Volume 1

Capítulo 2: O Pássaro e o Passarinheiro (2)

Por alguma razão, subir aquelas escadas me traziam algum desconforto. O calor intenso da primavera tornava aquele momento pior do que já era. Ser chamado por um professor já era ruim o suficiente, afinal não tenho ideia do que ela quer comigo. No entanto, não era como se fossemos os últimos na escola. 

 

Muito dos alunos costumam ficar depois das aulas para as atividades dos clubes. Nosso colégio tem uma grande variedade de atividades e clubes para aqueles que desejam, porém, não é o meu caso. Sempre fui do tipo que quando bate o sinal, já bate os pés e vai direto para casa. Não que não haja algum clube que não pareça — minimamente — interessante para mim, só acho que o cansaço do dia sempre me fadiga de mais, e isso acaba tirando o meu interesse. 

 

De qualquer forma, alguns alunos passavam por nós se dirigindo para o seu clube em questão. A maioria deles passavam correndo e fazendo a maior baderna, até achei que Yoshiko-sensei iria dar uma bronca neles. É o tipo de coisa que ela com certeza faria. Entretanto, ela parecia sequer se importar com isso. 

 

"Uma, duas, três..." 

 

Nós já estavamos no quinto andar, o último andar antes do terraço. Não venho aqui muitas vezes, pelo que sei, esse local é mais frequentado pelas salas dos clubes, e quando alguém precisa ir para a sala dos professores ou a sala do diretor. Quando notei isso, um forte frio na barriga veio acompanhado de uma onda de pensamentos.

 

"Será que eu fiz alguma coisa errada? Mas, eu nem converso ou falo com ninguém... ou será que meus pais se esqueceram de pagar a matrícula..."

 

"Não, isso não faz sentido... meus pais são muito obstinados com meus estudos... eles nunca se esqueceriam disso..."

 

Quando a sala dos professores se aproximou, decidi que seria de perguntar antes que minha cabeça me matasse. 

 

— Yoshiko-sensei? 

 

— Sim? 

 

— Eu fiz alguma coisa errada? 

 

— Não. Você não fez. 

 

— Mas, então...

 

No entanto, quando passamos direto pela sala dos professores, aí que a dúvida se tornou ainda maior. 

 

— Hã...?

 

— [...]

 

Não fazia sentido para mim Yoshiko-sensei estar me levando para a sala do diretor, visto que ela mesma disse que não havia feito algo errado. Mesmo buscando no fundo de minhas memórias, não consigo me lembrar também de ter entrado em conflito com algum membro de clube nenhum. Além de que havíamos acabado de passar pela maiorias dos clubes, pelo menos, dos que me lembro. 

 

— Ryoichi-kun. 

 

— Sim, Yoshiko-sensei? 

 

— Vou ser direta com você. Akeno-san, desde o início do ano passado, vem insistindo em ligar para a escola...

 

— O qu-

 

Quando Yoshiko-sensei falou — Akeno-san — tudo então começou a fazer sentido. 

— Ela falou sobre aquilo de novo...? 

 

— Sim, várias vezes. — Afirmou, Yoshiko-sensei. — Creio que tenha piorado desde o dia em que ela descobriu sobre o clube. 

 

— [...]

 

Estava quente. A maioria dos ar-condicionados desse andar não funcionam devido aos vandalismos dos próprios alunos. A única ventilação vem das janelas, mas, as daquele andar pareciam estar emperradas. 

 

Finalmente, havíamos parado. Paramos em frente a uma porta isolada no corredor do 5° andar. Não é que eu havia me esquecido desse lugar, mas, ele apenas era o último lugar que eu achei que Yoshiko-sensei fosse me trazer. 

 

"Não...não... não..."

 

— Até você? — Indaguei. — Eu vou embora. 

 

— Ryoichi-kun, esper- 

 

— Fique longe de mim... eu vou embora...

