Volume Único
Capítulo 2: Uma nova amizade?
Chegando no meu intervalo para o almoço, por volta das 12h30, aproveito para conferir novamente se Valentina enviou alguma mensagem. Em dias corridos assim, sempre peço algo para comer e aproveito o tempo livre para conversar com Vanessa.
No fundo, me pergunto se Valentina não vai mandar mensagem, se esqueceu ou se está ocupada. Não é como se eu me importasse tanto de não nos vermos mais, mas de qualquer forma ela é divertida, queria continuar nossa conversa.
— Aconteceu alguma coisa, Noah? — Vanessa pergunta, interrompendo meus pensamentos.
— Quê? Não, tá tudo bem.
— É que você tá meio distraído. — Ela insiste.
— Não é nada — respondo, fazendo uma nota mental para me concentrar mais no trabalho.
Enquanto penso comigo mesmo, Vanessa fixa os olhos em mim, abre um sorriso e dispara:
— Pensando em alguém? — ela pergunta risonha.
— Quê? Não, só estava pensando na exposição — tento desviar do assunto.
Não sei porque menti. Só achei que fosse a melhor resposta já que a intenção da pergunta foi me constranger. Após eu responder, Vanessa se vira paralela a mim e continua:
— Você não me engana, Noah. Aconteceu alguma coisa ontem?
— Você por acaso tem poderes dedutivos? — respondo, em tom irônico.
— Eu sou a Super Dedutora! — comenta Vanessa, em tom distraído e risonho. — Seria uma ótima heroína, hein? — ela brinca.
— Vou me lembrar de criar uma história para sua personagem. É uma ótima ideia — digo, concordando.
Por um momento, desvio o olhar de Vanessa, mas, após um breve momento, ela volta a chamar minha atenção.
— Agora, não mude de assunto. O que aconteceu? — ela insiste.
Por um momento hesito, mas acabo falando.
— Uma moça estava brigando com o “cara do oitavo” ontem.
— O mulherengo? — Vanessa pergunta.
Já havia comentado sobre o “cara do oitavo” com Vanessa, e também sobre suas vítimas.
— Exatamente! Saí do meu apartamento bem na hora, dei de cara com eles e rastejei para o elevador. Ela acabou dando um ultimato nele e depois seguiu comigo para fora do prédio. Por algum motivo, resolvi convidá-la para comer uma pizza.
Vanessa faz uma expressão confusa, seguida por uma gargalhada, ao mesmo tempo que meu semblante confuso parece ficar evidente.
— Você convidou uma garota aleatória, que possivelmente foi traída para ir comer uma pizza? — Vanessa indaga.
— Agora que você falou pareceu bem estranho, mas sim, eu convidei. A gente conversou bastante, comemos uma pizza de chocolate, ficou tarde e ela foi embora. Ficou de me mandar mensagem.
— Você é muito interessante — comenta Vanessa.
— O que você quer dizer com isso? — pergunto.
— Nada, nada. — Vanessa abre um sorriso. — E a garota, ainda não mandou nada?
— Nada ainda.
— Entendo. — Vanessa faz uma pausa e logo quebra o silêncio. — Mudando de assunto. Sobre a exposição, por que não quer mostrar nenhum trabalho seu lá?
Vanessa já havia me feito essa pergunta, mas acabei não sabendo responder, depois de pensar um pouco acabei concluindo que:
— Não sei se é bom o suficiente.
Vanessa esboça uma leve expressão de zangada.
— Para com isso, você já me mostrou alguns, têm uma ou duas cópias deles. Seria interessante você mostrar lá. Eu li e te garanto, são bons. São trabalhos antigos, você é um iniciante e está publicando como um amador. Não precisa ser perfeito, mas são bons, com certeza.
É ótimo ter o nosso trabalho elogiado, mas não acho que esteja à altura de apresentar ao público. Mas de qualquer forma, tenho que parar de ser assim. Estou em busca de uma oportunidade única de produzir para uma ótima editora, tenho que dar o devido valor para o meu trabalho.
— Obrigado pelo apoio — respondo, sorrindo de forma modesta e sincera.
