Volume 1

Complicações

Retornei à competição deixando Lilith intrigada, me desculpei e digo que era apenas um mal-estar temporário.

Ela assentiu cética, fitou-me de canto por um tempo com sorriso de canto. A segunda prova havia terminado, estava para se iniciar a última: deslizamento por salto, uma batalha na qual o ambiente se faz inclinado e de baixa gravidade os forçando a saltar pelas paredes inclinadas e lutar até sobrar um ou cair para o poço.

Ao sentar-me, eu estava juntando as palavras e a coragem para anunciar que o tal grande mal, chamado “Merovak”, estava a caminho em meio a cerimônia, mas como eu poderia dar um alarme desses sem levantar questionamentos e com a angústia me consumindo? Droga. Os convidados provavelmente se voltariam uns com os outros por acharem que isso seria obra de algum deles. Vingativos até o fim. A Sombra, na minha cabeça, me pressionava para dar o aviso, mas isto me deixava mais ansiosa e com mais medo.

De repente, Lilith se inclina para mim e sussurra:

— Está nervosa porque ele está olhando para você? — ela me diz num tom provocante, escondendo a animação na voz.

Eu não havia percebido, mas assim que ela me disse tal coisa cruzei instintivamente meus olhos com os do príncipe sem esperar nada, mas lá estava ele me olhando com um sorriso bem na linha de preparo. Meus olhos brilharam e senti minha bochecha esquentar e corar.

Eles se prepararam. Pois, assim foi dado início à batalha final.

Paracelso e alguns outros magos conjuraram um enorme feitiço com pentagrama bem no meio da arena invocando o poço, as paredes e a baixa gravidade. Eles rapidamente saltaram para a luta. As paredes ficavam se mexendo enquanto as armas brancas e lanças gladiavam no ar. Berros e gritos de guerra exalaram a torcida organizada de cada clã, todos ficavam histéricos e vibrantes. Gladiadores contra gladiadores, aquele que cair perde de vez. A batalha acirrada e épica se intensifica quando o primeiro príncipe, cujo ombro e perna fora cortado por uma espada afiada, cai no poço.

Menos um.

Olho para Lilith de canto, com medo da minha abordagem não dar certo. Será que ela me apoiaria? Toco num anel para cabelo, numa trança minha escondida. Era o que determinava a minha amizade com ela, uma irmandade. Lilith também tinha um preso no seu bracelete, juramos estar dispostas uma para outra e esses anéis são a prova do juramento. Cutuquei a gravura rabiscada que fizemos, suspirei suavemente pronta para colocar nosso juramento à prova.

Puxo-a rapidamente para detrás do meu trono. Eu ainda não sabia exatamente como fazer uma investida para com meus pais, então, ela era a única ali para me ajudar. Explico a situação rapidamente e peço ajuda a ela para convencê-los a cancelar os testes e tirar todos daqui.

— Então está me dizendo que uma misteriosa ameaça está vindo abaixo de nós, mas você não tem ideia do que seja? — ela pergunta, mais uma vez cética.

— Isso! Por favor, me ajuda.

Lilith me encara por um momento, cima à baixo. Seu rosto redondo com os enormes e fofos olhos demonstravam falta de fé na minha palavra, pois que poderia ser apenas mais uma desculpa para que fugir do comprometimento de casamento arranjado — que faria bem mais sentido, considerando meu histórico. Ela não acredita e se vira para voltar a ver o jogo.

— Lili — a puxo de volta pelo braço implorando ainda em sussurro. — Por favor, dessa vez isso não tem a ver comigo.

Lilith me olha com indagação.

— Tudo bem — eu continuo —, talvez até tenha algo a ver com os pretendentes. Mas Lilith por favor, acredita em mim que desta vez é por coisa importante.

Ela me encara mais uma vez, e diz:

— Ugh — ela aperta os olhos, rosnando. — Espero que seja a última vez.

Lilith estava emburrada com razão, mas concordou em ajudar uma última vez.

Eu assenti com firmeza.

“Graças a Ìnnumar”, pensei.

