Volume 1
Capítulo 7: Novos pontos
O cantarolar de Lilly soou doce e descontraído, as notas foram percebidas pelo garoto, mas ainda sentiu-se preso pela profundidade da obra de arte. Além do forte significado, a tela minimalista encorajava a busca de um novo amanhã para aquele que algumas horas atrás apenas gostaria de sumir de seu próprio mundo. Como se reunisse com todos os novos aprendizados, Edward calou seus olhos brilhantes para em um grande suspiro refletir sobre o seu plano.
As pupilas despertaram com uma forte chama de tom castanho, virou-se abruptamente e, ostentando firmeza em seu caminhar, dobrou a esquerda rumo a cozinha. Diferentemente do costume de sua residência, sua tia possuía uma cozinha anexa à própria sala, sem necessidade de uma porta, mas com a presença de um pequeno balcão funcional como delimitador.
Confortáveis banquetas de madeira almofadadas permitiam uma fácil e direta acomodação. Ed, já acomodado, logo começou a acompanhar os movimentos apressados da tia por todo o cômodo. O piso branco, com um imponente azulejo brilhante, era riscado pelas pegadas tontas de Lilly. A anfitriã vasculhava os armários esbranquiçados, diante da bancada, em busca de ingredientes para o café da manhã.
Acompanhar cada movimento da mulher deixava Edward até mesmo tonto, as viagens intercaladas entre armários e geladeira traziam uma quantidade exorbitante de comida para o balcão — evidenciando que sua tia havia feito alguns preparatórios. Apavorado com o esforço ali depositado, o menino, com um sorriso de canto e com a mão direita na testa, tentava alcançar a tia com palavras.
— Tia, sério, não precisa disso tudo.
— Claro que precisa—
— Tia, eu vim aqui para te pedir uma ajuda… — Agora cabisbaixo sentira vergonha em dizer tais sentenças.
Escutar o sobrinho congelava de forma instantânea o corpo de Lilly, a fisionomia encolhida de Edward estampava nitidamente a insegurança do próprio. A tia entendia que aquelas palavras do garoto distanciaram da ideia de ferir ou de soar ingrato, todavia reconhecia certo anseio em torno do mesmo. Com as sobrancelhas levantadas, devagar começou a andar até se acomodar em um banco. Do lado de dentro da cozinha, frente ao garoto, e com uma voz calma voltou a conversar.
— Desculpe, confesso que me empolguei demais. — Um pouco mais calma, a tia ajeitava alguma das vasilhas de condimentos para logo em seguida posicionar um prato adiante de seu convidado. — Se você quiser comer, dê uma experimentada… Mas… — Encarou a postura retraída do sobrinho do outro lado do balcão. — O que posso te ajudar? — Esticou com cautela e delicadeza sua mão em busca do encontro da mão apoiada de Edward na superfície do balcão.
Sentir o novo gesto trouxera conformidade para continuar com seu pedido. Ainda em fuga do contato visual, a boca rígida do garoto iniciou sua prece.
— Você poderia me levar até o cemitério? — Entendendo o receio de seu pedido, começou a cerrar cada vez mais suas pálpebras.
O balançar de sua perna esquerda acompanhara a intensidade do apertar dos olhos. Sempre soube da disposição que sua tia possuía, principalmente para ele mesmo, no entanto ainda sentia o estômago borbulhar ao fazer o pedido simples e também condizente.
— Claro que sim! — Apertou um pouco mais forte a mão do sobrinho.
Em um pulo Edward cresceu seu corpo, com a visão ampliada, e afiada, encarou a feição sorridente da tia. Com o peito mais leve, retribuiu o pequeno gesto de sua tia. Lilly, ainda com um leve sorriso, decidiu certificar-se do crescente conforto de sua visita.
— Por que você achou que isso seria um problema? Não se preocupe querido… — Uma ardente fagulha percorreu da ponta do pé até o centro de seu peito. Temendo o pior, fechou o rosto e questionou o garoto: — Desculpe a pergunta, mas você chegou a pedir isso para seu pai?
— Ah… — Desviava de forma apavorada o foco. — Melhor deixar ele de lado um pouco — sussurrou enquanto deslocava a atenção para os alimentos dispostos na proximidade.
O sussurro, mesmo fraco, conseguiu alcançar a tia. Desamparada, acabou por soltar a mão do sobrinho. Agora, o calor era substituído por um crescente frio, arrepios por todo seu corpo deram forças para mais pensamentos intrusivos. “Alex você fez seu papel de pai? Você aplicou meu conselho e pedido?" A triste possibilidade fez com que os papeis se invertessem, Lilly parecia muito longe da realidade.
