Epopeia do Fim Brasileira

Autor(a): Altair Vesta


Volume 9 – Arco 6

Capítulo 160: Trégua

A chegada de Damon alterou toda a conjuntura construída no combate das ruínas.

Enquanto as irmãs o encaravam cheias de circunspecção, já cientes de que o rapaz se aproximaria, Irene tinha os olhos trêmulos e arregalados, com lábios bem afastados.

A angústia tomou conta, à medida que podia sentir a eletrização no ar, vinda do próprio rapaz com o porte de sua espada com o talhe da cabeça de um dragão no guarda mão.

O próprio nem mesmo se preocupou com a presença das filhas de Atena. Deu as costas para elas, com foco exclusivo na jovem de cabelo creme, inerte a poucos metros de distância.

Encarada por olhos tão pesados, semelhantes ao céu noturno, a garota recuou um passo arrastado no puro instinto.

E não demorou muito para que sua situação piorasse ainda mais. Outras duas pessoas chegaram ao saltarem a pequena muralha a circundar a região.

Ofegante por conta da maratona até ali, Helena apoiou as mãos nos joelhos, de corpo encurvado em busca de recuperar o fôlego cujos pulmões imploravam por.

Silver, por outro lado, aparentava estar bem, apesar de ter as sobrancelhas levemente enrustidas. Também arfava, mas conseguia lidar bem a ponto de esconder dos outros.

Manteve o silêncio ao analisar o cenário ao alcance.

Apesar do pequeno desgaste, tinha a mão sobre a empunhadura da lâmina embainhada na lateral da cintura.

“Irene... não pode fugir mais”, a menina fechou os olhos, em aceitação ao seu destino naquele lugar.

Desprovida de qualquer rigidez na postura, deu toda a brecha a favor do recém-chegado, que semicerrou as vistas.

Pôde perceber, por uma simples fungada das narinas, que a responsável pela neblina ao redor era ela.

Só de encará-la com ajuda do olfato aguçado conseguia ver que se tratava de uma oponente formidável, privilegiada.

No entanto, parecia estar disposta a entregar tudo àqueles apóstolos, sem esforço algum.

Se fosse assim, do que valia as sensações recentes, quando a energia das gêmeas chamou a atenção de boa parte da ilha?

Ao estalar a língua, ele decidiu deixar aquilo de lado em prol de...

— Requisito encarecidamente que se acalme, Damon. — A voz de Chloe cortou sua linha de ação. — A situação está controlada por nós. Tal combate não será necessário.

Enfim ele virou a encarar as duas, por cima do ombro.

Vendo a determinação no rosto de ambas, girou metade do corpo.

— Do que ‘cê ‘tá falando? — Sem olhar para a pálida, apontou a espada a ela. — Essa não é uma inimiga?

“Explicação: Eu mesma ponderei a princípio, porém passei a compreender a resolução de minha irmã”, a voz de Julie percorreu a cabeça do rapaz, além dos outros que chegaram.

— Esta menina não nos afligiu em instante algum. — A lanceira relaxou o braço portador da arma longa. — Ela, tampouco, demonstrou desejo de nos combater.

“Complemento: Em vista, minha irmã carrega uma maneira de resolver isto sem a necessidade de nos enfrentarmos.”

Silver e Helena continuaram quietos, alheios a tudo.

A jovem conseguiu recompor a postura ao retomar o fôlego que desperdiçou.

Damon abaixou o braço dominante. Direcionou o olhar carregado à jovem púrpura, que devolveu a contemplação quieta.

Por conhecê-las em certo grau, o olimpiano resolveu aceitar o pedido das garotas, sem estender a discussão.

Pouco a pouco, a aura ao seu redor esvaneceu, tal como os raios de energia se retraíram.

“Caso fosse outro integrante que não Damon, poderíamos ter perdido completamente este caminho”, a lanceira exalou um lamento de alívio, agradecida por ter sido ele a chegar no local.

Claro, se referia principalmente aos veteranos, os quais sua cabeça concebeu as imagens ao pensar sobre.

Enquanto o silêncio perdurava, Irene usou o espaço para se controlar.

De forma gradativa, o cajado parou de soltar a neblina púrpura pelo ambiente, o que logo foi percebido pelos demais

Quando a turbidez se dissipou, ela abriu um sorriso trêmulo no rosto corado.

Então, desistiu de alimentar um caminho que, naquele instante, beirava a utopia.

