Dominação Ancestral Brasileira

Autor(a): Mateus Lopes Jardim

Revisão: Bczeulli


Volume 1 – Arco 1

Capítulo 6: Manancial Secreto

No meio dos bosques, somente animais com grande resistência ao frio resistiam. E os mesmos ainda se escondiam em cavernas e buracos.

O que o sol trazia de conforto, a noite levava. E deixava tudo ainda pior.

Entre alguns uivos e grasnados. Havia no coração daquela floresta, uma voz, acompanhada por uma ávida inspiração.

A silhueta de uma pequena pessoa se arrastando pode ser vista, entre as matas de plantas venenosas e carnívoras. Este é Mythro, que de alguma forma consegue se manter nesse passo, e avança cada vez mais fundo nos bosques.

Seus cabelos estão emaranhados por espigas de pólen sanguessuga. Essas espigas soltam-se de seu hospedeiro após terem seu bocado de sangue drenado da vítima. Elas fazem a sucção por espinhos pequenos que as cercam.

Mas elas não estão sobre Mythro devido ao seu descuido, ele passou por elas deliberadamente. Nem ele entende bem o porquê. Porém de tempo em tempo, ele remove uma das que estava prestes à cair, e a come.

Essas espigas dão força para que ele possa continuar, embora mastigá-las seja algo extremamente doloroso, devido às toxinas que a planta solta, ele continua enfrentando o frio e a fraqueza que seu corpo passa. E assim ele fica, se rastejando…

É somente duas horas depois que ele finalmente alcança o pé de uma montanha. Sem ter mais caminho para seguir em frente, Mythro começa a se levantar. Ele sabe que está na montanha, a que por ele chama.

Se passam aproximadamente 10 minutos até que ele fique levantado, suas costas estão se apoiando no pé da montanha e sua perna com osso exposto volta a esguichar sangue. Sangue que já tinha sido coagulado pelo frio e tempo. Mas que volta a encontrar saída pelo mesmo ferimento, devido ao novo esforço.

Mythro olha seus arredores e vê um pequeno caminho ascendente na montanha. Ele segue até esse caminho, fazendo passos lentos; tão lentos quanto os de uma formiga. Quando ele finalmente chega à passagem montanhosa que o leva para cima, ele cai de joelhos no chão, e isso faz com que o osso exposto dê mais um pulo para fora, nesse pulo o dorso de sua coxa é perfurado e mais uma pequena fonte de sangue é criada. Há pelos menos 10cm de osso saindo pela panturrilha. E novamente, o pequeno volta a rastejar.

Vários minutos se passam, os olhos dourados de Mythro estão completamente escuros, o frio rasga ainda mais sua pele, as espigas sanguessugas que ele não consegue remover devido à restrição corporal a qual ele se encontra, só o torna ainda mais fraco.

Mas para o caminho a um fim. E a sensação que o pequeno busca está logo adiante dele.

A passagem continua indo longe, para o topo da montanha. Mas no meio da montanha, escondido por pedras, há uma caverna. Um doce aroma emana dessa caverna. Mythro inspira uma vez e seu corpo já se sente mais forte.

De sua língua cai diversos pequenos espinhos, e um líquido roxo acompanha logo depois. Por segundos ele fica zonzo, mas começa sentir melhor seu corpo. O único problema é que, tudo o que há pra sentir, é dor e frio.

Isso intensifica o desespero de Mythro, ele começa a ir mais rapidamente à fonte de sua breve recuperação. Ele entra na escura caverna, sem pistas do que irá encontrar.

****

Na vila Fashr

— Pai, o Mythro sumiu por mais de um dia, ele estava com os carpinteiros, eles fizeram algo à ele!

— Você não pode ir dizendo esses tipos de coisas, ainda mais com Josom aqui. Ninguém ganha nada em fazer mal ao pequeno, então por que fariam?

— Não se preocupe, senhor da vila. A dúvida do paradeiro do menino Mythro atinge a todos da vila como um. Temos que achá-lo e ter certeza de seu bem-estar.

— Viu só menina? Agora, volte a cultivar. Seu pai não durará muito mais. Você deve me suceder em breve…

Namhr, Josom e seu pai estavam na casa de L’s opostos, discutindo sobre o desaparecimento repentino de Mythro.

— Mas, pai!

