Volume 1
Capítulo 6: Uma Volta pela Dimensão das Punições
— Bom dia!
...Bom...dia...?
Os olhos de Astrid se abriram, porém sua visão estava embaçada de modos que não reconheceu a menina que tinha o rosto muito próximo ao seu, pronunciando sonoros: Bom dia.
— Não fale muito alto. Ela ficará assustada.
Aiyslnn. Astrid pensou sem nem precisar dar uma olhada em quem falara. O que ela está fazendo no meu quarto?
— Sério?! Para mim ela não parece assustada. Acho que nem está ouvindo...
— Estou.
Sem qualquer aviso prévio Astrid se levantou, causando um pequeno susto colectivo, que se resumiu em: Aiyslnn e Lucky recuaram alguns passos e Chloe deixar cair a mochila que estava em suas mãos.
— Por... — Sentada sobre uma cama desconhecida, Astrid olhou ao seu redor, concluindo assim que aquele quarto não era seu e nem o que ela partilhava com Kira. Seus olhos foram para as duas meninas paradas ao seu lado e se demoraram em Aiyslnn que para sua infelicidade ainda parecia errada.
Não foi um sonho. Ainda estou aqui. Suspirou pesadamente e sem dizer uma palavra se jogou na cama. Fixou seus olhos no teto e alguns segundos mais tarde Lucky a acompanhou.
— O que está olhando?
— Estou procurando.
— O que?
— Algum buraco para escapar desse lugar.
Lucky riu. — Mesmo se procurares muito não acharas nenhum. E se tentares fazer um a Russell irá te mandar para dimensão das punições.
— Dimensão...
— Parem de conversa fiada. — Todos os olhares se voltaram para Chloe. — Só temos mais trinta minutos até a abertura, então toca andar. — Ajeitou a alça da bolsa em seu ombro e a passos lentos começou a caminhar em direção a uma porta de metal que ficava na parede oposta.
— Espere por mim. — Lucky correu para uma cama que ficava há uma cama da que Astrid se encontrava. Pegou na bolsa preta que repousava sobre o colchão e correu até Chloe, a qual estava parada perto da porta. — Não demorem.
— Huh! — soltou Aiyslnn.
— O que aconteceu? — perguntou Astrid enquanto assistia Chloe e Lucky atravessarem a porta de metal, que não demorou a se fechar. — Lembro-me de ter me encontrado com... a diretora e depois sentir muito sono... — Baixou os olhos para sua mãos e Aiyslnn a acompanhou.
— Ava, uma das curandeiras do centro, tratou da tua mão depois de teres sido trazida para cá.
Astrid desviou o olhar de suas mãos, quando Aiyslnn depositou uma bolsa exatamente igual a que Chloe, Lucky e ela mesma carregavam, em cima do lençol que cobria suas pernas.
— O que é isso?
— Seu uniforme. — Com as sobrancelhas elevadas Astrid inclinou a cabeça para o lado. — ...Todos os dias, de manhã e à noite são nos enviado uma bolsa, onde vem o uniforme e mais alguns... itens e as bolsas elas vêm dali. — Apontou para um túnel que se encontrava próximo a cama. — E neste túnel também podemos enviar a roupa suja. Consegueste entender?
— ...
— ...Se não entendeste posso te explicar novamente, mas primeiro temos de ir para o banheiro. — Ajeitou a alça da mochila. — Daqui a pouco a porta da cela será aberta. — Seus olhos foram para uma pequena tela que se encontrava um pouco acima da porta, onde marcava as horas. Astrid por sua vez a encarava, ou melhor, olhava para os fios brancos que se entrelaçavam aos cachos loiros.
Será que ela pintou? Mas porquê ela faria isso se ainda terá de ir à escola? Ela com certeza não faria isso. Mas... se ela não é a Aiyslnn, quem é? Irmã gêmea? Uma prima com o mesmo rosto que ela? Uma sósia?
— Se não vão nos deixar ir embora, porquê a porta da...cela será aberta?
— Daqui a alguns minutos será a hora do café da manhã, ou seja, temos de ir ao refeitório e depois disso... iremos para os treinos.
Os olhos de Astrid se abriram mais.
— Treinos? — Aiyslnn assentiu. — Porquê? — Astrid esperou pela resposta de Aiyslnn, tal que não veio.
— Está ficando tarde. Venha se arrumar logo!!
Astrid e Aiyslnn se sobressaltaram ao som da voz de Chloe.
— Já-já estamos indo — falou Aiyslnn, no entanto Chloe não pareceu ouvi-la, pois alguns segundos mais tarde voltou a gritar. — Acho melhor irmos agora. No refeitório te explicaram sobre os treinos e... sua finalidade.
Segurando a alça da bolsa, Aiylnn começou a caminhar em direção a porta em que Chloe e Lucky atravessaram, no entanto quando percebeu que Astrid não a seguia, parou e se virou.
— Algum problema?
— Não vou.
— Astrid, não podes ficar.
— Mas eu vou ficar. — Levantou os olhos para Aiyslnn e não pode evitar se sentir estranha ao ver preocupação em seus olhos. Nos olhos que já algum tempo atrás só a encaravam com frieza, desdenhe e antipatia. — Se quiser ir, vá sozinha. Pois eu não vou.