Lilith e eu já entramos em enrascadas relacionadas aos pretendentes, sempre com uma desculpa para que não houvesse um pretendente oficial para mim, sempre com algum plano ou desculpa para escapar dos pretendentes e sempre acabávamos encrencadas. Éramos nós duas contra eles, mas na última vez recebemos um grande esporro a ponto de a Lilith refletir. Claro que isso tudo não acabou com nossa amizade, mas ela passou a não querer mais me ajudar quanto a me safar dos pretendentes. Pelo menos até agora.

— Ayla — ela me puxa depois de olhar rápido para a arena. —, acho que não vai dar para evacuar todo mundo a tempo.

Um forte terremoto abalou a arquibancada de supetão, tremendo os pés das pessoas e vibrando os pilares e chacoalhando os tronos. Foi mais que o suficiente para Lilith começar a acreditar na minha palavra.

— Agora você acredita?

Ela assentiu com o rosto espantado. Salto de volta para o meu lugar no trono fingindo que nada, além do terremoto, ocorreu. Os torcedores nada suspeitaram, pensaram que isto fosse parte do espetáculo, os pretendentes voavam no ar saltando e brandindo suas armas.

— Precisamos ser rápidas, então.

Logo saltamos de volta para perto do trono. O medo e ansiedade me tomavam, coração palpitando e o suor descendo pela cabeça me deixavam desencorajada e já temia por uma resposta negativa por parte deles. Rapidamente olho para Lilith atrás de mim e ela fez um sinal de encorajamento. Engulo seco, e me aproximo deles.

— Mãe… — sussurro com a voz quase sem sair. — Eu sei que a senhora vai ficar com raiva de mim, mas a cerimônia precisa ser adiada…

— Katarina Olga Hellman III, — ela diz com a voz firme — você não vai fugir desta cerimônia de novo. Fique aí e assista seu futuro pretendente sair vitorioso!

Este corte grosso e seco da rainha, foi um tanto inesperado. Eu não me daria por vencida e continuei a tentar convencê-la.

Ele está chegando.

Precisava me apressar. Em desespero, descarrego toda a informação da minha boca freneticamente para ela, que me olha intrigada. Assim que acabo com o falatório quase sem fim, fecho os olhos com medo da resposta, mas ela apenas ri me parabenizando pela desculpa da vez. Óbvio, ela não acreditou. Mandou-me aquietar e parar com o que eu planejava fazer para me safar. Minha contestação não levava em nada e começamos a discutir. Claramente eu não tinha mais poder ali depois de tantas travessuras e escapadas da minha parte em outrora. Enquanto discutíamos, Lilith sentiu algo nos pés, olhou para o chão e viu as pequenas pedras chacoalhando. Algo certamente se aproximava e o tremer aumentava pouco a pouco enquanto a competição estava para acabar.

— Gente… — ela se espanta.

A luta na arena parecia sem fim, sobrara apenas dois, os príncipes: Irsh e Mindu. Ambos tomavam cuidado com o golpe do outro, planejando seu próximo ataque, ansiando pelo desejo de vitória. Irsh estava menos cansado, porém mais machucado. Mindu estava menos machucado, porém mais cansado. A batalha parecia sem fim, eles se penduravam por um instante nas paredes antes de se afogarem para a batalha mais uma vez com sangue nos olhos, o embate de repente fora interrompido por uma força externa, uma espada extra entre a dos combatentes. Dourada e elegante com detalhes em preto fosco, ela derrotou os dois sem muito esforço, brandia sozinha no ar através de magia e retornou ao seu hospedeiro original deixando um rastro de mesma cor no ar. Os príncipes ficaram boquiabertos, foram jogados contra a parede e caíram no poço juntos. Os olhos de todos seguiram a espada logo após, revelando uma figura no topo, olhamos para a silhueta esperando o pior enquanto os torcedores se mantinham de boca aberta para o topo da arena em total silêncio.

A figura saiu das sombras, revelou-se em trajes escuros com detalhes e relevos dourados de pé numa plataforma usada para anunciar o vencedor pós-batalha.

— Homeworld. Perturbem-se perante minha presença. A presença de Merovak — sua voz distorcida chama a atenção de todos, manteve-se estático enquanto a plataforma se esticava para a luz à vista de todos.

— Não pode ser… — o rei fitou com repulsa.

