Emissários da Magia Brasileira

Autor(a): Gabriel Gonçalves


Volume 1

Capítulo 12: Esclarecimento

— Então eles estavam vigiando a cidade este tempo todo. Ainda bem que consegui convencer os representantes da cidade a desistirem de uma fuga — disse Himiko sentindo as dores de cabeça que teria tido se as coisas tivessem seguido um caminho diferente.

— Tinham pessoas planejando deixar a cidade?! É muita ingenuidade pensar que uma ideia dessas daria certo ou eles estavam planejando deixar os cidadãos usuários de magia para trás? — falou Luther.

— Não, o plano deles era fugir com as pessoas que não podiam lutar, mas esse plano é falho por diversos motivos que falei para eles. Isso só ficou ainda mais óbvio depois de você me contar o ocorrido. De qualquer forma, vou avisar a comandante para reforçar a segurança das fronteiras com os civis que se colocaram à disposição para proteger a cidade.

— Você quer colocar civis para lutar?! — Luther tentou não falar em tom de confronto, mas por conta do descontentamento que já tinha anteriormente em relação a Himiko, não conseguiu evitar.

“Uma hora ou outra isso ia acontecer”, pensou Himiko. Ela suspirou cansada e se aproximou do emissário. Luther não conseguiu decifrar a expressão no rosto da elfa que embora não fosse agressiva, também não possuía um ar amistoso. A nobre fitou o emissário com seus olhos azuis e disse:

— O que você sugere que eu faça? Acha mesmo que a polícia sozinha consegue cuidar de tudo? Mesmo com os seus aliados, eu acredito que isso seja uma tarefa difícil. Precisamos usar os recursos que temos à nossa disposição.

— Eu sei disso, mas não acredito que deveria permitir que os civis se envolvam, podemos encontrar outro jeito — disse Luther.

— Que jeito? Aliás, esta cidade é tão deles quanto minha. Se eles querem ajudar a defender a cidade deles, eu não vou impedi-los. Não temos o direito de passar por cima do desejo deles de manter o lar e as pessoas que eles amam a salvo.

— Tem certeza? Não está apenas usando a vontade deles de ajudar para se proteger?

— Ha! Então era sobre isso?! Eu não te disse que faria de tudo para proteger essa cidade? Precisávamos tirar o Dariss do poder!

— Ou talvez isso tenha sido apenas outra conveniência, o útil se juntou ao agradável.

“Quem ele pensa que é para me julgar dessa maneira?”, pensou Himiko. Caso não fosse por conta da educação que teve para lidar com os mais variados tipos de debate, ela não conseguiria esconder sua irritação de Luther com tanta eficiência. Se mantendo calma mesmo que com dificuldade, Himiko agradeceu aos seus professores pelos ensinamentos que recebeu.

— Eu não sei quem diabos você pensa que eu sou, mas posso te garantir que estou lutando por esta cidade tanto quanto qualquer um! Eu estou fazendo o que precisa ser feito, mesmo que não seja fácil. Alguém precisa fazer isso — falou Himiko.

— O interessante é que o ex-governador disse algo semelhante para mim antes de ser preso — falou Luther.

— Não me compare com ele, não ouse me comparar com o Dariss! Essa cidade foi construída pela minha família! Os Damaris só vieram depois com o dinheiro deles para ajudar na “expansão” e aproveitaram disso para tomar o controle da cidade enquanto estabeleciam as rotas comerciais de Port Strong que não foram desenvolvidas desde então. Eu estou tentando proteger a todos dessa cidade, fui eu que cresci aqui! Esse lugar é precioso para mim e não vou deixar que me compare a um homem disposto a deixar que pessoas daqui fossem mortas dormindo só por terem magia. Eu e ele não somos iguais!

Embora Himiko ainda estivesse falando sem elevar sua voz, os olhos dela ardiam de fúria. Em sua mente vinham lembranças de seus pais contando sobre o desenvolvimento da cidade, tudo que sua família havia feito e tudo de bom que ela ouviu sobre seus pais enquanto crescia. 

Luther ainda não convencido pelo discurso de Himiko, voltou a falar:

— Então, por favor, me explique. Por que você não simplesmente contou qual era o seu plano desde o começo? Por que precisou nos manipular para que fizéssemos o que você queria? Nem eu e nem nenhum dos meus companheiros gostamos de nobres que veem as pessoas ao seu redor como peças em um tabuleiro. Posso ser um soldado, mas não vejo as vidas ao meu redor de forma tão leviana.