***
Após almoçarmos, fomos terminar de carregar os livros. Organizamos o que íamos levar e deixamos tudo preparado para amanhã, no sábado. O sol já estava se pondo, chegando perto do horário de voltar para casa. Vanessa me chama do outro lado da livraria e vou em direção a ela, me desviando dos inúmeros livros que estavam em caixas no chão. Chegando próximo, ouço ela perguntar:
— Será que o pessoal que ficou de montar as tendas na praça já terminou?
— Provavelmente. Vou mandar mensagem para o Nathan para conferir.
*
No dia anterior combinamos de sair juntos. Nós sempre tiramos um tempo para jogar conversa fora e falar sobre a vida.
*
Conheci o Nathan na livraria. Ele trabalha aqui há um tempo, e tem a mesma idade que eu. Nós nos aproximamos bastante nesses últimos 3 meses. Na verdade, tenho que ficar de olho para que ele não faça nenhuma besteira. Podemos dizer que ele é bastante extrovertido e aventureiro até demais, mas é esforçado e inteligente. E por mais que ele acabe criando situações muito estranhas e constrangedoras, no final sei que posso confiar nele.
— Noah? Tá bem avoado hoje, hein? — Vanessa novamente me tira dos meus pensamentos.
— Eu? Eu tô normal, deve ser impressão sua. Nathan me respondeu, disse que terminaram tudo.
— Ok, então tá liberado. Amanhã, às 14h00, levamos os livros para lá, tá bom?
— Tá sim.
Confiro meus bolsos e vejo se não estou esquecendo minhas chaves ou meu celular, atravesso os montantes de livros no chão e vou em direção à porta. Antes de sair, me viro para trás e me despeço.
— Até amanhã, Vanessa!!
E logo sou respondido do outro lado da livraria.
— Até!! — Vanessa responde carismática.
Abro a porta e saio, conferindo o horário no meu celular, que marca 17h45, junto ao meu papel de parede bobo do Apenas um Show que encontrei no Pinterest — sempre achei que os desenhos da Cartoon eram os melhores.
Continuo em direção ao meu apartamento. No prédio, sem sinal do “oitavo". Entro em casa, arrumo a papelada que está na escrivaninha desde a noite passada e escolho uma muda de roupa para encontrar o Nathan: uma calça jeans preta, uma camisa cinza detalhada disfarçadamente com uma caveira vestida com chapéu de palha, minha antiga jaqueta jeans e meu surrado All Star. Tomo meu banho, me visto e percebo que já são 18h10.
Verifico se não estou esquecendo de nada e desço do meu prédio. Chegando na fachada, começo a me lembrar do que aconteceu na noite passada. Saio do prédio e ando em direção à pizzaria onde anteriormente me encontrei com Valentina. No caminho, penso na sensação estranha do frio de ontem, na visão cabisbaixa da moça ao meu lado, na neblina que reluzia nos postes amarelados e nas lágrimas no rosto dela, que me faziam questionar se estava chovendo. Também me recordo da sensação de procurar desesperadamente algo para comentar a fim de acabar com o silêncio, e do fato de pensar que, mesmo naquela situação, ela estava tão bonita…
— O QUE EU TÔ PENSANDO!!?? — paro, esfrego meu cabelo e tento, sem êxito, me distanciar desses pensamentos. — Virei um cara emocionado? Conheci ela ontem, nem conversamos muito.
Olho para o lado e vejo uma senhora estranhando o drama que fiz na calçada.
— Ah… desculpa. Eu estava falando sozinho.
A mulher, com semblante confuso, sem dizer nada, passa por mim e continua seu caminho. Pensando comigo, reflito:
— Falando sozinho… Se ela tinha dúvidas se eu era louco, não tem mais. Noah — digo, me referindo a mim mesmo — você tem que colocar a cabeça no lugar. Está pensando demais nisso.
Em silêncio, continuo em direção à pizzaria. Após alguns minutos, vejo a fachada. Atravesso a rua e entro, procurando Nathan, até que o vejo sentado em uma das mesas no canto. Tênis, camisa branca, calça preta e uma corrente de prata, o que me faz pensar que ele assistiu a um tutorial de como ser um adolescente padrão 2023. Chegando perto, eu o cumprimento.
— Oi Nathan.
— E aí, Noah — responde, descontraido.
