Edward The Guide Brasileira

Autor(a): Gusty


Volume 1

Capítulo 5: Brilho efêmero

O couro macio do banco afundava gentilmente a cabeça e as pernas de Edward, resultado de muitos minutos na mesma posição. O carro de seu tio Louis serviu como um seguro abrigo pós-cerimônia do enterro.

Anteriormente, durante o evento, a multidão de olhares e das conversas dos convidados pesaram como mil toneladas em suas costas, o que tornou desgastante e ainda mais assustador todo o velório. Desorientado, somente seguiu o fluxo das ações do pai, em nenhum instante conseguiu se atentar aos detalhes dos locais em que passou. Nenhum rosto, nenhum corredor havia sido memorizado.

Em sua mente, flashes de momentos ao lado de sua mãe surgiam sem controle: o sorriso delicado, o calor dos abraços em momentos difíceis, e a forma como seus olhos sempre pareciam entender tudo. Cada lembrança pulsava como uma faca em seu coração, tornando impossível focar no presente.

Recebeu abraços confortáveis de cada visitante; no entanto, nada fez com que sua boca proferisse alguma palavra. Quando chegou o momento das orações, só conseguiu manter o olhar fixo no caixão fechado à sua frente. A falta de contato apenas torturava sua mente em busca de compreender tamanha brutalidade sofrida por Joe.

Após as preces, percorreu a trilha do cemitério em companhia de todo o público. O caixão pesado era levado de maneira tradicional por parte da família de Joe. Edward manteve seu olhar sem vida durante toda a caminhada pelo cenário acinzentado. Novamente escapava de sua visão as circustâncias, decidia apenas encarar o necessário — o solo que seus pés tocavam.

A caminhada durou poucos minutos, sua finalização fez com que o garoto desviasse sua atenção para o local da futura lápide de sua própria mãe. Ali, ao encarar o espaço vazio que em breve guardaria o nome dela, uma dor surda pressionava cada vez mais seu peito. O tsunami de memórias fora substituído pelo instante que todo o acidente aconteceu.

Novos ritos se iniciaram, e o som abafado do choro de diferentes familiares preencheram o ar denso. A cada pá de terra que caía, Edward sentia como se o mundo ao seu redor se fechasse. Imóvel, com ainda menos brilho em suas pupilas, sentiu-se encolher. E então, quando o último grão de terra finalmente repousou sobre a madeira brilhante e rústica do novo cômodo de sua mãe, temeu que o vazio dentro de si fosse ainda mais profundo que a própria cova.

Ao final da última etapa, Edward percebeu que precisava voltar a se comunicar. Sem hesitar, avançou até Louis, que estava ao lado de Alex, próximo à recém-posicionada lápide. Com a voz fraca pediu por algum tipo de esconderijo. O tio, atento e compreensivo, entregou-lhe as chaves do carro, descrevendo rapidamente onde estava estacionado. Ed agradeceu com um aceno discreto, enquanto evitava ao máximo cruzar o olhar com o pai. Com a chave em mãos, virou-se para a multidão e afastou-se, determinado a desaparecer.

A mente do garoto ainda se encontrava no passado, cabisbaixo acelerou seus passos. Incapaz de compreender o que seria de seu futuro, mas principalmente inapto de confrontar seu presente, perdeu qualquer resquício de auto controle. Seus pulmões trabalhavam freneticamente, parecia que tinha receio de sufocar. O coração bombeava sangue a um ritmo desenfreado, e, entre soluços, sentiu o choro frio escorrer por todo o rosto. Por instinto, apertou o próprio peito, como se isso pudesse conter a dor que o consumia. Em seguida, lançou-se em uma corrida desajeitada em direção ao estacionamento, com direito a tropeços.

Percorreu, ainda de forma desajeitada, o mar de carros estacionados. A visão cada vez mais embaçada dificultou sua busca pelo veículo de Louis, mas as referências destrinchadas anteriormente serviram como sua melhor bússola. Dessa forma, com uma surpreendente agilidade, encontrou-se no processo de destrancar a porta do carro. 

