Dualidade Brasileira

Autor(a): Pedro Tibulo Carvalho


Volume 2 – arco 7

Capítulo 83: O prodígio, parte 1

Chegamos na cidade mais próxima, uma que mal podia ser chamada disso.

A vila de Frazza foi destruída em um dia, com milhares de mortos. Ninguém conseguia explicar de onde vinha o gelo, mas o que importava não era isso. O que chamou a minha atenção foi a união das pessoas.

Os sobreviventes, os parentes que moravam em outras cidade, todos estavam se ajudando. Todos tentavam achar uma forma de salvação para a tragédia que destruiu lares e famílias.

Essa gente era boa, eram pessoas que doavam para os outros. Pessoas que não mereciam isso.

Ao que entendi, estávamos aqui de passagem. Precisávamos de um lugar para encontrar o líder dos mercenários e também precisava começar a treinar Grace. Nosso grupo estava hospedado num abrigo, com vários dos mercenários ajudando no que podiam como pagamento.

Parei de andar, virando meu rosto para trás. Ali, Grace estava totalmente transformada ante o luar. A pele fora substituída pelo pelo e exoesqueleto, ainda que frágil. Os olhos amarelos enegrecidos rastreavam cada movimento que fazia. As orelhas e cauda de lobo eram cinza, como o resto da pelagem.

Contudo, ainda era mais humana do que besta. Era um estranho vale da estranheza, onde ela conseguia manter-se humana apenas graças ao remédio. Sorri com aquilo, deixando minha energia permear a área.

Ela parou de se mexer, concentrando toda a atenção em mim.

Grace… — Minha voz mostrava a gravidade da situação, a energia pesava no lugar, as árvores rachavam com a presença da força telecinética. — Sabe a diferença entre lutar para sobreviver e lutar para proteger?

Ela assentiu, até que apenas deu um passo para trás e sacudiu a cabeça.

Quem sobrevive não tem nada para lutar. Não tem motivo para seguir em frente, para dar mais de 100% de si… Quem protege sempre vai tirar mais força do que seu máximo. Eu vou te ensinar isso hoje.

Meus olhos adquiriram o fio de uma espada e a pressão aumentou. Com um passo, estava diante dela, forçando-a a desviar, destruindo o chão abaixo de nós com o soco.

Permiti que a Energia Astral explodisse em uma tempestade telecinética, mandando-a para longe, forçando-a a se defender de novo e de novo. Trocamos golpes, meus socos rápidos forçavam-na a se mover, a não parar. Ótimo.

Parar é morrer.

Aumentei a velocidade e intensidade dos ataques, impedindo-a de tentar sequer contra-atacar. Ela não podia fazer nada.

Mantive-a assim, forçando todos os limites que tinha a serem quebrados, de novo e de novo.

Enquanto me doía ter de usar esse método na minha irmã, foi assim que aprendi. Enquanto nunca aprendi a lutar com os Hollick, minha experiência nas ruas foi mais que o suficiente para desenvolver um estilo.

Era feroz, rápido e mortal, focado apenas em derrubar o oponente, independente de quais métodos fossem usados.

Com um rápido Jab, mandei-a voando para longe e estava para seguir com um cruzado, mas parei, vendo o estado que ela estava.

Mal conseguia ficar de pé…

Olhando-me com expectativa, suspirei e sacudi a cabeça.

Se continuarmos, no estado em que está, vai morrer…

Com um suspiro, assentiu e permitiu que as feições humanas retornassem. Ofereci minha mão a ela, puxando-a para cima, vendo como as pernas estavam desgastadas, cansadas demais para ficar de pé.

Um humano e um monstro trabalhando juntos? Que piada de mal gosto.

Congelei com aquilo. A voz era uma que nunca ouvi antes, mas não pude ignorar a raiva, o ódio direcionado para nós dois… Não, para minha irmã.

Inconscientemente, coloquei-me entre ele e Grace, olhando-o e permitindo minha energia permear o local. Sei que não importa muito, visto que são poucos os que podem sentir energia como eu, mas é melhor do que nada.

O adolescente tinha cabelo loiro platinado, quase tão branco quanto os de um Hollick, mas havia mechas ali, tão intensas quanto chamas. Os olhos de um azul cinzento, semelhante as nuvens carregadas de raios; pele como porcelana dava a aparência de ser apenas um boneco.

A roupa que vestia era simples. Um traje negro, com um cachecol da mesma cor protegendo-o do frio.

Lentamente, tirei as mãos do bolso do casaco que meu pai deixou para mim, estreitando os olhos enquanto movia, lentamente, os pés e entrava numa base mais sólida.

Posso ajudar? — perguntei, engolindo em seco. Mesmo que fosse impossível, ainda era melhor tentar resolver as coisas sem violência. Por um mundo sem guerra, aquele que sonha com isso não pode resolver tudo no soco.

Sim… Pegue suas mãos e mate a Licantropo atrás de você… — As feições, frias como as de uma cobra, rasgaram-se num sorriso cruel. — Ou, se não conseguir, saia da minha frente e não atrapalhe.

Minha resposta foi só um grunhido de raiva, seguido por entrar por completo na base de Boxe que usava. Uma que pratiquei o suficiente para fazê-lo arquear uma sobrancelha.

Ela é minha irmã… Não vou deixar que toque num fio de cabelo dela.

Atrás de mim, senti a frustração de Grace consumir o medo e suspirei. Teria de lidar com isso depois.

