Volume 7 – Arco 5
Capítulo 139: TEATRO DO DESTINO
Centenas de milhares de fios dourados espalhavam-se pelo extenso salão luminoso.
Distribuídos por solo, teto e paredes, cruzavam o espaço recheado de pilastras, na construção de um cenário bagunçado.
Apesar disso, tudo ali possuía início, meio e fim.
O início estava ligado à uma enorme máquina circular, que girava em lenta velocidade. Dela, fibras douradas ganhavam vida para serem tecidas por pequenas e habilidosas mãos pálidas.
Essa era a Roda da Fortuna, a responsável por determinar o ponto de partida de todos os seres vivos.
O meio transcorria as dimensões desses fios. Cada um deles possuía medidas específicas e seguiam tantos caminhos possíveis.
Alguns sustentavam-se na solidão; outros entrelaçavam-se em uma ou mais velhas e novas fibras.
Todos, sem exceções, eram regulados com maestria por velozes unhas afiadas, especiais a favor daquela tarefa única: a determinação da sorte em vida.
Já o fim alcançava a ala mais obscurecida do recinto, embora não fosse restrito a essa.
Consoante à sorte traçada nos caminhos, o futuro traria seu desfecho, rompido pela grande tesoura cor de sangue.
Fosse em calmaria e paz, fosse em tragédia e sofrimento... todos encontravam a morte.
Três mulheres.
Três trabalhos separados, que confeccionavam a totalidade de uma singular unidade.
Essa era a rotina diária, eterna, daquelas que tinham em mãos o controle do Destino.
— Há tempos que não me divirto como atualmente! — Animada, uma alta mulher de vestido claro rodopiou entre os fios. – Quando deve ter sido a última vez!? Durante a Grande Guerra!!
— Novamente brincando com os deuses — Irritada, outra mulher de vestido escuro resmungou. O capuz lhe cobria metade da face. — Deveria focar unicamente em seu trabalho, Láquesis.
— Deixa de ser chata, Átropos! Não existe a palavra diversão em seu vocabulário!?
— Sua ingenuidade com essa tal “diversão” antecipou o rompimento dos fios daquele titã. Não satisfeita, eliminou mais um grande monstro e causou toda a balbúrdia no templo das Deusas das Artes...
— E depois eu te dei descanso, não foi? Ah, pode confessar, a luta daquelas duas meninas foi demais!
Um estalo de língua foi o suficiente para Átropos ratificar sua desistência perante a discussão.
Voltou a se concentrar no corte de novos Fios do Destino, a invadirem sua parte dos aposentos.
Em consideração à clara manifestação da derrota, Láquesis sustentou o semblante animado, sem deixar de passar as unhas laminosas em outras fibras no trajeto,
O cabelo, volumoso o suficiente para ser dividido em duas repartições onduladas sobre a testa, uma para cada lado, alcançava parte das costas.
Com o vestido rasgado na altura dos ombros, podia mover os braços com exímia velocidade e maestria, sem deixar passar detalhe algum.
Ainda assim, era enorme a ponto de esconder seus pés, oferecendo a impressão de que ela flutuava acima de nuvens repartidas.
Os olhos turquesas atendiam, especialmente, a uma divisão específica daquele amontoado.
Essas carregavam uma tonalidade prateada, destoante dos dourados “naturais”.
Separados a dedo, encontravam-se próximos ao teto.
A Sorteadora do Destino subia com delicadeza ao flutuar de verdade.
Rodopiava em manobras perfeitas, sem deixar de passar as pontas das unhas nas fibras próximas.
Meros movimentos como esse decidiam a Sorte dos mortais e dos deuses.
O caminho que eles trilhariam da vida à morte, todos determinados através daquela leveza divertida.
Quando completou os afazeres no tocante àquela região dos emaranhados, se deparou com a “ala especial”, onde os olhos saltaram imediatamente à contemplação.
— Aconteceu!
Disparou, sem pestanejar, até outro amontoado peculiar de fibras que carregavam uma tonalidade mais escurecida.
Todas elas pareciam ser “contaminadas” por um fio em específico, no centro do emaranhado.
— O que houve, Láquesis? — A encapuzada virou metade do rosto em sua direção.
O silêncio estava determinado, conforme a mulher sentia o destino daqueles que estavam envolvidos nos conflitos recentes.
Os responsáveis por chacoalhar de vez a história da Era Prateada...
— Incrível... eles virão!
— Como?
— O grande objetivo deles é vir até nós! — Láquesis abriu um enorme sorriso, extremamente eufórica. — Isso é genial! E, com certeza, os deuses virão com eles...!!
— Me permita cortar esses fios de uma vez, portanto. — A interrompeu, já com a tesoura preparada em suas costas.
— Hein!? Espera, Átropos!!
A responsável pelos fios girou bruscamente, a fim de impedir seu avanço.
Átropos também podia flutuar, tão rápida quanto, deixando as bordas do vestido escuro esvoaçarem como rastros de sombras no trajeto.
Por mais que estivesse coberta pela metade da face, podia-se enxergar a expressão sólida através de sua boca contorcida.
Um grande tufo cacheado do cabelo rosa escorria até o ombro canhoto.
Ao ser surpreendida pelo gestual da irmã, no intuito de proteger os fios com o próprio corpo, levantou o instrumento cortante envolvido nos dedos.
— Não permitirei que prossigam.
