Epopeia do Fim Brasileira

Autor(a): Altair Vesta


Volume 2 – Arco 2

Capítulo 17: Denso Retorno - relatório de missão

Após atravessarem a Passagem Espectral, o trio alcançou a área especial da cidade.

Assim que saíram do trajeto à parte, enxergaram a Deusa da Sabedoria, trajada somente com um vestido branco no sopé da montanha alada.

Com um sorriso plácido na face, segurava a mão da garotinha de cabelo comprido.

Sem delongas, os jovens também reconheceram os característicos cachos bagunçados, assim como as anteninhas desiguais no topo.

Ao ter contato visual com o grupo, ela projetou um grande sorriso mostrando os dentes e disparou na direção deles.

Precisamente, mirou o rapaz de cabelo cor de vinho, que tinha as mesmas pontas bagunçadas inconfundíveis, embora maiores comparado às dela.

— Irmão!

— Ei, Daisy.

Damon foi recebido por um forte abraço da irmãzinha. Os pequenos membros dela envolveram seu pescoço.

— Você realmente conseguiu! Lilizinha e Silzinho também!

Em seguida, a menina encarou os outros dois apóstolos, silentes durante a cena de fofura.

A primeira executou um simples aceno com a mão destra, enquanto o jovem prateado correu do olhar cintilante da criança.

— O que ‘cê ‘tá fazendo aqui? — Damon segurou as cinturas da menina e a desceu ao solo. — Achei que já estaria dormindo.

— Ah! A irmãzona prometeu que me deixaria ver vocês retornando, então ela me trouxe junto! O que eu puder aprender antes de virar uma apóstola como vocês, eu farei!

Daisy agarrou no braço do garoto e o puxou pelo caminho.

Lilith e Silver acompanharam a dupla a passos curtos, até que o filho de Zeus mirou a mais velha e não se segurou ao questionar:

— Mas o que você aprenderia vendo a gente retornar?

— O que vem após a missão não é importante?

O olhar rigoroso da deusa, que retrucou pela mais nova, retirou qualquer tipo de protesto por parte do Classe Prodígio.

Em silêncio durante a caminhada, ainda escutou a companheira de caudas gêmeas prender um riso com a mão defronte à boca.

Ela correu com os olhos rubis, antecipando a encarada afiada do parceiro. Entre tais eventos desinteressantes, o terceiro integrante do grupo não despregava do semblante omisso.

— Bem. Vejo que regressaram tão animados quanto a partida — disse a mulher, batendo palmas três vezes ao recebê-los. — Não planejava ser muito apressada, porém, caso seja possível, gostaria de escutar o relatório da missão.

— Oi pra você também, Atena — resmungou Damon.

Transmitindo incômodo através do olhar cansado, o meio-irmão mais novo inclinou a cabeça ao lado.

Ainda que a retruca tivesse sido um tanto mal-humorada, Atena levou na esportiva e devolveu por um sorriso simpático.

— Olá, Damon. Está contente agora?

Após estalar a língua junto aos olhos semicerrados, o rapaz bufou e resolveu seguir em frente com um relatório resumido:

— Tudo correu sem maiores problemas. As três foram derrotadas por cada um de nós.

— Notável. Nada de maior relevância para relatar?

— Tirando uma pilha de corpos que encontramos...

— Teve uma pessoa. — Por meio de um tom mais emotivo, Lilith atropelou as palavras do parceiro. —  Um dos membros que vocês enviaram antes de nós. Uma menina ainda estava viva, escondida em um buraco na colina...

— Então? — Diante da indução da veterana, ela balançou a cabeça para os lados. — Compreendo...

— Ah — proferiu o cacheado —, quando eu cheguei na caverna pra enfrentar a última sirena, ela tinha acabado de matar um garoto que também foi enviado antes. Acho que era do grupo mais recente.

Ao receber a informação omitida pelo filho de Zeus, a jovem reagiu levemente boquiaberta.

A fim de sustentar a vontade de questioná-lo sobre esse momento, cerrou os punhos e desviou o olhar pesaroso.