 

— Você sabe qu-

 

EU NÃO VOU ENTRAR NESSE CLUBE! EU SOU NORMAL!! EU NÃO SOU DOENTE!!

 

— Ryoichi-kun...

 

AH... Arf... Arf... Ugh...

 

Minha cabeça estava a milhão. Como se meus miolos tivessem todos derretidos. Não conseguia respirar direito, como se algo estivesse bloqueando meus pulmões. Uma raiva incessante tomou conta de mim, mas ainda sim, sentia um medo anormal. Como se uma agulha de costura estivesse prestes a fura minha retina. 

 

Mesmo não conseguindo pensar direito. Mesmo que minha mente estivesse tão confusa... ainda sim, uma unica sentença voltava a martelar a minha cabeça 

 

"FUJA!!!"

 

Assim

Como

Pássaro,

Quando

Enxerga

A

Gaiola

Do

Passarinhe-

 

— Ryoichi! — Exclamou, Yoshiko-sensei. Ela balançou meus ombros para frente e para trás, com o intuito de me acordar do meu pequeno frenesi. — Você está me escutando? 

 

— M-Me desculpe... Me desculpe...

 

— [...]

 

A maneira um tanto brusca de Yoshiko-sensei acabou funcionando e finalmente consegui me acalmar um pouco. Porém, ainda sim, eu não iria ficar mais nem 1 minuto ali. Não, nem mais um segundo sequer... 

 

— Ryoichi-kun, desde que você chegou nessa escola, eu busquei entender você... na verdade, eu sei que você não está mentindo...

 

— Então, por quê?! Por que acredita nela?! 

 

— Acalme-se Ryoichi!! Eu estou falando agora!! 

 

Tsc...

 

— Ano passado ela ainda não tinha o documento médico, por isso, ela não podia fazer muita coisa. Por isso, suas palavras valiam e você conseguiu evitar aquilo...

 

—...Mas, agora é diferente. Você sabe... não sabe...? — Acrescentou, Yoshiko-sensei. Suas palavras eram afiadas, mas, ela não falava de maneira ríspida. Mas, sim, como uma verdadeira professora. 

 

— [...]

 

Eu sei. Minha mãe, mais uma vez, estava fazendo da minha vida um verdadeiro inferno. Desde que eu era pequeno minha mãe sempre foi muito apegada á mim. Eu sou filho único e como meu pai está sempre ocupado, minha mãe é a que esteve mas próxima de mim. Eu também sempre fui muito próximo dela e sempre a amei muito. 

 

No entanto, por alguma razão, minha mãe sempre me achou — especial — diferente dos outros. Ela, a princípio, pensou que eu era autista. Segundo ela, eu sempre fui meio avoado e desligado das coisas, mas muito inteligente e talentoso. Ela dizia que eu era um verdadeiro gênio, inclusive, amava se gabar para as suas amigas falando que eu era bilíngue e que era um mestre no piano. 

 

Ela disse que eu era bilíngue, porque eu tinha falado: i love you mommy! Eu aprendi essa fala enquanto assistia um musical que passava em um desenho na TV. E bem, eu também estava longe de ser um mestre no piano. Apenas sabia uma ou outra tecla que meu pai havia me ensinado em algum de seus dias de folga. 

 

Ainda sim, minha mãe sempre me achou diferente dos outros. Ou pelo menos, ela queria que eu fosse assim. Quando você é uma criança e apenas escuta de sua mãe que você é especial, você não consegue entender perfeitamente em qual sentido. Mas, eu me sentia bem e minha mãe parecia feliz com aquilo, então, por um longo tempo eu apenas dancei conforme a musica. 

 

Entretanto, a obstinação de minha mãe comigo começou a ficar cada vez maior. Ela começou a me levar a diversos médicos e psicólogos diferentes, vez após vez. Muitas vezes em busca de algum remédio ou algum diagnóstico de que eu tinha algum problema. 

