Volume 2
Capítulo 18: Dualidade da vitória
A dor aguda da torção no pé de Edward — somada aos cortes no ombro e no rosto — irradiava por toda a sua consciência. Sentia-se à beira de desmontar a máscara serena e debochada que costumava ostentar. Mostrar fragilidade, porém, seria um erro fatal.
Agarrado ao doce e venenoso gosto da vingança, o rapaz firmou ainda mais as pernas e, lentamente, cruzou os braços. Sua nova postura deixava clara a intenção: convidava a fera a atacar de frente, sem qualquer chance de defesa.
Mesmo tomado pela dor, seu olhar se tornara ainda mais afiado. Fitando a criatura, já menos temida, Edward ergueu a voz:
— Vamos! Ataque-nos e prove que estamos errados! — Desafiou o Parasita, com um tom alto e ríspido.
As palavras de Edward cortavam o ar — assim como o frágil ego do monstro. Ainda que especial, era apenas um humano ousando desafiar sua força, e isso o torturava profundamente. Queria correr até sua presa, dilacerá-la de imediato, todavia a lembrança da primeira ferida grave o mantinha imóvel. Apertava com a outra mão o que restava de seu braço esquerdo, numa tentativa desesperada de conter a dor... ou negar a própria realidade.
O brilho vívido de seus olhos oscilava em meio às falhas. Pela primeira vez, como Parasita, ele sentia medo.
— É sério que está pensando em fugir? Vamos, estamos imóveis para te ajudar! — Edward instigou ainda mais o ser, precisava que o mesmo retomasse com sua corrida sedenta por sangue.
O Parasita respondia tamanha afronta com um novo berro. A mescla de vozes rugiam como um urso ferido, havia ferocidade mas no fundo cada voz falhava em diferentes tempos.
Logo após o grito de desespero e raiva, até consigo mesmo, a criatura soltou o braço ferido
— Vo... vo... VO... VOCÊS... VÃO MORRER AQUI!! — as palavras saíram em estalos, assincrônicas e rasgadas, enquanto a criatura ativava as garras da mão direita..
Reunia os últimos fragmentos de força — e de sanidade — para abrir o braço ainda ameaçador e disparar em uma nova corrida. Os passos brutais esmagavam o solo, fazendo o chão vibrar sob o peso de sua fúria — já era incapaz de conter o pouco domínio que tinha sobre sua presença espiritual.
Imediatamente, ao perceber o retorno dos movimentos do inimigo, Edward gritou:
— SAIBA QUE SCARLET TROUXE O SEU FIM! — bradou Edward.
O sinal foi imediatamente captado pela amiga, que se mantinha oculta sob a grama, próxima às garras antes arremessadas. Ciente de seu papel, Scarlet emergiu do solo, agarrou a mão decepada ainda presa ao antebraço do Parasita e partiu em passos leves e silenciosos em direção ao inimigo.
O trote do monstro, antes hesitante, começava a ganhar ritmo, no entanto o desfecho da luta já estava selado.
Scarlet alcançou as costas da criatura. Movida pela raiva e pela vontade de proteger Edward, firmou as duas mãos sobre as garras e desferiu um golpe feroz. Em um rápido impulso, girou o corpo e moveu os braços horizontalmente, mirando as coxas flácidas e deformadas do Parasita.
Scarlet agilmente alcançara as costas da figura. Munida de sua raiva, e também da vontade de ajudar Edward, a garota segurou firmemente a mão de cinco garras e realizou um feroz ataque: em um pequeno salto moveu os braços horizontalmente, mirando nas espécies de coxas de pano do Parasita. As garras, muito mais afiadas que uma simples faca de cozinha, cortavam fora grandes pedaços da região, o que trouxe uma imediata queda do monstro — ficando de joelhos.