— Chega! Eu sou o senhor dessa vila e seu pai. Você deve me obedecer. Se pudermos achá-lo, então achamos, se não pudermos, então esqueça-o! Se ele foi embora por si mesmo, como Josom disse, é porque ele não queria ter nada com a nossa vila. Ele teve a honra de ser chamado para trabalhar ainda antes de se tornar aprendiz, e por falta de maturidade ele abandona a vila. Isso me faz até mesmo duvidar se ele foi embora porque já tinha dado o tempo de ele voltar de sua espionagem.

— Mythro não é um meio-humano! Por causa do talento dele que esses boatos começaram a correr… Nós somos do abismo, por isso nosso cultivo é impedido de ser tão rápido quanto ao dele, ou qualquer outra pessoa. Vocês confundiram a resposta mais óbvia com a pior situação possível. Porque todos vocês são burros, invejosos e covardes!

— Namhr, pro seu quarto agora! E você não sairá tão cedo desta casa!

Namhr sai inconformada e com lágrimas nos olhos, e segue em direção ao reto corredor que leva do quarto de seu pai, ao seu.

— Me desculpe Josom, Namhr é uma boa menina. Mas, Mythro… Mythro é a linha que não pode ser atravessada. Ainda mais com a morte de Krima. Eu sei que ela está se colocando no trabalho de irmã e mãe…

— Eu entendo senhor.

Depois de mais alguns comentários, Josom recebe ordens do que ser feito na vila por Fashr, enquanto o mesmo se recupera. Minutos depois ele sai do quarto e da casa do senhor da vila.

Fashr se reclina na pilha de peles de lobo.

— Traga-me água!

Uma ordem soa pelo corredor e logo uma bela serva aparece com uma jarra e copo em mãos.

— Fumin.

— Senhor Fashr.

Fumin logo chega ao lado de Fashr, e coloca a jarra e copo em uma pequena mesa do lado da cama. Ela preenche o copo com água e oferece ao seu senhor, que por sua vez, bebe com dificuldade.

— Beba com calma, não queremos que a água entre em seu pulmão.

— Ah – Com um suspiro, ele coloca o copo na mesa e olha para Fumin. – Obrigado.

— O dever de um servo, é servir.

— Não gosto desse tipo de pensamento. Uma pessoa não deve servir, deve compartilhar seus ideais e juntar pessoas para que em designadas ocupações, alcancem o mesmo objetivo.

— Que sábio.

— Não… Quem me disse isso foi Namhr. Na verdade. – Fashr ri um pouco – Ela disse isso pro Mythro, e eu dei de ouvir.

— Ela com certeza é a imagem do pai, se não, como uma moça tão jovem poderia pregar tais palavras?

— Ela puxou a mãe dela… Namhr é tudo que resta para mim… E talvez o menino Mythro.

— Ele não é seu de sangue, por que deveria contar com ele em seus pensamentos?

— Embora ele não tenha vindo de minha semente, é inegável o efeito que ele tem em minha filha. Eu jamais daria ela à ele em casamento, justamente por não ser do abismo. Mas aquela criança não enxerga as coisas na visão de um homem comum. Ele enxerga as pessoas em seu cerne. Ele é muito especial, seus olhos me encantam, tanto quanto encantam à Namhr.

— Você sentirá falta dele, digo, se ele não voltar mais?

— Sim… Eu também não acredito que ele seja um Markho dos contos fora do abismo. Talvez ele só tenha tido a sorte de nascer com uma antiga habilidade ocular, que é passada hereditariamente.

— Você entende sobre este tipo de assunto?

— Sim e você também, não é mesmo, Fumin?

— …

— Você veio de fora, do norte, certo? Diga-me, você tiraria Namhr deste abismo?

— Eu poderia. Mas tem algo que eu quero daqui, antes de voltar ao norte, eu preciso ter certeza se está, ou não aqui.

— E o que seria?

— Os restos mortais de minha mãe. Ela também veio do abismo.

— Entendo.

Fumin então se levanta e vai embora.

**

Na saída da casa do senhor da vila, alguns homens esperam.

— Então srta Fumin, o que nosso senhor pensa do garoto?

— Ele acredita que seja algum tipo de poder hereditário.

— E pode ser? – Um dos homens pergunta.

— Cale a boca, é óbvio que não é! Fumin jamais poderá estar enganada, ela é de fora do abismo! – Outro homem retruca.

— Sim, nada engana meus olhos. Infelizmente, se vocês forem guiados por este homem, sua vila correrá perigo. Eu o seduzirei e virarei pelas leis da vila, senhora. E guiarei a todos para o caminho correto. Até mesmo, tirarei vocês deste lugar amaldiçoado.