 

O resultado? Sempre o mesmo: — Akeno-sama, eu vou ser bem direto. Em nenhum dos testes que realizei, Ryoichi-sama demonstrou ter TEA. Superdotação também está fora de questão... Ele é um garoto normal, saudável. Não é anormal ele ter um ou outro comportamento estranho, isso é totalmente natural. Isso não enfatiza ele ter autismo ou qualquer outra deficiência.

 

Por sua vez, minha mãe custava a acreditar nas palavras desses profissionais, então, ela sempre acabava me levando de um lugar para o outro. Mesmo que no final, a resposta sempre acabava sendo a mesma. 

 

Com o tempo, até mesmo eu acabei me cansando dessas consultas. Principalmente, quando comecei a crescer. Era cansativo ter que para um consultório diferente toda semana. Além de que, até mesmo eu já havia entendido a mensagem dos médicos. Infelizmente, minha mãe nunca pareceu entender. 

 

Nesse meio-tempo minha mãe voltou a trabalhar como corretora de imovéis, então, ela não tem tido muito tempo para ficar me levando em consultórios como antes. Entretanto, ela continua me achando — especial e diferente dos demais — isso nunca mudou. Tanto que uma das razões para ela ter me colocado nessa escola, é justamente o tratamento que o colégio dá para pessoas com alguma deficiência. Como nunca fui de socializar e ter muitos amigos, ela provavelmente, achou que eu poderia me relacionar com — pessoas igual a mim. 

Entretanto, no final do ano passado. Minha mãe arrumou algum tempo e conseguiu me levar para mais uma consulta. Foi irritante e cansativo como sempre, mas como eu já sabia qual seria o resultado, eu apenas dancei conforme a música mais uma vez. 

 

Ou pelo menos, eu achava que sabia. 

 

— Você sabe o que é TEI? 

 

— [...]

 

— Transtorno Explosivo Interminente. Um distúrbio mental que se caracteriza por episódios de agressividade descontrolada. Transtorno esse que se não for bem tratado, pode até mesmo resultar em tragédias. 

 

— E o que eu tenho haver com isso? — Perguntei de maneira ríspida. Minhas palavras estavam cheias de desrespeito e em um tom afrontoso. — Houve algum momento em que eu demonstrei ser alguém agressivo, sensei? 

 

— [...]

 

As minhas palavras eram inutéis, eu sabia disso. Chegou a ser vergonhoso eu falar tais coisas, depois do pequeno surto de raiva que eu tive. Mas, não é como se aquilo significasse que eu tenho algum distúrbio ou problema, afinal, todos sentem raiva. Até mesmo eu sinto, ás vezes. 

 

— Akeno-san relatou ao diretor que o motivo dela ter levado você para a última consulta, foi devido a um ataque de raiva que você teve ao conversar com ela. — Disse, Yoshiko-sensei. Diferente de mim, suas palavras eram sérias e diretas, e pareciam causar mais dano que minhas palavras agressivas. — Segundo ela, você já havia agido daquela mesma maneira e isso a deixou preocupada. Por isso, ela te levou a um profissional... 

 

—...Ryoichi-kun, o que aconteceu? O que você disse a sua mãe?

 

— [...]

 

Um silêncio profundo tomou conta daquele enorme corredor. Nada podia ser ouvido, nem mesmo o som de nossa respiração. Yoshiko-sensei pareceu esperar por uma resposta que nunca chegaria a ela. 

 

—...Hum, parece que você ainda não está pronto para me dizer.

 

— Me desculpe...

 

— Tudo bem. Isso não é tão importante agora. Vamos ao que realmente importa...

 

Yoshiko-sensei pareceu virar a chave rapidamente. Ela tomou a minha frente e ficou entre mim e a porta do clube. 

 

— Ryoichi. Você vai entrar nesse clube.

 

— M-mas eu nã-

 

— Você sabe que não tem como recusar isso... correto?