Antes que a fragilizada monstruosidade compreendesse o que a havia atingido, a irritante garota já pousava no chão. Em um novo movimento brusco — agora transversal —, Scarlet desferiu outro golpe, evitando as juntas de madeira e mirando apenas o tecido remendado que formava o corpo do inimigo. O impacto quase arrancou por completo o braço direito da criatura e ainda riscou superficialmente parte de seu peitoral.
Em um piscar de olhos, o Parasita havia perdido toda a mobilidade. As pernas já não respondiam aos seus comandos, e sua única forma de ataque — o braço direito — tombou inerte sobre a grama.
O mesmo líquido, análogo ao sangue da criatura, jorrava de cada ponto acertado. Mesmo que intangível para o plano físico, Scarlet sentia respingos do sangue em seu rosto e roupa.
Ainda mais irritada, rodeou já imóvel adversário e reafirmou suas antigas falas:
— O inferno veio te buscar… — comentou encarando os olhos ainda mais sem vida do ser.
Incrivelmente todo o plano arquitetado por Edward fluiu sem qualquer erro de cálculo. Para sua surpresa, o inimigo havia sido derrotado há mais de um metro de distância — Scarlet fez com que ele nunca tivesse uma chance real.
Edward aguardou o término da fala da amiga para desarmar por completo sua postura quieta. Entre tropeços, iniciou sua caminhada até Scarlet e, seduzido pelo doce sabor de vingança, realizou um novo pedido.
— Ei Scarlet! Pode me ajudar com o golpe final? — disse estampando uma respiração ofegante.
— Ele… é todo seu! — ainda anestesiada pela adrenalina, Scarlet respondeu friamente e virou-se em direção ao amigo.
A fantasma, de forma lenta, andou rumo a Edward deixando para trás as garras que havia usado. Em antecipação, a cada passo tornava sua presença cada vez mais fraca.
Após breves segundos já se encontrava em frente a figura do jovem. Sem nenhuma troca de palavras, reduziu ainda mais sua presença e adentrou o corpo e consciência de Ed.
Pela primeira vez o humano pôde presenciar o início da possessão. Com o maior costume de ambas as partes com o processo, Edward ao invés de perder por um tempo a consciência sentia apenas uma forte tontura e a incapacidade de fechar os próprios olhos. Ainda que desconfortável, em definitivo preferiu a diferente reação.
Depois de 1 minuto todos os efeitos adversos da possessão se encerravam, levando consigo toda a dor impregnada no corpo gasto do humano.
O filho de Alex, já consciente e capaz de agir, recebia apenas uma instrução antes de seu próximo ato.
— Vou apenas envolver seu corpo com minha energia… não quero tentar ditar o que você vai fazer. Quero apenas lhe permitir dar o golpe final. — disse, ainda serenamente, a amiga dentro da mente de Edward.
— Obrigado… — sussurrou o humano voltando com sua caminhada, abandonando qualquer dificuldade em sua locomoção.
Repentinamente, a lenta caminhada transformou-se em uma disparada feroz.
Em um lampejo, Edward rasgou o solo com os pés, arrancando pedaços da grama verde até se posicionar diante da carcaça do adversário.
Diferente de qualquer outro momento da noite, o Parasita começou a chorar — um lamento angustiante, grotesco, capaz de atormentar até os sonhos de quem o ouvisse. A confusão de timbres intensificava sua natureza anormal, ao mesmo tempo em que denunciava o sofrimento das inúmeras almas presas sob sua carne deformada.
O lamento refletia, de forma nítida, toda a dor que o ser sentia — tanto física quanto mentalmente. Ainda assim, no fundo daquele som distorcido, Edward e Scarlet conseguiam perceber algo mais: um lampejo de arrependimento vindo do espírito.
Chegaram longe demais para que houvesse espaço à misericórdia. Edward chacoalhou a cabeça e se curvou em busca do braço recém-decepado. Sua mão direita, graças a possessão, percorria apressadamente cada detalhe macabro do tecido costurado, formado por pele e fragmentos humanos unidos em grotesca harmonia. Ao tocar a madeira rústica, cerrou o punho com força agarrando a mão adornada com afiadas garras.