— Srta Fumin! – Os homens dizem com louvor, mãos nos peitos e joelhos no chão.

— Vocês me ajudarão a destronar o impostor, que tomou seu líder, a dois anos atrás, quando ele trouxera um Markho à suas terras?

— Sim!

**

Na caverna

Enquanto Mythro se arrasta, avançando pela caverna, mais do aroma alcança suas narinas e devolve à ele alguma força.

Depois de mais algumas braçadas, ele consegue enxergar uma leve névoa. Essa névoa é completamente azul, um belo azul cintilante.

— Finalmente, você alcançou seu primeiro presente.

Uma voz ecoa, além da névoa.

— Apresente-se, Mythro. Filho dos cosmos.

Seguindo por entre a névoa, Mythro segue a voz que o chama, quanto mais próximo ele chega ao que pode ser o fim da caverna, mais recuperado ele fica. Poucos instantes depois ele começa a ver uma luz azul, e o forte som de água correndo. Diversas emoções começam a encher em seu peito. Lágrimas correm do rosto sujo de sangue.

— Levante-se.

E como se lei fosse decretada, Mythro se ergue. Ele está completamente absorto em descobrir a maravilha que o preenche com tantas sensações. Ele fica cara-a-cara com a luz; com apenas mais um passo ele poderá ver tudo.

— Se ficar ai, jamais verá o que há aqui para ti. Dê um último passo, e acabe com dolorosa ansiedade.

— Quem é você? – Mythro pergunta enquanto dá o último passo.

— Eu sou Gornn. Prisioneiro deste planeta há mais de 40 mil anos…

Toda a visão que era obstruída pelo forte brilho azul, então se revela. Mythro dá de cara com um rio, rapidamente cortando pelo trajeto que pode, o rio brilha com um belo azul. Acima dele há uma névoa, espessa, mas ainda assim, é como se tudo pudesse ser visto, se assim você quisesse. Diversos pontos azuis, como gotas, caíam do topo da névoa e batizavam uma árvore, alta e bela com diversas flores.

E o mais extraordinário estava na margem. Um leão, com pelos rubros, sentado, com suas pernas dianteiras cruzadas. Ele encara Mythro, e seus olhos, dourados como o ouro mais belo que já pôde ser escavado, por mãos mortais e imortais.

— … e você é um NOVA bebê. Creio que possamos ter uma conversa séria sobre o que fazer para sair daqui.

Mythro fica sem reação. Primeiramente, ele nunca tinha visto um leão antes, segundo, o belo pelo do ser a sua frente, não era simplesmente rubro… mas como também fedia a algo que ele esteve em constante contato enquanto rastejava até a caverna.

— Gornn… o que é você? Um lobo fortão com focinho um pouco achatado?

Gornn continua encarando Mythro, só que não há resposta. Um silêncio se instaura, enquanto Gornn encara ele quieto e imóvel. Mythro se aproxima e olha bem todo o corpo do que ele acha ser um lobo superdesenvolvido.

— Nossa… Isso vai ser mais complicado do que eu imaginava. Você nasceu sem memórias criança?

— Não é assim que todos nascem?

— Criaturas normais, não seres divinos. Nós nascemos com a memória de nosso sangue.

— Então deve ser por isso, eu sou um humano. Se bem que já me confundiram com um Markho.

— Markho? O velho cara de peixe que caiu aqui há uns 10 mil anos? Ele não morreu?

— Como assim? Markho são os meio-humanos não?

— Criança, diga-me o que sabes.

***

Horas depois.

”Ele nasceu NOVA, não tenho dúvidas, eu senti quando ele caiu, mas essa situação… Será que houve um defeito em sua criação? Não, impossível, os cosmos não são tão inúteis a ponto de fazer uma criatura divina errada.”

— Você que me curou?

Gornn que estava com os olhos fechados, os abre novamente e encara o pequeno.

— Sim, mas o chamado veio de seu presente. Na verdade, eu o amplifiquei. A energia negativa daquela raiz moribunda no centro deste planeta atrapalha muitas funcionalidades na questão de comunicação.

— Raiz moribunda?

— Isso é conversa para outro dia. Me diga, você lembra de ter visto uma mulher, antes de ter sido salvo pela tal Namhr?

— Hm, não?

Gornn fecha os olhos novamente e começa a conjecturar.

— Xaemi deixou um dos seus ser gerado completamente e não veio buscar? Também impossível. Garoto precisamos conversar seriamente.

— Já não estamos? Você fica com essa cara de lobo achatado, parece tão sério o tempo inteiro.

 



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