Já deve tá na hora de ir…

 

Deseja sair da Dimensão dos Sonhos?

 

Ele clicou na opção "Sim", então aquele mundo lentamente começou a perder forma e se desintegrar. 

No final, só havia uma grande vastidão escura, que rapidamente deu lugar às cores do mundo real. Ele encarou o teto cinza antes de levantar o torso.

A morceguinha dormia em seu colo. Imaginando que ela não acordaria tão cedo, pegou-a devagarinho e cutucou sua cabeça para acordá-la.

— Sanguinho… sanguinho… volta aqui sanguinho…

— Ei, acorda, esse não é um lugar bom pra você dormir.

— Nimu, Nimu… a lua cheia não apareceu ainda…

— É, e se você não acordar, o sol vai te pegar e te transformar em pó.

Essas palavras fizeram Mila pular das mãos de Lucas e se esconder por baixo do capuz do moletom de treino. Era bem escurinho e quentinho, o lugar perfeito para dormir.

— Se tivesse um pouco de terra de cemitério, seria perfeito…

— Não vou colocar isso em mim não, tá doida? Agora descanse um pouco, eu vou te colocar num canto quando chegar em casa. 

— Não precisa. — Ela ficou remexendo no lugar, procurando o canto perfeito. — Eu só tomei um susto, na verdade não me transformo em pó pelo sol.

— Sério? Como que isso acontece?

— Explico depois que eu acordar do meu soninho, mestre…

O rapaz revirou os olhos e resolveu esquecer o assunto, tratando de focar em algo mais importante. Seu irmão estava no mesmo estado, não fazia ideia de por mais quantos dias aquilo perduraria.

Saiu da sala e foi em direção a recepção, o horário combinado era que sua mãe chegaria às 9 para trocar, e já estava bem perto de dar o horário.

Porém, quando conferiu o celular, reparou que havia algumas mensagens dela no Zap.

[Oi]

[A namorada do Levi disse que vai ficar com ele]

[Volta pra casa]

"Ela às vezes parece um robô digitando… pelo menos vou conhecer essa garota. Nem vi uma foto dela, que vacilo."

Depois de conversar com as atendentes da recepção sobre se alguém viria visitar seu irmão, um dos enfermeiros indicou uma garota ruiva sentada ali perto.

Por um momento Lucas imaginou que fosse Bianca e se assustou, mas era uma outra pessoa… uma com sobrancelhas estranhamente familiares.

"Sinto que já vi ela em algum lugar, mas aonde?"

— Oi, você é a Natália? — Ele ignorou a sensação e estendeu a mão. — Eu sou Lucas, irmão do Levi. 

— A-ah! — Ela se moveu de susto, parecia que sua mente estava por um instante em outro lugar. — Pra-prazer, eu sou a Natália…

Os dois se entreolharam e novamente veio a estranheza. Ao invés de ficar quieto, Lucas a levou até a sala em que seu irmão estava e lhe entregou uma bolsa. 

— Escuta, se ele acordar, liga pra mim ou pra mãe imediatamente. — Apontou para a bolsa. — Se precisar de carregador, telefone reserva, fone de ouvido, tá tudo aqui, junto de algumas coisas que o Levi pode querer quando acordar. Entendeu?

— Entendi… — Ela apanhou o conjunto de coisas, um pouco impressionada. — Hum, com licença, sei que pode parecer esquisito perguntar, mas já nos vimos antes?

— Olha, eu também tô com a mesma impressão, só que não faço ideia… Enfim, pela tarde a mãe virá pra ficar com ele, já eu estarei aqui pela noite. Qualquer coisa liga, ok?

— Ok, obrigada. 

Aquela foi uma das poucas conversas que teve sem gaguejar, a habilidade Fluxo realmente tinha valido a pena de aprender — ela matou quase completamente sua fobia social!

Depois disso, Lucas saiu do hospital e voltou para casa. No caminho ele ficou tentando encaixar alguma peça para lembrar quem era a garota.

Algo faiscou em sua cabeça, era uma memória dos seus primeiros dias de treino e um encontro com uma certa pessoa. 

"Oh… ohhhh! É a pupila da Vivi! Ela é igual ao rosto daquela sobrancelhuda mesmo! Falando nisso, acho que já faz muito tempo desde que mandei mensagem pra ela."

Desde o sequestro, ele não tinha sequer contatado algum dos seus conhecidos, nem Vivi e nem Theo. 