Costumava sempre admirar o automóvel de Louis, sempre roubava sua atenção a cor e alguns adesivos, todavia havia urgência em suas mãos trêmulas. Destravou todas as portas e com apenas um pulo se acomodou no banco traseiro, ao passo que fechou com força a porta.

Ainda em prantos sentiu a dolorosa necessidade de se deitar — a dor intensa ainda apertava seu peito, o que fazia seu corpo ficar cada vez mais retraído. A solitude que tanto desejava invadiu-o sem piedade, enquanto ele soltava um grito rouco, em conjunto com o ritmo das lágrimas que encharcavam o banco de couro.

Edward já em completo desgaste, com os olhos até mesmo avermelhados, após tanto tempo na mesma posição decidiu tentar buscar algum tipo de distração. Sacou lentamente o celular do bolso em busca de escutar mais uma vez sua playlist. Ao tentar se levantar, ouviu ao longe vozes se aproximando, o que o fez permanecer imóvel em sua posição.

— Eu não sei o que fazer… — disse uma voz um pouco distante semelhante a de seu pai.

— Um dia de cada vez, pode ser? — A voz delicada e serena parecia pertencer a de seu avô Rodrigues, pai de Joe.

Embora ouvisse apenas duas vozes, era evidente que havia mais pessoas, pelo som dos passos. Ed concentrou-se ainda mais; queria entender o cerne da conversa, mesmo sabendo que isso poderia ser uma tortura.

— Eu sinto sangue em minhas mãos… — disse Alex parando um pouco mais próximo do carro de seu cunhado, Louis. Sua voz parecia chorosa.

Todos os passos pararam repentinamente, o grupo parecia acompanhar o ritmo de Alex. Depois de breves segundos uma nova voz chegou até os ouvidos do garoto.

— Irmão, sei que está sofrendo — disse Lilly enquanto realizava uma espécie de abraço, já que sua voz se tornou um pouco mais abafada. — Vamos focar que ao menos vocês dois não tiveram nenhum arranhão… Nem tudo saiu como planejado mas o melhor—

Antes que pudesse concluir a frase, um som seco de deslizes sobre as britas do estacionamento ecoou. Parecia um forte empurrão, o tipo de ruído que imediatamente fez Edward apertar os olhos com força. Mesmo com a curiosidade ardente dentro de si, ele sabia que permanecer escondido era a única opção. Temia a reação dos outros se fosse descoberto observando tudo às escondidas.

 

— VOCÊS NÃO ENTENDEM! — Alex aumentava seu tom, parecia ser o responsável pelo possível empurrão. — Durante todo esse evento eu ouvi um monte de palavras bonitas e confortáveis. No fim são só palavras bonitas ao vento… Eu fiz a merda da manobra, eu a matei! — A voz, que parecia falhar a qualquer instante, era escutada por todos em silêncio. Um som seco parecia emular uma forte batida no próprio peito de Alex.— Vocês nunca entenderão… era para ter sido eu—

—- CHEGA! — Rodrigues gritava com todas suas forças. Uma atitude inesperada de uma pessoa calma e sábia trouxe choque a todos presentes, até mesmo Edward. Com um tom mais ameno, continuou.. — Hoje eu perdi minha filha, a sua dor e a minha são distintas, não precisamos nos gabar dessas diferenças. Nenhum de vocês foi o culpado. Eu… nunca mais vou ver minha filha… — Lágrimas decoraram o ritmo da fala do sogro. — Vou lembrar disso todos os dias, então… faço questão de tentar me agarrar às coisas boas. É um milagre vocês continuarem vivos.

— Vamos Alex, vou te levar até em casa… você precisa descansar — Louis dizia revelando ser o último integrante do grupo de pessoas. — E pai, tome cuidado na volta. 

Gradualmente os passos voltaram com certa sintonia. A maior aproximação evidenciava com mais clareza o resquício do choro de Alex e Rodrigues, porém mais nenhuma palavra era proferida.

O ritmo do coração de Edward, parecia de pouco em pouco querer furar o couro abaixo de seu peito. Afinal, aquela conversa poderia continuar durante a carona de volta.