Era o Carniceiro de que os jornais comentam, o assassino em série que ronda Ecor atrás de todas as princesas, um doente. A rainha, então, acreditou na minha palavra, mas seu corpo petrificou ente a presença do Carniceiro. Seus olhos estavam amedrontados, as mãos trêmulas, ela não respondia ao meu chamado.

Merovak logo começou um pronunciamento eloquente.

— Entreguem Katarina Hellman III e deixo que metade sobreviva. Revidem ou neguem e a morte os abraçará calorosamente.

Os guardas reais já o cercaram debaixo da plataforma e outros atrás deste que observou a chegada por cima dos ombros. Todos apontaram suas lanças em sincronia. O poço e toda estrutura criada para a batalha se desfez trazendo os competidores derrotados para cima novamente. Alguns mandaram Merovak ir embora, que era um erro este ter chegado durante a competição para matar a princesa passando a ideia de estupidez para aqueles tolos da arquibancada, mas Merovak não se rendeu e se manteve firme por um instante com sua frieza e calma inabaláveis. Uma última vez, o vilão olhou por cima dos ombros, os guardas se aproximavam com cautela com suas lanças prateadas.

— Que assim seja — ele sacou a mesma espada de antes.

Com um golpe, o Carniceiro se vira brutalmente brandindo sua espada no ar soltando uma forte energia obscura que acerta todos os guardas dali, assim, os valentes homens recebem a energia cortante na região do peito, foram jogados para a parede detrás e caem no chão como bonecos de pano.

Eles estavam mortos.

Merovak mergulha de cabeça para a arena com os braços esticados como se fosse se jogar para a morte sem medo, mas não era esse o caso. Seu aterrissar abalou o chão tal como um pedregulho que estremece a terra ao cair, a onda de choque levantou uma névoa de poeira por uns segundos revelando sua pessoa inteira no chão brandindo a espada reluzente, chamando o resto para a batalha.

Todos contra um e um contra todos. Certamente é uma batalha perdida para ele com os guerreiros e guardas pulando para cima com ferocidade, armas nas mãos e sangue nos olhos.

A frieza e loucura de Merovak assustava-os, mas não o suficiente para os fazer recuar. Ao saltarem, o Carniceiro os enfrentou com muita facilidade, chutes, socos e cortes ardentes dominavam o centro da arena com o banho de sangue aumentando a cada som de ossos quebrados. Merovak se banhava nisto, quase como um prazer.

Enfim, consegui fazer mamãe se mexer, voltou à realidade com um grito meu no seu ouvido. Seu olhar estava assustado e selvagem ela delirava sobre como esse assassino estava ali, pois ela reforçou a segurança em todos os pontos do castelo. Não teria como ela entrar sem que ela soubesse, teria? Já era tarde demais. O rei levantou do trono e nos guiou para longe, desesperado. “Fomos comprometidos”, ele disse.

Mais uma vez, o coração da montanha estremece mais forte. Mais intenso. Algumas estalactites acertaram o chão bloqueando a saída principal, guardas vieram com um breve relatório: os clãs estavam segurando o Carniceiro, mas não por muito tempo.

— Você, chame as Racers! Vocês, levem-nos para fora daqui! Na outra saída!

— Sim, senhor.

Fomos o mais rápido possível, descendo da arquibancada superior pelas escadas. Merovak seguia com sua carnificina.

O que está fazendo? Lute!”

Não sou guerreira, sou uma princesa. Saia da minha cabeça, agora!”, respondo em pensamento.

— Chega! — Merovak anuncia, soltando uma explosão atordoante.

Houve um momento de silêncio, mas na verdade a explosão fora intensa demais, notei-me caída e com os cotovelos ralados enquanto ouvia apenas um zumbido agudo. Vejo pessoas desesperadas, uns no chão e outras mortas. Fora uma explosão diferente, as partículas densas no ar — idênticas a fuligem de madeira — deixavam claro. Minha visão estava turva. O mesmo guarda de antes me ajuda a me reerguer, via brevemente pessoas sofrendo com seus companheiros se transformando em pó na sua frente; uma mulher, no chão, estava segurando, o que supus ser, seu marido no colo enquanto seu corpo estava virando pó lentamente. Ela grita em lástima. O chão tinha raízes escuras da explosão, indo até Merovak e este caminha em nossa direção sem pressa. Não sabia dizer se era delírio meu, mas as raízes aparentavam estar crescendo.