 

—...Ugh... 

 

—...Ahh... Você sabe que clube é esse, certo?

 

— [...]

 

— CERTO?!

 

— B-Bem, eu apenas conheço a fama dele... não sei muito bem do que se trata ou do que eles fazem...

 

— Hum... bem, acho que isso é o suficiente por enquanto. — Respondeu com um sorriso enorme em seu rosto. — Acho que os outros membros ficarão felizes em tirar todas as suas dúvidas.

Yoshiko, então, colocou a mão na porta da sala. Virou-se então para mim e exclamou em alto som.

 

— Este é o seu novo...

 

*BAM!!!*

 

Um som alto e seco ecoou de uma só vez. O barulho repentino fez quase meu coração sair pela boca. Era o barulho da porta do clube, que abriu de uma só vez. No entanto, devido a reação de Yoshiko-sensei que quase caiu para dentro da sala do clube, era meio óbvio que não havia sido ela que abriu a porta, mas sim alguém lá dentro. 

 

Meus olhos se voltaram para a figura que estava do outro lado da porta. Uma garota de cabelo alaranjado me olhava com os olhos cheios de lágrimas. Sua gravata vermelha deixa claro que ela uma aluna do segundo ano. Ela parecia estar prestes a explodir, entretanto, nada saía de sua boca. Era como que... por mais que desejasse, sua voz não conseguisse me alcançar. Suas mãos pequenas pareceram apertar a borda de sua saia, antes que a garota passasse por mim e fosse embora. 

 

— Rina-chan! 

 

Antes que eu pudesse ter qualquer reação, mais uma garota apareceu em sequência. Era uma garota de baixa estatura e cabelo rosa. Provavelmente, devido ao seu cabelo longo, ela parece usar uma pequena fita verde para segurar o seu rabo de cavalo. A fita parece combinar com sua gravata também de cor verde, visto que ela é do 1° ano. 

 

A garota de cabelo rosa pareceu estar desesperada para correr atrás da garota chamada — Rina-chan — entretanto, antes que pudesse fazer isso, ela fez o favor de me dar uma olhar mortífero. 

 

— Então nós somos DOENTES, não é?! 

 

— [...]

 

Tsc... Rina!!! — Exclamou, a garota de rabo de cavalo. Antes que voltasse a sair correndo atrás de sua amiga. 

 

A pequena garota de cabelo rosa, parecia ter uma personalidade forte e destemida. Porém, por alguma razão, era como que mesmo que ela se esforçasse tanto, seus braços ainda não pudessem alcançar o que ela queria. 

 

—...Ai, ai... eu não diria que esse foi um bom começo para você, Ryoichi-kun... — Murmurou, Yoshiko-sensei. Ela expirou forte enquanto parecia suspirar. 

 

Eu nem tinha como me defender. A minha unica reação possível era continuar observando o desenrolar de tudo aquilo, torcendo para que aquele inferno logo acabasse. Mas, parecia que as surpresas ruins não terminariam ali. 

 

— Acho que apenas um pedido de desculpas não vai funcionar com Rina-san...

 

Uma voz tão serena quanto uma brisa suave pôde ser ouvida de dentro do clube. Aquelas palavras suaves como que enfeitiçaram meus ouvidos. Entretanto, minhas pernas não se moviam nem um milímetro. Ao contrário, elas pareciam estar tremendo de nervosismo. 

 

— Deixe de ser tímido! Entre! — Disse, a animada Yoshiko-sensei. Ela deu um grande empurrão nas minhas costas me fazendo cair para dentro da sala do clube.

 

— Ei! Eu já est...

 

— Tá, tá...

 

*BAM!!*

 

A porta da gaiola estava finalmente fechada. 

 

Notas do Autor: Todas as Ilustrações dessa novel são feitas por IA. Comentem e façam teorias, leio e respondo todos os comentários

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