Preocupado, foi a vez do garoto esticar sua mão até a da tia. Buscou disfarçar sua tristeza com os últimos acontecimentos em torno de seu pai, de fato a relação de ambos parecia distante de algo saudável. Desejou abrir um sorriso seguro, no entanto, percebeu que havia falhado em manter sutil seus receios.
— Tia… eu só preferi pedir para você…
— Certo… ahn… vamos até lá.
Havia certeza nas palavras da tia, no entanto, a decepção já consumira suas veias. Incapaz de devolver a mesma alegria mostrada na chegada do garoto, Lilly apenas ergueu-se e apertou o passo até a entrada. O andar enfeitado agora fora substituído pela pressa e desordem.
Edward repentinamente percebia o vulto de sua tia atravessando sua visão periférica, a mesma parecia a maior desesperada para fugir da recente conversa.
A primeira etapa de seu plano era finalizada, contudo passou longe de desejar o drama quanto a Alex. “Seu imbecil, pare de causar mais problemas”, martelou em sua mente no mesmo instante que seguia os rastros da tia.
O caminho até o cemitério demandou cerca de 20 minutos, tempo suficiente para incentivar Lilly a recuperar seu eixo. Desde que saiu daquele balcão sua cabeça apenas exalava preocupação, pudera ser exagero , porém, a falta de entendimento em torno da relação de seu sobrinho com Alex embrulhava seu estômago. Com precisão, estacionou seu carro no estacionamento vazio do estabelecimento e com garra decidiu seguir o estalo de sua mente para iniciar uma conversa.
— Antes de ir — disse rapidamente ao observar o garoto quase fora do carro — preciso te perguntar uma coisa. Está tudo bem? Digo… está tudo bem entre você e seu pai? — Apertava com ainda mais força o volante mesmo com o carro desligado.
Edward respirou fundo, neste instante encontrou certeza de seu erro cometido anteriormente. Manteve a atenção para o lado de fora da porta, tentava esconder seu desânimo, para responder com serenidade:
— Não sei dizer tia… — Entendeu que seria pior fugir das adversidades.
— Está ruim… estou certa? — Recordava do sussurro.
— Só gostaria do apoio dele…
As palavras do sobrinho apenas concretizou o medo da tia, confirmava que Alex fugiu de seu dever como pai. Mesmo que parecesse impossível, Lilly aplicou ainda mais força no volante.
— Sinto que ele está mal, muito mal e isso me frustra… Foi minha culpa? Como posso ajudar? Ele realmente se importa comigo? Imagino que sim, mas me machuca tudo isso… — Virou o rosto para encarar a tia mais uma vez. — Enfim… sinto que disse tudo.
Edward no fundo viu como algo positivo abraçar a abertura para comentar sobre alguns motivos de toda sua angústia — contrariando o se eu de alguns instantes atrás. Cada mínima palavra lhe causara uma dor no peito, mesmo assim ao fim pôde sentir maior leveza.
A tia, insegura, apenas refletia o quanto a negligência de Alex poderia ocasionar sérios danos. A resposta demorava sair de sua boca, contudo quando conseguiu fez de forma certeira.
— Fiquei martelando o que te dizer desde que saímos. Confesso que estou furiosa… Mesmo assim devo lhe dizer algo: Seu pai, ele não está bem e vou ajudar ele a ficar melhor. E outra coisa, a mais importante delas, VOCÊ NÃO É CULPADO POR NADA! — com as mãos soltas, disse de forma rígida, mesmo com toda ansiedade e desconforto, conseguia soltar uma frase com efeito.
O rapaz decidiu guardar com carinho cada letra. Mesmo sentindo que ainda parecia insuficiente, abriu um sorriso convincente para o contexto.
— Obrigado… vou pensar mais sobre isso…
A mulher sentiu-se melhor, entendia que precisaria fazer mais pela situação, mas neste instante o sorriso de Ed já a tranquilizava. Sem mais turbulências, o garoto saltou sobre o solo de britas. Antes de qualquer tipo de movimentação de sua tia, decidiu fazer mais um pedido.
— Tia, eu posso ir sozinho até minha mãe? E mais uma vez, me desculpe por ter que me trazer até aqui…
— Claro que sim!
Instantaneamente a tia respondeu o garoto, a mesma em nenhum momento havia considerado a ideia de atrapalhar um momento íntimo de Edward. A velocidade foi tamanha que o garoto sequer percebeu a resposta que recebera, e dessa forma continuou com suas explicações.
— Por favor, me deixe ir sozinho — Implorava encarando o rosto relaxado de Lilly. — Preciso desse momento… e me desculpa mais uma vez por me t—
— Edward para com isso! Para de se preocupar com coisas bobas e sem sentido. Te trouxe pois era minha obrigação e é claro que vou te deixar ir sozinho — disse mantendo sua postura firme.