Próximo à porta do carro de Louis, Rodrigues se despediu de maneira atenciosa, distribuindo fortes abraços em cada um dos familiares. Poucas palavras foram ditas durante o gesto. Todos se agarram à esperança de que algum conforto, por menor que fosse, estivesse por perto. Por fim, os passos incertos do sogro ecoaram em uma nova direção, até desaparecer na distância.

Por um breve instante, o tio de Ed havia esquecido que sua chave se encontrava com o sobrinho. Assim, quando observou as janelas abertas, soltou uma resposta distraída em contraponto ao clima denso.

— É verdade… nossa, coitado vai ficar com muitas dores nas costas se conseguiu dormir nesse banco.

Edward escutou o som do rosto de Louis encostar no vidro da janela da porta por onde havia passado. Mesmo assim, manteve o rosto voltado para o assento, quis evitar encará-lo. O tio, em busca de recuperar sua chave, bateu delicadamente no vidro com o punho fechado, enquanto chamava pelo sobrinho.

Preocupado com sua encenação, o sobrinho se ergueu e virou em direção ao tio à medida que coçava os olhos em busca de simular um recente despertar.

— Tio? Que horas são? 

— Ainda são oito horas… você ainda pode ter uma noite confortável, mas para isso preciso da minha chave — respondeu com um sorriso convidativo.

Louis sempre soube cativar seu sobrinho, o jovem de certo modo sempre sentia segurança quando presenciava a feição amigável do tio. Era alto, com cabelo ralo e já grisalho, além de uma barba impecavelmente bem cuidada. Embora pudesse parecer sério à primeira vista, Louis sempre foi o oposto disso.

— Claro! — Retirou do bolso de forma ligeira e entregou para o motorista.

— Valeu! Coloque o cinto e vamos voltar para casa, beleza? — Fechou com delicadeza a porta e se voltou mais uma vez para Lilly e Alex. — Bom… até logo Lilly. E Alex acho que precisamos ir, certo?

— Você nos dá um instantinho? Quero conversar com ele. — Encarou fixamente o semblante desamparado do irmão.

— Claro, vou tirando o carro.

O adolescente avistava os dois cada vez mais distantes do veículo. Sentia dúvida se queria ouvir toda aquela conversa, pois os movimentos rígidos dos braços da tia sugeriam o início de uma discussão séria. Antes que pudesse se preocupar mais com a cena do lado de fora, o tio entrou no carro e o chamou:

— Você está melhor? — perguntou durante a partida do carro.

— Foi bom ficar aqui um tempo… — respondeu com o foco ainda direcionado aos familiares do lado de fora.

— Quero… — Coçou a garganta antes de continuar, se dava conta de que pela primeira vez estava em uma conversa séria com seu querido sobrinho. — Olha… sei o que você está sentindo… — Manobrava o carro em busca da saída e continuava. — Lembro que na época me disseram: “Você não pode chorar! Agora você é o homem da casa, você precisa ser o apoio”. Confesso que no início eu realmente tentei seguir essa ideia… foi a pior coisa que fiz nessa vida… Quero que saiba que não há problema algum chorar, sentir o momento de fragilidade.

As palavras chegavam até o garoto e tornava ainda mais poderosa a cena de seu pai e tia em uma conversa cheia de gesticulações. Lilly parecia estar em meio a lágrimas, talvez Alex estivesse da mesma maneira, mas o fato de estar de costas para a janela atrapalhava sua dedução. A conversa parecia importante e ao fim, o abraço apertado entre os dois trouxe um conforto pequeno para Edward.

— Sabe, entendi depois de alguns dias... — O carro agora alinhado para a saída esperava a chegada de Alex. Com isso, Louis virava seu corpo em busca de diminuir a distância com o sobrinho para continuar com sua fala. — É ruim apenas viver se lamentando, sinto que as pessoas que partiram não querem ver isso… Lembre com carinho! Você vai ter que encontrar sua atitude em relação a todos esses acontecimentos. Apenas respeite seu momento e se algo te ajudar, abrace com toda força!

Encarou mais uma vez o semblante carinhoso do tio e concordou com movimentos sutis da cabeça.