— Você está enganado… você está enganado… — falou Himiko cerrando seus punhos.

“Não importa se você não consegue ver desta maneira, não muda em nada o que você fez”, pensou Luther. 

Quando o silêncio preencheu o ambiente, Luther se voltou para janela, sentindo que naquele momento ele já havia dito mais do que necessário e que o melhor seria ele se juntar logo aos seus amigos no reforço das fronteiras.

— Esse é o meu legado, não me importa que você não consiga entender! Não muda nada! Eu vou continuar fazendo o que posso por este lugar — falou Himiko.

O emissário parou antes que saísse e voltou para falar como a nobre que o observava determinada, mas ele foi interrompido pelo som da porta se abrindo e a pessoa que entrou às pressas logo em seguida. O policial se espantou com Luther que estava parado no meio do escritório e olhou para Himiko aguardando sua permissão para poder falar.

“Porque a Margery não o acompanhou até aqui? Ela normalmente não deixa ninguém vir falar comigo assim sem aviso”, pensou Himiko enquanto sinalizava para que o policial falasse.

— O senhor Blecor conseguiu obter algumas informações no interrogatório e solicitou que eu a chamasse imediatamente para relatar a senhora sobre o que foi dito — disse o policial enquanto olhava para Luther.

— Algum problema policial? — falou Luther.

— De forma alguma, senhor emissário.

Himiko e Luther trocaram olhar por um instante e Himiko disse casualmente:

— Você não queria ser um dos primeiros a ouvir o que o Blecor tinha para me dizer? Me acompanhe, não é bom para uma dama andar sozinha pela noite. Pensei que você fosse um cavalheiro.

— Eu irei a acompanhar, senhora Kami — disse o policial.

— Tudo bem, eu vou acompanhá-los. De fato, eu quero saber se o Blecor realmente é de confiança ou não — disse Luther com indiferença.

— Se isso for um incômodo para o senhor, pode deixar comigo — disse o policial.

— Não se preocupe com ele, apenas guie o caminho — disse Himiko com um sorriso gentil.

O policial saiu na frente e Himiko olhou para Luther agradecida quando estava prestes a deixar o escritório. Antes que Luther saísse, algo chamou a sua atenção na mesa de Himiko: o retrato dela pequena com a sua família.

Aquele simples retrato da família Kami fez com que Luther deixasse o escritório com a mão em seu peito, na região onde o pingente de seu cordão se encontrava por baixo de sua camisa.

“Agora eu entendi porque simpatizei com ela no começo”, pensou Luther.

No caminho para a delegacia, Himiko desacelerou seus passos para ficar mais próxima de Luther ao notar que o policial estava suando mesmo o clima estando fresco com uma leve brisa gelada vindo do mar.

— Qual é o seu nome mesmo? — falou Himiko ainda mantendo a postura gentil.

— Gunnar, Gunnar Holt — falou o policial sem olhar para trás.

— Está com calor Gunnar?

— Desculpe, senhora Kami, é que fui correndo até a mansão para a avisar quanto antes. É um assunto urgente que o senhor Blecor tem para tratar com a senhora, então não podia perder tempo. Devo estar parecendo um porco, não é? — disse Gunnar rindo.

“Agora o assunto é urgente?”, pensou Himiko.

— Não é para tanto policial. Se é um assunto urgente, entendo o motivo por estar desta forma, apenas se lembre de depois disso tirar um tempo para descansar.

— Sim, senhora!

“Por quanto mais tempo ela pretende continuar fingindo? Esse cara só não é mais óbvio, porque não escreveu na testa que está mentindo”, pensava Luther enquanto sorria fingindo normalidade, todavia sua mão não saiu do cabo de sua espada desde que deixaram a mansão.

Ao chegarem na delegacia se depararam com o hall de entrada vazio e foi só na área onde ficavam a mesas que haviam dois policiais conversando que ao verem Gunnar foram em sua direção e um deles falou:

— Holt, o que você está fazendo aqui? Não vai ajudar a vigiar as entradas da cidade?