Diante do clima nada agradável entre os presentes, Daisy abaixou o rosto, com as vistas acuadas.

Por fim, alguns segundos de plena quietude prevaleceram.

— Se isso é tudo, então peço licença.

O gelo foi quebrado por Silver, que girou o corpo sobre os tornozelos.

— Não precisa se apressar, Silver. Pode permanecer e comer algo, se desejar. — Atena levantou a atenção ao argênteo.

— Minha mãe está me aguardando. E, mais tarde, tenho treinamento marcado com meu pai. Preciso aproveitar o tempo livre que ele quase não tem.

Ele nem mesmo acenou a favor do quarteto. Somente seguiu em frente, se distanciando cada vez mais até contornar o lado esquerdo do Monte Olimpo e desaparecer da vista do grupo.

Com uma mesura tardia, a Deusa da Sabedoria agradeceu pelos serviços prestados.

Dessa forma, o pós-missão ansiado pela caçula do Rei dos Deuses chegava à conclusão.

— Não precisamos ir até o velhote? — Damon questionou em voz baixa.

— Ele deve estar descansando a essa altura, portanto me encarreguei de cuidar disso sem a necessidade de perturbá-lo.

— Hm...

Embora a resposta da divindade fosse sucinta, o rapaz manteve um semblante dúbio direcionado a ela.

De qualquer forma, experimentou certo alívio ao saber do caminho mais simples construído pela mulher, evitando o encontro entre os dois.

Dito isso, o cenário também se mostrou favorável para a jovem ao lado. Isso lhe poupava tempo entre subir todos os andares olimpianos e retornar na sequência.

— Acho que também estou indo. — Deu meia volta à direita e acenou na direção dos três. — Se tiver alguma missão disponível depois, pode me convocar.

— Sim, certamente farei isso. — Atena, dessa vez, executou o gesto de agradecimento à frente da garota.

— Tchau, Lilizinha!

Daisy fez o mesmo na sequência, o pequeno braço erguido deslocava-se para os lados.

A apóstola esboçou um fraco sorriso e complementou a ação de despedida. Procedeu pelo caminho contrário tomado por Silver, contornou a base da montanha e desapareceu segundos depois.

Damon continuou a observar o caminho por um breve momento. A preocupação que se estampava no vislumbre carregado chamou a atenção da irmãzinha.

Num ato de afago, ela apertou o enlace no braço repousado dele junto ao corpo.

Aos dois, restava o retorno aos aposentos no topo da grande montanha. Contudo, o olimpiano remeteu a outro assunto, o qual desejava tratar assim que chegasse da ilha.

Como seu pai não estava disponível, dirigiu-se aos olhos esmeraldinos da divindade presente.

— E sobre o combinado?

A sábia os ocluiu num singelo átimo.

Por meio de um suspiro indecifrável, o respondeu:

— Ele disse que ainda não é o momento.

Daisy foi tomada por confusão ao acompanhar o diálogo curto entre os dois, portanto encarou um de cada vez.

Por parte de Damon, um aceno simples de cabeça encerrou o contato, antes de puxar a pequena agarrada a seu braço.

Ele murmurou algo próximo a orelha dela, que respondeu positivamente com a cabeça. Depois disso, escalou suas costas, até envolvê-lo pelo pescoço outra vez.

Sem despedidas, o cacheado saltou até a primeira saliência do relevo rochoso e começou a subir com extrema facilidade.

Atena fitou a atitude corriqueira do meio-irmão, que divertia a pequena agarrada à sua traseira, até desaparecer entre as nuvens aglomeradas na metade do trajeto.

“Nunca aprende”, resmungou consigo, ciente de que não poderia fazer muito àquela altura.

Com a tarefa pessoal concluída, dirigiu-se às escadarias, a fim de ascender pela montanha ao modo convencional.

Depois de um bom banho, Damon se sentou na cama e sacou a espada. Começou a poli-la, utilizando um pano branco, enquanto descansava as costas no respaldo de madeira.

Vez ou outra, encarava a imensidão da noite estrelada, através da janela aberta. Toda Olímpia estava coberta pelo véu azul-escuro superior.