Armado, mais devagar, Edward retornava com sua postura ereta.
Mais uma vez, deparou-se com os olhos efêmeros do frágil predador. Encarar a expressão reacendeu a ferocidade em suas próprias pupilas — um instinto assassino se espalhava pelo ar como uma névoa densa, consumindo tudo ao redor. Edward estava decidido a encerrar, de uma vez por todas, o violento trabalho.
Apertou com força o suporte da arma improvisada, sentindo a aspereza da madeira sob os dedos. Então ergueu o braço, dobrando-o e levando o cotovelo para trás, preparando o golpe final.
A preparação do golpe final logo fora percebida pelo derrotado adversário, ainda que fosse inevitável fugir do ataque ao menos tentou dizer novas palavras:
— Eu não fiz por mal… — uma única voz proclamou tal frase, todas as outras mantiveram o choro dessincronizado.
A repentina fala interrompia a explosão do golpe preparado por Edward.
Tais palavras excluíram qualquer resquício de receio que sentia pelos seus próximos atos. Com os dois olhos ainda mais arregalados o jovem respondeu:
— Mas você despertou ele em mim!
A voz serena acompanhou um movimento brusco do braço do locutor: com toda sua força desdobrou o cotovelo e emulou um soco. As garras atravessavam toda a cabeça desfigurada da criatura.
A partir do golpe, o corpo aos poucos do Parasita começou a se desintegrar inicialmente pelos membros inferiores — a ameaça havia sido superada.
Insatisfeito pelo golpe — ainda conseguia se recordar da cena de seu pai desacordado — Edward aproveitou o pouco tempo que tinha para realizar novos socos afiados.
Após três golpes brutais, a cabeça do Parasita exibia um buraco profundo bem no centro.
No fim do terceiro soco, as duas mãos da criatura simplesmente se desintegraram no ar — como a poeira levada pelo vento. Sem sua arma, Edward permaneceu imóvel, observando por breves segundos o corpo se desfazer diante dele. O sangue que antes manchava seu rosto evaporou junto com o inimigo, como se jamais tivesse existido.
Sem muitas expressões em seu rosto, ainda buscava entender o gosto que preenchia sua boca e coração, Ed sussurrava:
— Me desculpe Scarlet… consegue me ajudar até chegar em meu pai?
— Ahn… — A amiga desnorteada com toda conclusão tentava formular as próximas palavras. — Claro que sim… você está machucado — respondeu dentro dos pensamentos de Ed.
Junto com as energias do espírito, finalmente Edward virou-se para a entrada da sala de sua casa e sem maiores cerimônias apertou o andar.

A partir do percurso reparava o quanto sua casa estava mais destruída do que antes havia reparado, algumas paredes estampavam cortes profundos provenientes das lâminas.
Sem trocar qualquer tipo de fala, os dois jovens subiam as escadas de forma apressada.
Alex continuara na mesma posição, escorado próximo a porta do quarto do filho.
— Por favor me deixe a sós com ele… — pediu o sereno filho.
— Este já era meu plano… — afirmou o espírito já de fora do corpo amigo, essa que também se mostrava limpa do sangue antes manchado em sua pele e roupa. — Mas se precisar de mim…
— Você me salvou hoje… podemos conversar depois mas agora preciso ficar sozinho com ele… — Pontuou o garoto com uma voz trêmula, o retorno das dores e a vontade de chorar estremecia sua compostura.
Lembrar do estado do pai fizera com que o rapaz retirasse o celular do bolso a fim de conferir a hora..
— Incrivelmente toda essa loucura durou somente 10 minutos… a polícia logo deve estar chegando… Vamos acreditar que meu pai vai ficar bem.
—- Certo… vou ficar do lado de fora da casa. Vou ficar à espreita, não quero te deixar passar por todo esse transtorno sozinho. Fique bem… o que fizemos hoje foi… enfim… fique bem. — falou Scarlet mantendo a seriedade e carinho em sua voz.