— Irene não vai tentar fugir mais! — Abriu os braços, sem pretensão de enganá-los. — Por isso, podem fazer o que quiserem com a Irene...

Um tanto melancólica nas palavras, ela aceitou a impossibilidade de seguir em frente.

Chloe devolveu o olhar à menina, a exemplo dos demais. E, retomado o controle do cenário, indagou:

— Caso seja a única saída responsável por evitar conflitos... aceitaria suportar este desfecho? Ainda que pague com a respectiva vida...

— Irene não tem chance contra todos vocês. Por isso, é a saída que resta... — Voltou a abraçar o cajado, o trazendo para colar em seu peito. — Se Irene não pode mais fugir... então, Irene aceitará esse destino.

A lanceira assentiu consigo, contente em ver que tinha acertado em acreditar naquela escolha.

Damon, por outro lado, piscou desentendido, até desviar o olhar em seguida.

Através de uma bufada fraca, compreendeu a decisão da filha de Atena e deixou-a seguir na dianteira ao guardar a espada de volta à bainha.

Com o novo rumo em aberto, Chloe caminhou a passos curtos até a jovem, agora livre dos ruídos dos ossos afastados pela chegada do olimpiano.

Os olhos violetas fixaram na face cabisbaixa de feição pura.

— De certo, não devemos desperdiçar tempo algum. Antes de prosseguirmos, por obséquio, responda-me. — Fez com que ela voltasse a subir o olhar, a fitando. — Por quais circunstâncias decidiu unir-se aos Imperadores das Trevas?

Irene assentiu, com alguma timidez, antes de responder:

— Pra encontrar a mãezinha. Por isso Irene se juntou a eles.

Um silêncio se criou nas ruínas, enquanto Helena levantou as sobrancelhas em genuína surpresa.

Chloe levou a mão esquerda abaixo do queixo, pensativa no que tangia às abordagens que deveria escolher a partir daquela informação.

Mesmo demonstrando odiar tanto a batalha, ela optou por se unir àquele grupo que tinha como prerrogativa o desejo de derrubar os deuses.

Era até estranho ver uma integrante dos Imperadores das Trevas cultivar tal filosofia, além de, claro, desejar algo diferente.

Dessa maneira, o caminho que a jovem tinha apostado em construir se tornava cada vez mais viável.

— É por tal razão que deseja encontrar as Moiras, portanto?

Irene assentiu com a cabeça, duas vezes.

— Leozito e Heazito acharam Irene e pediram que emprestasse sua força a eles. Irene disse que os ajudaria se fosse ajudada. — De novo abaixou a cabeça, relembrando o encontro. — Mesmo sabendo que eles não queriam algo bom, Irene não tinha outra opção...

— Outros caras dos Imperadores? — Damon perguntou de forma isolada, recebendo outro aceno positivo da garota.

— Eles contaram pra Irene sobre o objetivo de procurarem essas moças do Destino! — Fechou os olhos com um sorriso desconcertado. — Se elas controlam o Destino de todos, então devem saber onde a mãezinha da Irene está! Por isso Irene veio com eles!

Fazia sentido, pensou a lanceira.

Assim como Julie, continuou incapaz de detectar mentira alguma nas palavras da menina.

— E por que quer tanto encontrar essa sua mãe?

A nova pergunta do filho de Zeus soou tão repentina que chamou a atenção de todos, não apenas da imperadora acanhada.

“Damon?”, Helena pôde sentir o tom de inquietação na voz do rapaz.

Isso serviu para as gêmeas e o filho de Poseidon, com as impecáveis leituras emocionais e a audição aguçada.

Boquiaberta diante da interferência do rapaz, Irene engoliu em seco por um breve átimo.

— Irene... sente saudade daquele calor... — Fez uma pausa profunda, o olhar pesado. — Irene agora sabe se cuidar, mas sente muuuuita falta dela.

O quase pensamento em voz alta fez Damon também desviar o olhar até os próprios pés.

— De qualquer forma...! — Voltou a erguer o semblante, forçando um sorriso. — Irene acredita que pode descobrir qualquer coisa com as moças do Destino!

— Sei...

Por meio de um suspiro carregado, o cacheado deu a volta e caminhou até uma das colunas remanescentes da batalha recém-finalizada.

Subiu até ela com um salto veloz.

Lá permaneceu, de olho na sequência que teriam para além da muralha a circundar a região.

Enquanto isso, Chloe reformulou os pensamentos conforme digeria tudo que havia recebido dos presentes.