Talvez fosse um dos poucos pontos positivos em viver bem próximo ao cume da grande montanha.

As estrelas pareciam estar mais próximas em comparação à contemplação sobre o nível do mar. A lua, próxima de sua fase cheia, brilhava e trazia uma iluminação natural ao cômodo refrescante.

Toda a beleza daquele cenário, no fim, acabava sobreposta pelas memórias do confronto contra Pisinoe.

Sempre que tocava o releixo metálico, evocava os detalhes da batalha na qual saiu vencedor.

E na busca por abandonar tais devaneios, encontrava o próprio reflexo na chapa reluzente. Um rosto apático, de olhos tão escuros quanto a abóbada noturna.

Exalou um fraco suspiro, que se misturou à brisa gelada que entrava. As mechas do cabelo cor de vinho meneavam, leves e emaranhadas.

— Irmão?

Junto do chamado receoso, dois toques na porta de madeira ecoaram pelo cômodo.

Damon virou o rosto até a entrada e encontrou a irmã mais nova.

Um sorriso pacato se formou na feição carregada. Só ao vê-la, pôde varrer parte da tensão que as lembranças turvas traziam.

— O que foi? ‘Tá com sono? Acordou bem cedo hoje, né?

— Não é isso. Eu ainda estou sem sono. Só queria... conversar!

Daisy avançou em direção a ele. Seus passos, quase inaudíveis, vinham acompanhados cautelosamente pelo jovem.

Nesse ínterim, ele devolveu a espada à bainha e a posicionou na lateral da cama.

— Conversar, é? Esse seu sorriso me dá uma boa dica sobre o que é...

— Sim! — Ela elevou os lábios com curiosidade e sentou-se ao lado dele. — Me conta, me conta! Como foi sua missão com a Lilizinha e o Silzinho!

Sentindo o entusiasmo irradiar do pedido, unido em harmonia com o largo sorriso, o filho de Zeus pregou-se num silêncio pensativo.

Durante o instante sossegado, a menina fechou os pequenos punhos com gentileza e inclinou o torso à frente.

Apesar de ter omitido muito à Atena, estava ciente sobre a impossibilidade de escapar daqueles olhos celestes.

De qualquer forma, não pretendia revelar todos os detalhes àquela criança. No mínimo, prezava pelo bem-estar mental dela enquanto ainda não fizesse parte da corporação.

— Sei que você tem muito mais para contar!

No entanto, ela seguia insistindo.

A exemplo da promessa feita à Deusa da Sabedoria, sobre utilizar a própria meiguice e fofura a fim de alcançar certos objetivos sob os cuidados dela, tentava ter sucesso na mesma artimanha contra o irmão.

Ele desviou o olhar por um instante. As vistas pesadas direcionaram-se à janela aberta. As cortinas brancas dançavam, tanto quanto seus fios de cabelo.

Com a demora, o sorriso de Daisy se desfez lentamente. Ela percebera que algo não estava certo.

A curiosidade foi substituída por preocupação num curto espaço de tempo. O olhar que perdeu entusiasmo foi delegado à mão destra dele, apoiada no colchão.

Num movimento impulsivo, ainda que um pouco hesitante, moveu o pequeno braço à frente.

Uma vaga lembrança sobre quase ter feito a mesma ação na despedida do dia anterior preencheu sua mente. Oposta àquela vez, deixou ser conduzida ao objetivo.

A palma quente e gentil descansou sobre o dorso do membro dele, puxando sua atenção de volta ao momento.

Em primeiro lugar, a imagem contemplada pelo apóstolo foi a de cada íris cintilante da criança. Naturalmente azul-clara, naquele pequeno intervalo brilhava em um efêmero tom de dourado.

O semblante cabisbaixo mascarava parte de seu espanto, já que cobria metade dos globos esgazeados.

— Como pensei... tem algo de errado. — O tom infeliz na voz da menina deixou o rapaz sem saídas.

— Isso é golpe baixo. Usar sua Bênção dessa forma...