Poucos segundos após o recado, o pai do garoto chegava de forma apressada.

— Certo… podemos ir… — Alex respondeu, com fraqueza, enquanto jogava sua atenção para a paisagem de sua janela.

— Lembrem-se de colocarem os cintos… — Louis engoliu seco por perceber o duplo sentido cruel de sua frase. Buscou evitar qualquer tipo de conflito, por isso ligou de forma ágil o som.

Uma curta viagem se iniciava, e mais uma vez ela seria marcada por um silêncio ensurdecedor entre todos ali presentes. Alex observava os prédios, a mata e os carros. Em meio a esse movimento, pensou: “Lilly, ainda sou incapaz de fazer isso… Me desculpe. Peço que me perdoe, Edward… talvez demore para conseguir te encarar”.

Cerca de 50 minutos se passaram para enfim Louis estacionar em frente a casa de seu cunhado e sobrinho. Sem muita espera o pai se despediu, agradeceu e chegou a convidar Louis para entrar mas o mesmo recusou, e de forma apressada desceu do veículo. O filho repetia os mesmos atos mas de forma mais lenta e delicada, evitando bater com força a porta.

O caminho de pedras até a entrada parecia muito maior do que de fato era. Edward, com seu andar lento, agora encontrava tristeza ao reparar no jardim vívido e bem cuidado. Já Alex se mostrou ainda acelerado, estava cada vez mais próximo de destrancar a porta. Entre eles, uma distância cada vez maior se formava.

O barulho do motor do carro de Louis voltou a rasgar o ar logo após o tio verificar a passagem de seus familiares para o interior da casa. Já na parte de dentro, o clima seguia cada vez mais sufocante.

— Lembre de trancar a porta… — Alex dizia no tempo em que subia a velha escada. Já mais próximo do segundo andar, continuava. — Lilly te chamou para passar um tempo na casa dela amanhã… se quiser ir arranje algum jeito. Só te peço para me deixar quieto.

A figura do pai desapareceu, engolida pela escuridão do corredor que começava no fim do lance de escadas. O eco de suas palavras amplificou a densidade do simples monólogo. Edward permaneceu imóvel por alguns segundos, como se precisasse reunir forças para se mover. Finalmente, trancou a porta e, ao se virar, encontrou-se mais uma vez parado diante da sala escura, envolto no silêncio.

Sentiu mais uma vez os mesmos sintomas já conhecidos de sua ansiedade, estes resultaram em uma frustração enorme. Agarrou mais uma vez o ritmo acelerado e assim atravessou em um único instante o cômodo. Já no fim da sala, destrancou e abriu com força a porta de acesso para o quintal.

Toda a ferocidade se dissipou em um instante. As pernas cederam, e o garoto caiu de joelhos no gramado úmido. Para proteger o rosto do chão molhado, lançou os braços à frente, amortecendo o impacto. Seu estômago começava a borbulhar mais uma vez, sabia que estava próximo de mais uma onda de lágrimas.

Cerrou os dentes com rigidez e, tomado pela raiva, golpeou o gramado repetidamente. Detestava a ideia de revisitar, mais uma vez, sua própria fraqueza. A cada lágrima que escorria, o punho direito insistia em bater na terra, como se pudesse lutar contra algo invisível. Quis gritar, mas até isso o envergonhava. "Seu inútil" repetia em silêncio, como um mantra cruel.

Quando o esgotamento finalmente o venceu, ergueu-se de joelhos. Levantou o rosto devagar, buscava encontrar o céu. Acima, o mar de estrelas brilhava com uma serenidade esmagadora, um lembrete cruel da vastidão infinita. O mundo ao seu redor parecia insignificante, quase irreal, como se tudo já houvesse terminado. Efêmero e assustado, deixou que um pensamento solitário ecoasse em sua mente: "Preciso encontrar algo...".



 

Nota do autor

Primeiramente peço desculpas pelo atraso de um dia, tivemos alguns imprevistos e isso acabou acarretando em um leve atraso. 

Este capítulo acabou sendo maior do que o esperado, sei da presença de dois finais mas confesso que acabei gostando desse resultado. Espero que tenham gostado!!



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