— Portanto, posso concluir que você não compactua com as reais pretensões dos imperadores?

— Irene não pode fazer nada quanto a eles. — Arriou os supercílios, o riso tornou-se pesaroso. — Irene nunca aprovaria qualquer tipo de conflito. Só que... essa foi a única chance que Irene teve. Por isso, Irene não pensou duas vezes.

Com a reiteração da afirmativa anterior, a purpúrea dividiu o cabo da lança de repente, o que pegou a jovem de surpresa.

As girou com maestria e guardou-as nas alças de metal das laterais do cinto de couro.

Julie exalou um fraco lamento ao decidir acompanhar a determinação da semelhante; guardou a flecha preparada e fez o arco retornar à forma de bastão.

De braços cruzados no topo do sustentáculo ao lado, Damon encarou a atitude das gêmeas de soslaio.

Detrás delas, Silver enfim retirou a palma descansada sobre a bainha da lâmina. Helena respirou fundo, aliviada ao enxergar tal desfecho.

Todo o clima de tensão nas ruínas do Berço da Terra desapareceu.

Mesmo assim, o coração da pacifista bateu mais forte, sem fazer ideia sobre como aquilo iria terminar.

As irmãs se entreolharam e, depois de algum tempo, voltaram a concordar uma com a outra, desprovidas da necessidade de trocar alguma palavra.

Chloe levou a palma canhota sobre a boca, fechou os olhos e soltou um pigarro fraco.

— Um enfrentamento não é mais viável, por ora. Isto posto, senhorita Irene... — Estendeu a mesma mão à pálida. — Propomos uma trégua em vista do alcance de nossos escopos.

Incrédula ante a resolução escolhida pela adversária, Irene gaguejou:

— N-não precisa chamar Irene de “senhorita” — olhou para todos os lados, na tentativa de esconder a timidez. — Irene só tem dezesseis!...

— Nosso escopo primordial é o de impedir que os Imperadores das Trevas alcancem as Moiras e alterem o Destino a seu favor. E, caso seja possível, também buscamos as referidas Moiras, ao término da jornada. — Caminhou até se aproximar mais um pouco da pálida. — Isto implica em dois fatores imprescindíveis. O primeiro e mais importante é o de que avançaremos em completa oposição àqueles que lhe acolheram até então. E, segundo: creio veementemente que você, Irene, será beneficiada para o caso de alcançarmos o sucesso de conquistarmos uma audiência, situação extremamente complexa de se concretizar, ainda assim. Portanto... o que pensa sobre?

Era difícil acompanhar, mas a garota ao menos podia compreender as implicações que a trégua oferecida acarretaria.

— Irene só quer tentar chegar nas moças do Destino. Então, Irene aceita! — Abraçou com mais força o cajado de raízes.

Como esperado pela ateniense, a garota que desejava fugir, após perder toda a esperança em conseguir continuar, agarraria a nova chance que lhe foi dada.

Assim como aceitou se unir a um grupo que desejava o mal dos deuses, ao contrário dela, por ser a única oportunidade oferecida no momento...

Com a aceitação, Irene apertou a mão estendida da purpúrea. A inimaginável trégua entre as oposições criadas pelo destino estava firmada.

— Ela aceitou mesmo ir contra seus aliados — mussitou Helena, enquanto observava a feição inocente da garota. — Realmente ela passa uma vibração diferente dos outros.

Silver desviou a atenção, desinteressado na nova e peculiar integrante do grupo divino.

Por outro lado, Damon ainda não aceitava a presença dela.

“Aviso: Não se aflija sobre este quesito, Mon-Mon”, a voz de Julie preencheu sua cabeça de súbito. “Eu e minha irmã carregaremos a responsabilidade. Portanto, tomaremos conta desta menina enquanto nossa jornada prosseguir.”

Incomodado com as palavras a ecoarem pela Telepatia, ele deu de ombros.

— Isto solucionado, devemos proceder — anunciou Chloe, dando a volta rumo à saída das ruínas. — Reitero pela última vez que inevitavelmente entraremos em conflito com vossos aliados.

— Irene se perdeu deles mesmo! — Recuperada com a confiança, mostrou os dentes ao alargar o sorriso.

Para o bem ou para o mal, nos dois lados, a encruzilhada de propósitos estava resolvida.

Claro, ao fim de tudo, nenhum deles confiava cem por cento na jovem que era parte dos Imperadores das Trevas há meros minutos.