Daisy não respondeu o riso de escárnio sussurrado pelo semelhante. Apenas recuou a mão, até que a coloração natural das esferas regredisse.

O efeito misterioso, que a circundava durante o tato impulsivo, também esvaneceu.

Por meio de um olhar condoído, como se desejasse pedir perdão pela ação antinatural, a caçula do Rei dos Deuses abaixou ainda mais o rosto corado.

— D-desculpa, irmão... E-eu senti algo mais cedo com ela, mas eu não queria...

Tendo dificuldades para pronunciar o pedido de desculpas, ela segurou a própria mão da atitude anterior com força.

Buscou uma fuga penitente do olhar oferecido por ele, mas...

— Ah... — Ele soltou um suspiro pesado. — Sua Bênção é incrível mesmo. Acho que não posso esconder muita coisa de você.

Indo em desencontro ao esperado, o mais velho ergueu ligeiramente os cantos dos lábios e levou a palma dominante até a cabeça dela.

Na sequência, a acariciou como costumava fazer sempre no surgimento de uma oportunidade.

O afago a fez parar de procurar cantos do cômodo na busca por esconder a própria culpabilidade.  

Fixou-se nos olhos escuros, porém, afáveis do irmão, ainda um pouco boquiaberta.

— Não fica assim. Por mais que a Empatia possa ler minhas emoções como ninguém, eu não fico incomodado. Afinal, é você, Daisy. — Ele fechou os olhos e susteve a expressão prazenteira. — Pelo menos você consegue me entender, mesmo que eu não queira contar. E fico feliz que você sempre esteja preocupada.

— Irmão...

Daisy assentiu sem pensar duas vezes. A face tensa foi abandonada, à medida que um novo sorriso se formou em seu rosto.

O clima inquieto foi carregado pela brisa que vinha de fora.

— Olha, prometo te contar assim que você começar a ir em missões como as nossas. Tudo bem?

— Aaaah, isso é golpe baixo!

— Cada um com seus golpes baixos.

Por meio de um riso triunfante, Damon fez as palavras da própria criança se voltarem contra ela, o que lhe arrancou um resmungo infantil.

Mesmo em meio à leveza, o rapaz ainda experimentava os impactos da breve batalha travada contra a líder das Sirenas.

Embora tivesse a derrotado com relativa facilidade, escapar da ilusão criada pelo Canto provou-se mais desgastante do que imaginava.

Por mais que fosse desvendado graças à habilidade da menina, não desejava mentir no simples intuito de mascarar a realidade.

Isso o levou a entoar, com sinceridade, algo que prendia no peito:

— Eu ‘tô bem cansado, mas não se preocupe. Acho que dormir já vai melhorar bastante as coisas.

— Então ‘tá bom! — Daisy bocejou após responder.

Logo em seguida, deitou-se sobre as pernas do irmão e fechou os olhos. O rostinho enrubescido ficou virado para ele, que a observou adormecer em tempo recorde.

— Então você ‘tava mesmo cansada... — Fez carinho no cabelo emaranhado dela. — Como foi o treinamento com a Atena?

— Também vou... deixar pra contar depois...

Sem ter esperado aquela resposta balbuciada pela quase inconsciência, sorriu desconsertado.

— Agora você me pegou... — E murmurou com delicadeza para não a despertar.

— Um dia... eu vou... alcançar... — Ela continuava a soltar palavras cada vez mais afônicas. — Meu irmão é... o mais forte de todos... ele é...

Sem muita demora, findou os sussurros soníferos no colo do apóstolo.

Passado um tempinho a mimando, pegou-a nos braços com cuidado e levou-a até a cama ao lado.

Cobriu a menina com o lençol fino, ajeitou uma mecha do longo cabelo que caía sobre o rosto e lhe desejou boa-noite em silêncio.

Por fim, voltou a encarar o exterior pela janela.

Acompanhando o pulsar incessante das estrelas, responsáveis por pontilhar a linda noite da primavera, pensou no quão difícil seria lidar com aquela nova fase de sua vida.

O mundo dele, pela primeira vez, começava a expandir seus horizontes.

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