— Esqueceu, Kirk, que eu fui buscar a senhora Kami para levá-la até o mordomo? Onde ele está, não era para estar aguardando aqui?

— Ele estava agitado, então voltou para tentar tirar mais alguma informação do senhor Damariss até que a governadora chegasse — disse o outro policial.

Ambos os policiais fizeram uma breve reverência a Himiko.

— Ele voltou para a cela? — falou Himiko.

— Sim, senhora — falou Kirk que logo se voltou para o seu companheiro — Skoou, pega as chaves para levarmos eles imediatamente ao mordomo. Não vamos fazer a senhora Kami perder tempo.

— Agradeço a iniciativa — disse Himiko.

Os três policiais seguiram pelos corredores da delegacia passando por algumas celas provisórias que ficam no andar principal até chegarem à porta que dava para as celas do subterrâneo, onde todos os detentos se encontravam.

Gunnar foi na frente, enquanto Kirk e Skoou acompanharam o grupo na retaguarda. Luther averiguando que não haviam saídas à vista e o espaço não era amplo, se arriscou falando em voz baixa para que apenas Himiko o escutasse:

— Eu não estou gostando disso, chega de fingir. Não temos rotas de fuga aqui.

— Não temos escolha, eles estão com o Blecor. Continue andando normalmente, não deixe eles perceberem o que você está pensando.

Alguns dos presos, sendo grande parte dos que estavam ali, policiais que ficaram do lado de Dariss, observavam o grupo passando por eles até chegarem ao final do corredor, com alguns dos presos rindo e xingando Himiko. 

Gunnar parou em frente à porta que dava a última cela que ficava destacada das demais celas, que era o lugar onde colocaram Dariss, sua esposa e a assistente deles Ena para ficarem seguros dos demais presos e para que tivesse privacidade na hora de interrogá-los. 

A sala era dividida em uma cela e um espaço para visita onde se encontrava Blecor.

Quando Gunnar abriu a porta da sala e Himiko avistou Blecor sendo segurado pelo ex-comandante da polícia da cidade, Jasper Koloman que tinha em sua mão uma pistola apontada para a cabeça do mordomo.

— Senhorita Kami! É uma armadilha! — falou o mordomo.

Gunnar pegou Himiko pelo braço e puxou ela para dentro da sala assim que pegou sua arma. Himiko sem escolha não resistiu.

Luther sacou sua espada tão rápido que conseguiu cortar o antebraço de Skoou antes que conseguisse pegar sua pistola, enquanto mordia a sua língua para não gritar de dor, ele usou o peso do seu corpo para empurrar o emissário do vento para dentro da sala.

Luther cortou o pescoço de Skoou que tentava subjugá-lo e fez menção a avançar na direção de Kirk, porém ao escutar o som de um estranho, o emissário voltou sua atenção para outro policial que tinha uma espingarda apontada para ele e pegou o cano com sua mão livre a tirando de sua direção. 

O emissário imediatamente reconheceu como o policial que havia interrogado na noite anterior, que seu companheiro chamou de Ian. Ele manteve a espada apontada para Kirk que mirava na cabeça de Luther pronto para atirar.

— Chega Levisay! Você pode até conseguir matar eles, mas não vai conseguir salvar a Himiko e o mordomo — disse Koloman.

— Deveria ficar assustado por você saber o meu nome?! — disse Luther.

A briga agitou os prisioneiros do lado de fora, que mesmo não sendo muitos, tinham suas vozes ecoando pelo corredor, o que foi o suficiente para deixar Luther ainda mais apreensivo.

Blecor olhou para Himiko que tinha duas armas apontadas para ela e disse com pesar:

— Sinto muito, senhora Kami, eles aproveitaram que a maioria estava ocupada nas ruas para agir.

Himiko notou que no chão estavam os corpos mortos dos policiais que ela havia visto auxiliando na rebelião e encarou Dariss que se encontrava atrás das grades se divertindo com a situação enquanto segurava sua arma na direção de Himiko.

A espada de Dariss tinha um sorriso debochado em seu rosto, enquanto Ena permanecia em um canto, encolhida. Dariss estalou seus dedos para atrair a atenção de Luther e Himiko.

— Não precisam ficar tão nervosos, eu só quero conversar. Afinal de contas, temos um assunto pendente a tratar, não concorda Kami?



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