Todas as ações de sua parente deixaram o rapaz profundamente emocionado, esforçava-se para evitar as lágrimas. Fisgou pela primeira vez um olhar de total admiração para com ela.
— Você é incrível — disse e disparou em uma pequena corrida até a entrada do local.
O cemitério de Nova Initium esbanjava uma aparência rústica e gótica. Cercado por finas barras de ferro pretas, o local contava com pilares em cada extremidade. O topo de cada pilar de concreto apresentava um imponente pináculo. A entrada era decorada por um grande arco, do mesmo material da cerca, a qual exibia uma placa com o nome da necrópole.
Velozmente dispôs frente à entrada, um nó na garganta refletiu o clima pesado do local —- as boas vindas possuíam um gosto amargo. Um pouco ofegante, sentiu o retorno de suas inseguranças, uma grande vontade de voltar atrás corroía seu coração.
Flashes dos últimos dias dançavam em sua mente, no entanto, como um relampejo, se contradisse ao dizer:
— Foda-se, me nego a fugir!
A fina linha do foco precisava ser intensificada, deste jeito, respirou profundamente e começou a dar os primeiros passos rumo à estrada de túmulos.
Sentia o ritmo de seus batimentos se tornar cada vez menos intenso. “Pare de pensar… apenas continue andando” repetia gentilmente a frase em sua mente no tempo que seguia com cautela a trilha de pedras.
O tênis cautelosamente pressionava as pedras da trilha. O mar de sepulturas ainda lhe trazia um desconforto imenso, reflexo da falta de experiência com visitas em um cemitério. A incongruência da vida das belas flores decorativas ainda lhe causara intensos calafrios, reforçando a necessidade de intensificar seus pensamentos repetitivos.
Quando notou que se distanciou da entrada, pausou seu caminhar, e, gentilmente emergiu na escuridão, com o fechar dos olhos. Mastigou os mesmos pensamentos, enquanto sua respiração tornava-se cada vez mais lenta, como se tentasse sufocar a angústia que o consumia.
Ainda mais devagar, despregou as pálpebras, precisava se agarrar em um foco ainda mais intenso. Assim, de pouco em pouco, encontrou o mesmo cenário que antes avistava, com a diferença de que agora o mesmo apresentava mais vida. Repentinamente algumas pessoas surgiram em seu campo de visão, jovens e adultos se lamentavam e conversavam frente a diferentes túmulos. As vestimentas seguiam nenhum tipo de padrão: alguns vestiam trapos, já outros esbanjavam elegância. No total pôde contar 8 pessoas diferentes, com 3 delas aparentemente feridas.
Edward sentiu seu coração desesperado em busca de alguma saída. Gostaria de se mexer, vontade essa distante de suas pernas. O calor crescente dentro de seu corpo se misturava com o frescor do vento, tal combinação carregava um pavor singular.
O ritmo acelerado resultou em uma nova corrida, carregada pelo misto de medo e empolgação. “Que merda… eu realmente vejo espíritos!” tais frases pareciam assombrar o seu eu. No outro lado da moeda, pela primeira vez conseguia sentir um mínimo conforto quanto a todo o acidente — a sensação de sua loucura carregar verdade podia ser confortante.
Tomando maior consciência de seus movimentos apavorados, a corrida atrapalhada parecia levar a qualquer instante o corpo de Ed ao chão, decidiu apostar no lado otimista da nova descoberta. “Mãe… eu poderia te reencontrar aqui?” A nova ideia trouxe um frescor necessário para a tormenta e assim de pouco em pouco voltou a ter mais controle sob suas ações.
Sem delongas, Ed encontrou-se próximo à lápide de Joe. A trilha de pedras e cascalhos ainda seguia, o local realmente possuía uma grande extensão. A presença de uma robusta e grandiosa árvore nas proximidades do recinto de sua mãe causava indagação sobre o quanto anteriormente, no dia do enterro, deixou de prestar atenção em todo esse cenário. Enfrentar o mármore da sepultura, juntamente com o nome de sua mãe gravado em uma pequena placa, fazia com que o vazio encarasse o filho — a imutabilidade personificava em sua frente.
Prosseguiu com poucos e delicados passos para enfim ajoelhar perante a confirmação da morte de sua mãe. O familiar choro tentava a todo custo retornar, Edward cada vez mais era obrigado a acreditar na possibilidade de encontrar com Joe. Porém, era nítido sua perturbação, suas manias apareceram sendo a maior das denúncias: mordia com força os próprios lábios.
— Mãe… o que aconteceu? Sabe… acho que encontrei algo em mim. Quero acreditar que sim, então… por favor… apareça! Só quero te ver mais uma vez…
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