— Obrigado por tudo… — agradeceu o rapaz deslizando seu corpo na parede em busca de se sentar próximo ao pai.
Os cabelos avermelhados giravam ao ar em rumo às escadas — a amiga cumpria sua palavra. Em um piscar de olhos a mesma atravessava a parede e se dirigia até a entrada da casa.
— Ei pai… espantamos quem te fez mal… — Já sentado no chão, tentava iniciar uma conversa com o familiar ferido.
Submerso no completo silêncio da casa, o filho permaneceu imóvel apenas encarando a parede à sua frente.
De pouco em pouco o semblante frio, pálido de qualquer expressão, trincava-se — a crescente melancolia que contaminava seu coração já oprimia qualquer alívio sentido pela recente vitória.
O frenético piscar de olhos denunciava o esforço árduo de conter novas lágrimas.
Queria gritar — deixar que a dor ecoasse por inteiro —, mas em vez disso engoliu em seco, uma, duas, tantas vezes quantas fossem necessárias.
Esgotado, deixou a cabeça tombar até encontrar o ombro de seu pai. No novo apoio, cerrou os olhos, como se desejasse adormecer e despertar em outra realidade.
Sentia pequenos movimentos do pai — o leve sobe e desce de uma respiração fraca —, mas sua mente insistia no pior dos cenários: “Por que você não se despediu de mim? Eu iria provar que tudo o que disse não era mentira… Pai... se sua alma foi consumida... para onde ela foi?”
A frustração quebrava enfim sua máscara, lágrimas saiam vagarosamente caindo sobre a roupa do pai.
— Mãe… eu falhei completamente…

Próxima à entrada da residência do amigo, Scarlet oferecia o espaço necessário para Ed. Sem pressa em seu caminhar, como se estivesse ainda digerindo todas as informações, encontrava-se com o cercado de madeira.
Casualmente controlava sua força para apoiar suas costas na cerca, em busca de um local de descanso.
Diferente de quando chegou, conseguia vislumbrar com calma todo o cenário. Enfeitiçada pelas flores do jardim, levemente mal cuidado, via seus pensamentos escaparem por meio de palavras.
— Foi satisfatório? Deveríamos pensar dessa forma? — a fala sussurrante ironicamente contestava a pureza da cor branca dos lírios.
A leveza em encarar a decoração sumia, sentia-se julgada, dessa maneira decidiu jogar a cabeça para trás observando de ponta cabeça a rua pouco movimentada.
Após um breve suspiro continuou com suas reflexões.
— Talvez… exageramos? Suas últimas palavras… — questionou aos céus e balançou levemente a cabeça. — Independente, seria nosso fim se tivéssemos encontrado um espírito mais esperto e forte do que um mero Parasita… Fico aliviada por termos conseguido derrotar ele, mas… não será sempre fácil. E se tivesse sido o Chris? Precisamos aprender mais…
Repentinamente a divagação fora interrompida pelo soar gradativamente alto de sirenes, o reforço enfim estava próximo de chegar.
— Parasitas são criaturas que um dia já foram almas comuns, suspeitam que almas perdidas por muito tempo se tornam um… Mas como te disse dias atrás Ed, ainda não sei se acredito nesta teoria. — Avistava, com sua visão invertida, uma ambulância e um carro de polícia dobrarem o quarterão. — Apenas tenho certeza que eles se alimentam de almas banhadas por inseguranças e tristeza… Edward eu espero do fundo do meu coração que a alma de seu pai ainda esteja por aqui…
Nota do autor
O volume 2 se encerra no próximo capítulo!
Foi uma jornada boa, mesmo que repleta de turbulências por problemas pessoais, espero que tenham aproveitado. Obrigado por toda atenção, paciência e carinho. Constantemente me esforço para melhorar cada vez mais, principalmente minha escrita.
Até breve com novidades sobre o próximo volume!
~Gusty
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