E assim como Julie tinha dito, as descendentes da sabedoria tomariam as rédeas caso algo prejudicial viesse a ser criado da respectiva.

Por ora, recuperados da fadiga das batalhas e avanços, decidiram continuar pelo trajeto que tinham à disposição.

Já no intuito de se habituar àquela nova configuração, além de confiar no julgamento preciso das gêmeas, Damon saltou da pilastra de gesso.

Regressou à companhia do grupo, que agora tinha a passagem retangular como ponto de partida.

— Tem mais ruínas depois desse muro. — Apontou à vertente que observava há um tempo. — Também tem um lago, mais floresta... O resto ‘tava tudo coberto pelas árvores.

— Agradeço a observação, Damon. — Chloe sorriu em agradecimento ao trabalho do companheiro. — Todos se sentem bem a fim de prosseguirmos de imediato?

— A Helena ‘tava com tontura e um pouco de falta de ar. — Apontou à ruiva, que corou de repente.

— Encontramo-nos a uma altura considerável, afinal. — Jogou mechas do cabelo roxo para atrás da orelha. — É compreensível que haja indivíduos que sintam os efeitos naturais em diferentes intensidades.

— Eu já estou melhor. Se algo acontecer, eu aviso — disse a Classe Iniciante, levantando a mão.

— Certo. E os demais? — Delegou o olhar aos garotos.

— Eu ‘tô de boa — disse o filho de Zeus.

— Não precisam se preocupar comigo — respondeu o filho de Poseidon.

Chloe viu de relance que ele tinha tendência a sentir os efeitos ligeiramente, mas se apeteceu com seu equilíbrio para lidar.

— Portanto, manteremos o expediente através das passagens sequenciais a estas ruínas.

Ante a determinação da ateniense, Damon tomou a dianteira e foi o primeiro a ultrapassar a abertura que os levaria até a zona exterior das ruínas.

Com o olfato aguçado, procurou por possíveis presenças hostis no trajeto. Nada foi encontrado; nem monstros ou tampouco membros do grupo inimigo.

Silver confirmou a partir da audição, sendo o próximo a atravessar de um local a outro, seguido por Helena.

Depois foram as gêmeas e a nova “parceira”.

Não demoraram a chegar ao pequeno lago de água cristalina, uma pequena pausa antes de continuarem contra os obstáculos inesperados da terra das Moiras.

Os descendentes olímpicos se hidrataram ao beberem efusivamente a água à disposição.

“Não pode ser mal”, Chloe ponderou, também se agachando a fim de molhar a garganta e limpar a poeira do rosto.

Ela resistia aos poucos, mas também tinha sofrido com uma leve náusea após se esforçar na luta das ruínas.

Enquanto terminava de se recompor, encarou de soslaio até ver a ferida que a ex-integrante dos Imperadores continuava a tentar esconder.

— Me dê vossa mão. — Estendeu a sua à direção dela.

Irene se assustou com piscadas rápidas, mas logo ofereceu o palmo do braço machucado, que foi apanhado rapidamente pela filha de Atena.

Ela rasgou parte da capa prateada que a cobria, na altura das pernas. A umedeceu com a água do lago e, em seguida, limpou as manchas quase secas de sangue do corte.

Uma leve ardência acometeu a menina, fazendo-a fechar um dos olhos e o apertar.

Depois de limpá-la, Chloe a torceu para se livrar do excesso de água e a amarrou até cobrir o machucado.

Enquanto era afagada por tal gesto, memórias não tão distantes correram pela cabeça de Irene.

Quando se machucava e precisava ter seus ralados e arranhões cuidados da mesma forma, jamais se esquecia dos toques gentis de quem fosse aquela pessoa.

Era muito idêntico, pensou ao sentir o tato delicado da púrpura, que terminava de fazer o laço final no curativo improvisado.

— Pronto — disse por meio de um suspiro rápido. — Agora não será necessário se inquietar.

A pálida encarou a bandagem que cobria seu incômodo.

Mesmo tendo enfrentado as duas irmãs; mesmo não tendo ainda a confiança dos demais membros do panteão divino...

Mesmo assim, ela se sentia acolhida o suficiente para quase lacrimejar os olhos ao abrir um sorriso radiante.

— Irene agradece!!

Embora fosse temporário, um destino incerto a ser seguido, ela desejou abraçar aquele novo caminho até onde fosse possível.

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