Quis saber como os dois estavam, especialmente Vivi, que ao checar a conversa descobriu que já fazia quase um mês desde a última mensagem enviada.

"Lá se foi minha chance de ouro…"

Era um pouco triste, porém não podia lamentar tanto. A falta de conversa só foi uma consequência de suas circunstâncias nem um pouco amigáveis.

Até pensou em enviar um emoji ou uma mensagem para ambos, só que precisava resolver mais uma coisa naquele dia: treinar com Amora.

Pôs o celular de lado, concentrando-se somente em conservar energia para o que quer que aquele gato queria. 

Depois de dar uma passada em casa para tomar um café da manhã, jogar por umas horas e almoçar, ele saiu para a Scarlet Witch Bazar.

Entrou na sala de treino lá de dentro. Amora estava no centro da sala, esticando seu corpo com uma roupa de pilates e uma faixa presa na cabeça ao lado de uma JBL.

— And I'm Still Standing After All This Time! 

— Entrei numa hora ruim...?

— WEEOOWW! — Amora se arrepiou todo de susto, mas ao ver que era apenas Lucas, acalmou-se. — Não me mate do coração! Não viu que eu estava na minha sessão de dança?!

— Eu reparei, mas você tinha dito pra eu vir o mais rápido possível. — Mordeu a língua, contendo as risadas no fundo da sua alma. — Enfim, sobre o que você queria falar?

— Humph. Sente-se, vou fazer sua cabeça explodir!

Amora rapidamente se desfez das roupas de pilates e trouxe o livro de Ronaldo de dentro de uma caixa. Ele o abriu numa página peculiar que tinha um desenho do corpo humano e seus músculos. 

— Você já sentiu como se não estivesse usando toda a sua força? — perguntou o gato, apontando para o esboço. — Bem, não é só você. O cérebro das pessoas limita o tanto de força muscular que alguém tem para evitar se autodestruir. 

Ele seguiu explicando que isso acontecia devido aos músculos serem muito mais poderosos do que se imagina. Caso toda a força de alguém fosse liberada de imediato, muito possivelmente ela perderia o membro inteiro e sofreria lesões severas.

Por conta disso, o limite era em média de 30% da força. O cérebro fazia o ser se tornar uma geleia fraca para evitar danos severos, mas em compensação liberava mais dessa força em situações de perigo.

Era como um cheat acionado somente em situações críticas. 

— Então vamos tentar liberar essa energia em mim? Mas não tem a chance de eu acabar me quebrando todo no processo, como você mesmo falou?

— Teria se você fosse um humano de algumas décadas atrás. 

Ele levantou a patinha, demonstrando um pequeno orbe de energia nos dedos. A esfera rodopiou no próprio eixo e se modificou para um formato humanoide.

— Você não vai se machucar tanto se reforçarmos seu corpo com bastante treino muscular. O objetivo é fortalecê-lo fisicamente e também melhorar o controle de si mesmo ao ponto de que você não sinta nada ao desbloquear mais da porcentagem.

— E como faremos isso se eu não tenho nada disso??

— É aí que você se engana, você tem sim! Apenas é muito pequeno.

Amora em seguida foi até uma caixa dentro de um dos armários do lado de fora da sala de treino e trouxe dois braceletes pretos de dentro de uma caixa. 

— Nós não temos como aumentar grandemente de uma hora para a outra, primeiro faremos ela atingir a média da maioria das pessoas. Ponha isso nos pulsos.

Lucas colocou os dispositivos, que brilharam em vermelho quando em contato com a pele. Ele imediatamente sentiu o ar rarefeito e um peso sobre as costas. 

Suas pernas bambearam, forçando-o a se ajoelhar e apoiar as mãos no chão para não desmaiar. 

Na mesma hora usou a Manipulação Menor de Energia Vital, aliviando um pouco daquela coisa esquisita. 

Isso também serviu para que ele percebesse uma coisa: a dita energia vital dentro de seu corpo estava estranha, como se houvessem fluxos inconsistentes passando. 

Amora foi ágil e colocou diversos pesos pelo corpo de Lucas, ao ponto dele mal conseguir se sustentar direito.

— Seu treino será meramente levantar esses pesos e se mover — explicou, aproveitando uma pausa para lambuzar a pata. — Será algo completamente passivo, muito mais fácil que os anteriores.

"Passivo? Isso tá muito pior que antes!"

O rapaz tentou erguer os punhos, apenas para vê-los caindo contra o chão. Outro treino infernal o levaria novamente ao limite, como aquele gato sádico sempre gostava.

 

*****

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