Volume 1

Prólogo

Definitivamente ela nunca me causou medo, entretanto tinha de admitir que naquele momento sentia-me um pouco nervosa, ou melhor, nervoso. O resultado com certeza eu já o sabia, no entanto, não conseguia afastar a ansiedade e o desejo de ver o desfecho de nosso encontro.

Sem querer mais prolongar nossa convivência decidi perguntar aquilo que nunca tive autorização para falar:                       

— Minha rainha, foi você...

 — Amanhã é dia 11 — disse a rainha, em um tom tão baixo que mais parecia um sussurro. — Vais tirá-lo de lá, certo? Como prometeste vais trazê-lo de volta para mim, não é?

— Trazê-lo de volta?! E...eu prometi isso...?

— Sim!! Você se esqueceu? — Sua voz era calma, sua postura impecável e seu rosto estava sério, porém eu podia jurar que vi seus ombros tremerem.

Estava ela ficando nervosa!?

— Sim, infelizmente eu esqueci. — Fechei o livro que estava em minha mão direita, o depositei em cima da mesa da rainha, e com seus olhos negros me acompanhando empurrei-o em direção à coroa antes de continuar: — Mas porquê você quer de volta alguém que já não é humano?

— Ele é humano!!! — falou rápido e em um tom mais alto do que lhe era permitido. A rainha piscou os olhos, se remexeu um pouco em sua cadeira e prosseguiu em um tom mais baixo: — Ele não tem culpa de ter nascido com tais habilidades, a culpa é... — Ela se calou e sua boca não voltou a abrir por um longo tempo.

— Minha. Era isso que ía dizer?

Um brilho de raiva entrou e saiu de seus olhos.

— De modo algum. Eu só quero que... Por favor! Tragá-o de volta, tal como me prometeste. Por favor!!

Com os olhos negros marejados ela alcançou minha mão esquerda e a envolveu com as suas.

— Eu te peço! Tragá-o de volta.

A rainha está... me implorando?! Oh!! Está mesmo me implorando.

Uma vontade enorme de sorrir se instalou dentro de mim, mas eu não o fiz. Desviei o olhar para o lado e meus olhos caíram no espelho, em forma de círculo, que estava entre as prateleiras de livros. Através dele vi o reflexo do rosto do meu pai me encarando com seus malditos olhos azuis, mas eu não abaixei a cabeça, não desviei o olhar, afinal naquele momento ele não poderia fazer mais nada além de me encarar.

— Há algo de errado?

Olhei para a rainha, que tinha uma expressão preocupada no rosto, há raiva e a angústia que eu havia gerado não mais estavam lá.

Merda!!

— Há algo que gostaria de lhe perguntar. É uma curiosidade que tenho há muito tempo.

— ....Você sabe tudo sobre mim. — Ela tentou sorrir, sem sucesso. — Que tipo de curiosidade poderia ter...

— Rainha Areta! — Por uma fração de segundos seus olhos negros se arregalaram e voltaram ao normal, como se nunca tivessem o feito.

— O que gostaria de perguntar sobre alguém que já não se encontra entre nós?

Seus olhos estavam me encarando, enquanto sua mão tentava fugir da minha, mas eu não a deixei ir. Segurei sua mão firmemente e seus dedos começaram a tremer sob o meu aperto.

— Como disse antes, é algo que tenho estado curio...so há muito tempo, então peço-lhe que por favor!  Seja sincera em sua resposta e não hesite!

— Claro, pode contar com a minha... completa sinceridade.

— Então estarei contando com isso.

Inclinei-me um pouco em sua direção e deslizei minha mão livre para a arma, presa ao coldre, que estava em minha perna direita.

— Então me diga vossa majestade! Foi você que matou a rainha Areta? Sim ou não?!!

E então... ela desmoronou. Sua expressão e seu corpo se esqueceram; como devem atuar, como devem esconder suas verdadeiras cores e a humilde Sodalitana que não possuía qualquer sangue real.        

— Po-por que está me perguntando isso?! Porquê está trazendo à tona um caso já resolvido?!!

— Resolvido?! Acho que está fazendo confusão entre um caso resolvido e um encoberto, minha rainha.

Apertei sua mão com toda a força que aquele corpo me permitia, no entanto ela adotou uma postura impecável, com  o rosto tão inexpressivo quanto lhe foi ensinado a ser.

— Está querendo dizer que eu a matei?

— Se não foi você, então quem foi?!!!

— Ela...

— Ela?

— Você... — Semicerrou os olhos e sem se importar em parecer invasiva  me encarou muito intensamente até que seus olhos se arregalaram, como se uma luz tivesse acendido no topo de sua cabeça. — Quem é você?!

— Antes de me fazer uma pergunta você deveria responder a minha primeiro, mãe!

— Ma-mãe?! Que-quem realmente é você?

Com a mão livre tirei a pistola do coldre e apontei para ela.

— Tente adivinhar!    

Disparei o primeiro tiro em seu ombro esquerdo e de seguida apontei para o seu coração.

— Porquê? Eu já tive meu castigo. — Com a mão livre ela apertou seu ombro ferido. — Por que quer tirar minha vida?

— Porque você tirou a dela.

— Não. — Sacudiu a cabeça em negação, os olhos negros a beira das lágrimas.

— E você é possivelmente a única que ele realmente ama. Apenas machucando você para fazê-lo sofrer, então apenas morra e aproveite pagar por seu crime.

— A-a culpa não foi minha...

Disparei em seu coração, ela arfou e muito lentamente fechou seus olhos negros, derramando suas últimas lágrimas.

Guardei a arma no coldre, encostei-me ao encosto da cadeira e esperei por aqueles que estavam vindo em seu socorro. Aqueles que seriam severamente castigados ou talvez executados por não terem protegido sua rainha.

Ele ficará furioso. Ele sentirá dor? Espero que sim.

A porta do escritório da rainha foi arrombada por um grupo de cavaleiros, que trajavam uniformes azuis, decorados com suas falsas medalhas.

— Vo-vossa majestade!!

Uma voz feminina exclamou e no segundo seguinte várias armas foram apontadas em minha direção; mas logo que seus olhos se cruzaram com os meus, um por um eles foram baixando as armas, até que todos estivessem com suas cabeças baixas e as armas guardadas em seus devidos lugares.

— Movam o corpo daqui! E chamem todos os conselheiros e ministros!

Sem questionar eles assentiram e abriram caminho para mim. Soltei a mão da rainha e peguei a coroa que repousava sobre sua mesa.

Adeus, mãe. Despedi-me e levantei de meu assento; no entanto, não dei um passo em direção à porta, e sim em direção ao espelho, a fim de contemplar o rosto de meu pai pela última vez, antes de partir para minha nova realidade.

— Faça-me um favor! Não morra até eu voltar — disse a ele antes de deixar aquela sala.

 

 



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