No castelo, corremos sem olhar para trás, os longos corredores pareciam não ter fim. Nosso objetivo era contatar à Guarda e as Racers, para fazer isso precisávamos chegar à sala de armas. O rei e a rainha discutem enquanto corríamos, como sempre um jogando desavenças sobre o outro e nenhum querendo assumir de que houve apenas uma brecha mínima de segurança e que não fora erro de nenhum dos dois. Seria difícil convencê-los disto. Fiquei quieta, encarei Lilith do meu lado por um instante. Eu corria com o vestido de seda levantado e preso nas minhas mãos.

Viramos no corredor seguinte e demos de cara com Merovak no final do curto corredor.

Ele parecia estar nos esperando, com um pano contendo algo dentro.

— Achei por um instante que não dobrariam neste corredor. Fico feliz que o fizeram.

— O que quer? — a rainha pergunta, sua voz tremia vagamente.

— Um reajuste… — ele diz prontamente com suavidade, e continuou logo em seguida —Já visitou os bairros de cada reino, majestade? É claro que não. Ficaria surpreso em ver o solo pútrido que vocês deixam e a imundice social descabida para com todos, são cegos pelos seus portões de ouro e tão fartos de sua comida que visam se fechar para o resto. Enquanto outrem são presos por apenas pegar uma concha de água vocês mexem seus pauzinhos de alto poder para fazer atrocidades por detrás dos panos... ou para vencer uma competição através de tônicos que encantam as princesas para cativá-las e ganhar…

Ele arremessa o pano que revela a cabeça decepada de um dos jogadores: Irsh S’hurt. O sangue ainda estava fresco e sua face sanguentada expelindo o tônico dito. Suspiramos de terror. O Carniceiro deu o primeiro passo até nós, com os punhos cerrados, a cada passo deixava pegadas da explosão contaminante no tapete, algo corrosivo. Era a Praga.

Prontamente recuamos para a direção oposta.

— Quero apenas a sua filha, meus senhores.

Os passos corroídos cresciam pelo tapete chegando perto da parede.

— Você não vai encostar na minha filha. —  A rainha se colocou na minha frente, sua voz estava melancólica e com desespero. Nós recuávamos pouco a pouco.

— Creio que isto não seja uma opção.

Merovak levanta seu punho cerrado, e nele havia um pequeno aparelho cilíndrico. Ele aperta o botão vermelho no topo. Uma estrondosa onda sonora tomou conta do corredor. Um som agudo penetrando meus ouvidos, sentia como se meu cérebro fosse estourar, meus miolos já remoíam em dor me deixando em posição fetal no chão, com as mãos futilmente tapando minhas orelhas em sangramento.

— Impossível… — o rei sussurra, fitou-me de olhos arregalados.

Eu berrava de dor, chorando, sem conseguir pronunciar mais nada. Para minha surpresa meus pais não foram afetados, nem os guardas; eles exigiam uma explicação, a rainha em destaque, pois estava em desespero não sabia como me ajudar.

— O que você fez?

— Pois é, o que você fez, rei? — a rainha olha desentendida para seu marido, que permaneceu em silêncio. — Que curioso dispositivo, parabenizo ao seu alquimista chefe, Marionete, pelo seu pedido de criação disto. É tão específico e engenhoso.

O barulho cessou. Me sentia zonza, fraca, e com os sentidos desorientados a ponto de não conseguir me equilibrar em pé sem ajuda. Minhas sardas se tornaram mais visíveis e minha pele pálida como a neve, a fraqueza pesava sob meus ombros me arrastando para baixo enquanto tentavam me manter firme, mamãe me abraçava com a falsa esperança de que tudo ficaria bem. O que levou esta pessoa a ter tal pensamento distorcido de como mudar o mundo através do derramamento de sangue e fatalidade desordenada? Uma mente conturbada e a alma retorcida como de Merovak não precise de um motivo para isso, suponho.

Mas algo também se mantinha incontestável por suas falas: ele sabe de coisas, coisas nas quais qualquer um sentiria vergonha de admitir que o fez, o que quer que seja ele se dirigiu ao rei sobre a criação daquela coisa. Mas por que ele estaria envolvido?

 

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