— Calma, calma, por favorzinho!! Veja só, nem euzinha sou capaz de definir a natureza desses fios escuros! Quero estudar mais sobre eles e sinto que essa é uma grande oportunidade!! Então, não precisa ser tão rígida em...!!
— Como disse, Láquesis? — Novamente a interrompeu.
A ameaçada experimentou a influência cortante atravessar o tecido escuro que cobria suas vistas.
Ainda assim pôde perceber o ínfimo brilho verde-turquesa que iluminava a região à mostra do rosto alvo.
— Eu já falei que estou cuidando disso, não precisa se preocupar assim!! Foi o que eu quis dizer, aliás! — Encarou por cima do ombro. — E nem em sonhos eles podem no ameaçar de alguma maneira, então que tal você relaxar um pouquinho, sabe?
— Melhor prevenir do que remediar, eu diria.
— Ora, mas esse é um evento extremamente raro! Eu quero muito, mas muito, ver como essa nova história se desenrola! — Juntou as mãos e fechou as vistas, abaixando a cabeça. — Poderia me dar a graça dessa oportunidade única, querida irmã!?
No entanto, a indagação foi direcionada à terceira das anfitriãs, aquela que se abstinha em silêncio, focada no próprio trabalho até então.
Se tratava da menor de todas, que trajava um vestido róseo de manga comprida.
O curto cabelo rosa-claro era liso e alcançava a parte média do pescoço. Seus olhos, também turquesas, acompanhavam com seriedade o giro moroso da Roda da Fortuna.
Chamada pela eufórica Sorteadora, delegou o foco até encontrá-la no campo de visão.
O semblante pesado, disposto de sobrancelhas contraídas e vistas entrefechadas, conduziu um igualitário arrepio às duas.
— Não me importo. Faça o que desejar.
Apesar do teor da resposta, fria e objetiva, Láquesis esboçou um sorriso triunfante contra a encapuzada.
— Haha! Obrigadinha, Cloto! Viu só, sua ranzinza!?
— Por que tanta fissura nesses seres, Láquesis? — Abaixou a tesoura. — O que há de tão diferente, após mais de dois séculos da Grande Guerra, para que você tenha tamanho interesse neles?
Sem esperar aquela pergunta, a esguia pegou-se boquiaberta e, pela primeira vez, não encontrou uma resposta concreta para ofertar.
Átropos aguardou até o último segundo, mas nada veio da problemática irmã.
Desistiu de confrontá-la, em vista da decisão final da líder, então regressou ao local tomado pela ausência luminosa...
— Algo superinteressante ocorreu, sim. — A resposta veio com atraso, além de um tom mais profundo. — Constatei que, durante algumas utilizações do Controle do Destino em diversos daqueles fios... não houve retornos desejados.
A notícia não fez só a sombria se virar novamente, como também obrigou Cloto a interromper o trabalho por um breve período.
— O que você está querendo dizer!? — rugiu em protesto. — Isso é um absurdo!
— Não é!? — O sorriso torto surgiu na face da maior. — Assim que eu determino o destino de alguns desses jovens, o oposto ocorre, me contrariando e criando um outro caminho! Não faz seu coração bater mais rapidinho!?
— Mas, como isso pode...!?
— Deseja explicar melhor, Láquesis?
A mansa voz da mais velha atravessou o perplexo questionamento de Átropos.
Láquesis se retraiu um pouco, sentindo o peso na intervenção dela.
— A-ah! Sobre isso, creio que sejam erros cometidos por mim mesma, sabe!? — Tentou desconversar, mas era péssima em dissimular. — Assim, pode ser no calor do momento, já que não experimentava tantos acontecimentos interessantes há tempo! Fico bem emocionada e cometer deslizes, talvez eu esteja enferrujada, haha!
Perante a risada claramente forçada, a Tecelã permaneceu em observação pelo canto dos olhos.
O desconforto à Sorteadora só cresceu, em contrapartida à galhofa, que foi perdendo intensidade aos poucos.
Já a Rompedora balançou a cabeça para os lados, desistindo mais uma vez.
Sustentou o espanto dadas as respostas peculiares transmitidas pela desafeta, mas preferiu deixar como a mais velha tinha definido.
— De qualquer forma, irei averiguar um pouco mais! Agora pode entender minha fissura, querida impaciente!? — Ao dar de ombros, regressou aos fios prateados. — Me pergunto quais eventos interessantes irão me proporcionar...
“...para alterar as minhas decisões como têm feito”, guardou o complemento na própria cabeça, escondendo um novo sorriso recheado de ferocidade.
E o foco, além dos fios escuros, ia em especial para os prateados no topo do salão...
Assim voltaram aos trabalhos.
Pelo menos, até o presente momento...
Átropos voltou a cortar fios escolhidos a dedo, até mais do que estava acostumada a fazer, pois conduzida pela fúria proveniente da ingênua semelhante.
Cloto mantinha a estabilidade reconhecida em sua tarefa.
Com delicadeza, compunha a estrutura das fibras douradas originadas pela grande roda.
Seus pensamentos permaneceram no assunto de há pouco, também responsável por lhe arrancar um tênue sorriso.
Por mais que disfarçasse consigo, a líder das Moiras alimentava um súbito interesse quanto ao desenrolar das vindouras situações.
Todas as peças estavam distribuídas no tabuleiro.
“É questão de tempo”, definiu solitária.
O teatro orquestrado pelo destino começaria a levar aquela história a um inédito e imprevisível capítulo...
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