— É contra as regras estar na cela num horário não permitido. Como castigo seras enviada para dimensão das punições...
— Não quero saber.
— Venha conosco.
— Não quero!
Astrid pegou no lençol que cobria sua cintura e com ele cobriu-se até a cabeça. Fez-se silêncio e alguns segundos mais tarde Astrid ouviu o som de passos que foram se tornando mais e mais baixo até que sumiram.
Os minutos foram passando e Astrid permaneceu na mesma. A porta da cela se abriu. Suas companheiras tentaram persuadi-la, cada uma de sua maneira, e sem sucesso atravessaram a porta de metal a qual se fechou ao final da contagem regressiva de dez à zero.
Punição? Mentirosa!! Até eles me tirarem daqui, não moverei um dedo.
Enquanto sua mente a levava para as memórias de quando as coisas estavam correctas, quando seu mundo não estava de cabeça para baixo, seus olhos iam se fechando lentamente, suas pálpebras pareciam tão pesadas que ela poderia jurar que alguém estava forçando seus olhos a se fechar, entretanto não havia ninguém além dela ali.
Astrid soltou um longo bocejo e por fim caiu no sono ao mesmo tempo em que uma voz robótica surgiu dizendo: Infração. Infração. Infração. Infração.
.
.
Cheira a mato. Esse foi o primeiro pensamento que Astrid teve antes de abrir os olhos. Onde...? Coçou os olhos e em seguida o pescoço. Que lugar é esse?
A primeira coisa que seus olhos capturaram foi uma cachoeira, depois uma diversidade de flores, tão lindas que ela desejou ter lápis e papel, para poder desenhá-las e assim vê-las sempre que quisesse. Levantou-se do chão, limpou a terra que cobria suas mãos e caminhou para a beira do rio. Seus olhos caíram na água e ao ver seu reflexo Astrid percebeu que ainda usava a mesma roupa.
Até nos sonhos esse maldito lugar me persegui... — Aí!! — Deu um tapa em seu pescoço após sentir uma picada. Puxou a mão de volta e aproximou-a de seus olhos, podendo assim ver quem a havia picado.
Maldito insecto voa... Espere! Porquê isso doeu? Porquê está coçando? É apenas um sonho. É normal eu sentir dor?
— Por que está coçando tanto?! — Questionou-se enquanto ia coçando cada vez mais rápido e forte. — Isso...é um sonho...certo?
Nenhuma resposta chegou para seus questionamentos, ao invés disso seus ouvidos foram atacados por um rosnado. Suas unhas pararam de arranhar seu pescoço, já um pouco avermelhado. Seu corpo tremeu levemente e mecanicamente virou sua cabeça, encontrando assim quem emitiu aquele som.
É apenas um sonho! Tentou sorrir, tentou acreditar, entretanto seu corpo discordando de suas esperanças, saiu correndo em grande velocidade.
O urso muitas vezes o tamanho de Astrid, a perseguiu sem descanso pela floresta tentando várias vezes retalhá-la com suas garras, as quais para ela pareciam mais afiadas que as facas de cozinha que seu pai, não a deixava tocar. Com muita dificuldade e uma grande dose de sorte, Astrid conseguiu se desviar dos ataques do urso de pelagem castanha até que algum tempo mais tarde essa sorte acabou; seu pé direito bateu em uma raiz grossa. Ela tropeçou. O urso investiu mais uma vez com suas garras, conseguindo não mais do que abrir um corte no braço de Astrid antes de ela ir ao chão e rolar precipício abaixo.
No ar, de olhos fechados e orando ela esperou ansiosamente pelo momento que iria contra água do rio, o qual estava há muitos metros abaixo de si, porém após algum tempo de espera o corpo de Astrid não entrou em contacto com a água e sim com areia, a qual cuspiu logo em seguida.
Para onde foi a água? E... a floresta?
De olhos arregalados, olhou à sua volta e tudo que conseguiu registrar foi areia, por todo lado e um sol tão ardente que conseguiu deixá-la zonza e com muita sede em uma fração de segundos.
Com as pernas trêmulas, Astrid se colocou em pé ao passo que seu braço começou a latejar de dor.
— Maldito urso. — Pressionou o ferimento.
Está doendo muito. Fechou os olhos com força, abaixou a cabeça e tentou ao máximo ignorar a dor que pulsava em seu braço, no entanto não funcionou, tal como sua tentativa de não chorar.
— Papai. — Choramingou baixo. — Me tire...
Há alguns metros de onde estava uma duna explodiu e de lá saiu uma centopeia de não mais que dois metros. O corpo de Astrid petrificou instantâneamente. Seus olhos se arregalaram horrorizados enquanto assistia a criatura se erguendo.
So-socorro!! Pediu em sua mente. Muito lentamente começou a se mover para longe da centopeia.
— Socorro. — Sua voz saiu em um sussurro que não tardou a mudar para um alto: AHHHHH!!