Sento em uma cadeira oposta à dele.
— Como foi lá na praça? — pergunto.
— Tudo como planejado. Na verdade, até normal demais. Aliás, ontem você disse que estava animado para escrever. Algum avanço?
— Ontem eu escrevi um pouco, mas adormeci. Acabei acordando à meia-noite. Lá no meu prédio estava uma barulheira.
— O que aconteceu?
Meu celular começa a tocar. Pego-o no meu bolso e vejo que é um número desconhecido, logo, imagino ser Valentina.
— Isso aconteceu — respondo.
Atendo o telefone e ouço a voz entusiasmada de Valentina.
— Oi Noah, sou eu, Valentina, da pizzaria de ontem. Desculpa não ter te mandado mensagem ou ligado antes, mas adivinha…. EU CONSEGUI O EMPREGO!! — Valentina ri alegre — Queria te agradecer por ontem.
Olho para o Nathan, e ele esboça um sorriso. Reparo que o som do meu celular está alto.
— Claro que eu lembro de você. — Me viro e tento abafar o som do celular — Como assim, agradecer? — respondo, confuso.
— Eu seriamente estava pensando em não ir para a entrevista, mas você me ajudou a conseguir confiança para aparecer lá. Queria perguntar se está livre amanhã à noite, pensei em fazer algo legal para comemorar.
Nathan me chuta por debaixo da mesa, e posso ouvi-lo sussurrar:
— Fala que sim… fala que sim — diz, risonho.
— Tô livre, sim. — respondo a Valentina.
Percebo o semblante dele mudar, dando espaço para um sorriso.
— Aeeee!!! — Nathan comemora.
Olho para os lados, notando a atenção de todos sobre nós, enquanto considero a ideia de me esconder debaixo da mesa. Não consigo parar de pensar que ele ainda está no fundamental. Tenho quase certeza de que conseguiram ouvir lá fora.
— Tá com alguém? — Valentina pergunta.
Percebo que ela ouviu o entusiasmo de Nathan ao me ver aceitar o convite.
— Tô com um amigo — respondo.
— Que ótimo, se quiser pode levá-lo também. Vai ter algumas amigas e conhecidos meus. Vou desligar, ok? Confirmo a hora com você mais tarde.
— Tá bom.
Valentina desliga o celular e eu me preparo para explicar a situação para o Nathan.
— Quem era? — Nathan pergunta.
— Uma conhecida.
Dou uma breve pausa e continuo.
— Valentina. Ela estava brigando com o “rapaz do oitavo” ontem de noite, no meu prédio. Ela acabou dando um ultimato nele e seguiu comigo para fora. De alguma forma, acabei convidando ela para comer uma pizza aqui.
— Nossa!! Você sabe que um encontro nessa pizzaria é sagrado, né? — Nathan diz animado
— Isso não existe— respondo, rindo.
— Como não? Você lembra da Ana? Da Milena?
— Isso não quer dizer nada.
— Essa pizzaria é o melhor cupido.
— Mas você continua solteiro. — digo me referindo ao Nathan.
— Sim, mas não muda o fato dessa pizzaria emanar magia. Mas é sério, nunca pensei que você convidaria alguém assim logo depois de ter sido traída.
— Quê? Nada aconteceu, e eu não me aproveitei da situação… Bem, talvez um pouco, mas foi sem querer.
— Calma aí, você tá pensando muito nisso, relaxa. Essa garota é legal?
— Sim, a gente conversou um pouco, ela parece ser legal.
Nós continuamos conversando por alguns minutos. Mais tarde, contei que Valentina havia me convidado para sair e que ele iria comigo.
— Eu ir com você? — Nathan pergunta.
— Sim, ela falou que você pode ir. — concluo.
— Tá com medo de ir sozinho?
— Claro que não, mas vai ter amigas dela lá. Não quero parecer deslocado.
— Tá bom, tá bom. Vai ser que horas? Essas amigas dela são bonitas? — Nathan indaga.
— Por favor, não me faça perguntar isso. — esboço uma risada sincera.
Após comermos, saímos pela cidade conversando. Momentos esquecíveis, claro, mas as verdadeiras amizades são feitas de momentos simples, esquecíveis, mas de certa forma essenciais.