Antes que pudesse pensar, o estranho avançou numa velocidade extrema, forçando-me a fazer o mesmo. Com um Jab, testei as defesas dele, a resposta foi apenas dobrar o corpo e redirecionar meu braço para frente.

A velocidade que tinha, contudo, permitiu-me sair dali antes que me prendesse.

Aikido? Não, não era isso. Era algo diferente… A postura dele era mais agressiva que a arte passiva de Kaira…

Antes que pudesse pensar mais, veio um chute na altura da cabeça, forçando-me a abaixá-la e tentar mais dois Jabs, cada um bloqueado. O segundo foi redirecionado para baixo com força o suficiente para me surpreender.

Energia Astral? Mas foi tão rápido que mal consegui sentir!

Antes de me recuperar, colocou as duas mãos na minha cabeça, trazendo-a para baixo, na direção do joelho, arrancando sangue do meu nariz. O golpe me deixou tonto e abriu espaço para outra joelhada, esta que me despertou o suficiente para dar um passo a frente e forçar os braços para longe.

Livre, pude colocar uma pequena quantidade de energia no peito, onde a joelhada iria, forçando-o para trás.

Antes que pudesse se recuperar, tentei dois Jabs e um direto, cada um bloqueado, contudo

O meu último golpe o forçou para trás, a Energia permeando os arredores e mandando-o voar.

Nada mal… — disse, olhando-me com interesse. — Você luta bem e, ainda que seu controle não seja dos melhores, consegue usar a conexão… Bem, acho que devo aumentar a intensidade então…

Dizendo isso, a mão esquerda brilhou, a energia sendo moldada em uma espécie de ponta de lança, que brilhava num azul intenso. Com um rápido salto, mudou de estilo de novo, saindo da postura de contra-ataque e indo para uma tão agressiva que confirmou minhas suspeitas sobre o que fez antes.

Muay Thai.

Era um estilo perigoso, que usava tudo dos braços e pernas para quebrar o oponente. Era uma arte marcial no sentido mais puro da palavra, focada em destruir o corpo, sendo uma forma mais completa do Boxe.

Bem, em uma competição de socos, eu não perderei.

Entrando em guarda, avancei e desviei das duas estocadas, bloqueando um chute e saindo da área da joelhada, dando a volta no lado direito, com rápidos Jabs, tentando impedir um counter.

Vendo isso, meu oponente deu um passo para trás, dando a oportunidade que queria.

Colocando minha energia na mão direita, formei uma esfera de poder bruto e comprimido, jogando-a contra ele.

Bala Astral… — sussurrei, arqueando uma sobrancelha quando vi que escolhei apenas tentar cortá-la. Se ele acha que minha energia é tão fraca assim, ele está errado!

A vitória é minha!

Algumas frações de segundo antes do construto ter contato com a esfera, senti uma mudança ocorrer e, como se fosse a coisa mais fácil do mundo, a energia se dividiu em fios, englobando a Bala e, colocando seu corpo para o lado, forçou-a para longe.

Engoli em seco. Aquele grau de controle; a capacidade de se adaptar as menores mudanças do oponente, independente de quais fossem; e a tomada de decisão que mostrou até agora.

Ele é forte.

Os fios voltaram para a forma pontiaguda, meus sentidos captaram então a profundidade da energia.

Ele está… comprimindo-a? O quão forte é o controle dele?

Pulou em minha direção, forçando-me a desviar das estocadas e tomar distância. Reuni mais energia na mão e estava para dispará-la, quando o construto cresceu, tornando-se quase do tamanho de um braço, cortando meu peito.

A dor não me incomodou, mas a sensação de leveza vinda da perda de sangue era um incomodo. Forcei minha energia para fora, aproveitando da nova profundidade que ela adquiriu e tentar forçá-lo para trás.

Com maestria, usou a lâmina para bloquear a intensa onda de energia e tentou avançar, contudo, continuei colocando mais poder, lançando-o para longe.

Fios de energia azuis se formaram embaixo dos sapatos e se prenderam no chão, o rosto dele expressou surpresa e, então, apontou o dedo, reunindo um pingo de energia ali, uma que girou e vibrou. Até que um fio de luz foi disparado.

E cortou a minha energia como se fosse papel.

Logo, veio a dor.

Merda… isso é…

Olhei o buraco na minha carne, vendo o sangue escorrer livremente. O homem sorriu e caminhou na direção de Grace.

Ainda não.

O diário ressoou no meu peito, a energia trouxe um alívio conforme o ferimento começava a fechar. Puxando-o para fora, vi a surpresa no rosto dele e senti satisfação com isso.

Surpreso? Sou o Portador de Davi! E Grace Hollick está sob minha proteção! Melhor não tocar nela. — A surpresa dele cresceu em incredulidade e o triunfo que senti só crescia.

E, então, ele riu.

Uma risada má, sem qualquer humor e que transmitia apenas escárnio e deboche.

Entendi, você é a farsa que causou aquela comoção no conselho de clãs! E aquela deve ser a garotinha que ia ser executada! Que sorte a minha. — O que… Isso… por quê? — Posso corrigir o erro daquele velho gagá e provar a superioridade do meu sangue enquanto faço isso!

Como é?

Abra os olhos e veja bem, Portador de Davi! — Nisso, colocou a mão to traje negro, procurando algo. E, então, puxou um livro, com a capa como carvão queimado. Tinha uma espada e um báculo perfurando uma coroa azul, um círculo na cor de sangue ao redor.

Não… mas isso é…

Prazer, meu nome é Lawrence Jugram, Portador de Absalão.



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