Astrid foi perseguida pela centopeia por um longo tempo; escalou dunas, rolou por elas e cuspiu muita areia, mas ela não parou quieta, ao menos não por muito tempo, não se dando ao luxo de sequer se questionar do porquê ainda não ter sido pega ou do porquê suas pernas ainda estarem movimento.
A centopeia continuou sua perseguição. Ficando cada vez mais próxima de Astrid e bem perto de engoli-la por inteira, ela sumiu e em seguida reapareceu em uma sala onde seu corpo por fim encontrou a água. Nos primeiros instantes seu corpo ficou imóvel, e em seguida começou a se mover, se debatendo até que muito lentamente seus movimentos se tornaram calmos e ordenados. Astrid lançou seus braços para cima e em uma questão de segundos emergiu. Tossiu compulsivamente por um longo tempo e quando por fim sua respiração se estabilizou ela se permitiu olhar em volta, porém novamente não reconheceu o lugar.
Onde no universo estou?!
Seus olhos passearam pelas paredes. De seguida olhou para o teto onde se demorou na lâmpada que ía de um lado para o outro, isso segundo sua visão.
Primeiro... Tomou um pouco de ar. Estava na floresta. Depois fui parar em um deserto agora... Olhou novamente ao redor da sala que não tinha nada além de água que quase chegava ao teto. Não há nenhuma port... Um calafrio passou por suas costas e ela tinha a plena certeza que não era por conta do frio que estava sentido, com certeza não era o frio.
Engoliu em seco. Forçou seus olhos a olharem para baixo, entretanto só havia água, linda e cristalina.
Não tem nada.
— Não há nada — disse para si mesma, mas seu coração não pareceu estar de acordo, pois continuou acelerando e poucos segundos mais tarde seus olhos capturaram algo. Foi rápido, no entanto mesmo que quisesse Astrid não conseguiria fingir que não o tinha visto.
Porta. Pensou antes de nadar desesperadamente em direção ao desconhecido. Bateu nas paredes, pediu por ajuda, porém nada aconteceu, quer dizer nada além de ser puxada pelo pé por algo que identificou mais tarde com sendo: uma cobra gigante comedora de pessoas, bem ela não havia a visto comer alguém, mas Astrid tinha a plena certeza que aquele monstro queria comê-la, ou melhor, iria comê-la.
Sem poder oferecer qualquer tipo de resistência significativa contra o monstro. Astrid deixou-se ser arrastada de lá para cá, enquanto ia ficando sem ar e sem qualquer esperança que voltaria a ver seu pai ou de estar em sua verdadeira realidade, onde tudo estava em seu devido lugar.
A cabeça de Astrid bateu em uma parede e alguns segundos depois ela perdeu a consciência. Duas horas mais tarde, Astrid abriu os olhos. Tossiu compulsivamente por longos segundos. Fechou e abriu os olhos várias vezes até que se acostumou com a luz do ambiente. Respirando com dificuldade se colocou em pé e passou a coçar o pescoço freneticamente. Involuntariamente olhou para baixo, lembrando-se assim da água, que não estava mais ali, tudo que seus olhos viram foi um piso branco manchado de sangue.
— ...Humh?!
Levou a mão livre à cabeça, no local onde sentia uma fraca dor e quando tornou a puxá-la de volta a mesma estava coberta de sangue, tanto que ela estranhou estar sentindo tão pouca dor.
— Soldada! — Uma voz chegou ao seus ouvidos, alta porém soando como se estivesse distante. — Sua punição está terminada. Espero que o que passou a tenha ajudado a refletir sobre suas más ações.
Coçando o pescoço com mais força, Astrid procurou a quem pertencia a voz, encontrando assim uma menina.
Quem são essas duas? Deu alguns passos para frente, cambaleando uma e outra vez. Oh! Agora elas são quatro. Fechou os olhos. Esfregou-os e depois tornou a abri-los. Onde foram as outras?
A poucos metros da menina, Astrid parou e estreitando um pouco os olhos encarou-a minuciosamente. Tal como outras pessoas que havia visto, o fato de corpo inteiro da menina também continha um emblema e a sigla CDA 5. Aos seus olhos ela não parecia ter mais de dezoito anos. Sua aparência era tão peculiar que Astrid não pode evitar olhar mais do que deveria. A menina tinha a pele castanha com várias linhas que faziam lembrar a casca de uma árvore. Seus olhos eram azuis, seu cabelo verde e todo voltado para cima com os longos fios entrelaçados aos ramos da árvore na qual ela se encontrava encostada.
— Espero que a partir de agora cumpra diligentemente as regras do Centro de Ajuda e seja uma soldada exemplar, que honre o reino de Aquamarine e que coloque seus civis sempre acima de tudo.
— Do que está falando? Seu cabelo... — Deu dois passos em frente enquanto coçava seu pescoço de forma bruta. — Como... — O corpo de Astrid caiu no chão e gradualmente, cada parte do seu corpo começou a doer. Ela se contorceu várias vezes, gritando mais e mais alto à medida que as dores iam aumentando.
— Por favor! Siga as regras a partir de agora e tente não voltar para cá. Tenha um bom descanso. — Desejou e os olhos de Astrid se fecharam logo de seguida.