Volume 1 – Parte 1
Capítulo 5
Cem mil dólares…
Apenas cinco dias…
Como pode tudo ter virado de cabeça para baixo tão rápido?
A proposta de Lorenzo rodeava a cabeça do banqueiro com tanta rapidez e força quanto a vontade de comprar aquela casa. Confusão, delírio, raiva, mal-estar, tantas sensações. Se revirava em sua própria cama, enquanto relógio apontava para as quatro da manhã. Mal havia dormido. Pregava os olhos com dificuldade pois a imagem duplicada da casa e do anel de jadeíta se somavam em sua mente.
Se levantou e correu para a cozinha, fazendo sua esposa se revirar na cama. Sua casa aparentava ter diminuído de tamanho desde que viu a casa de Pascal. As paredes — não sabia dizer se imaginava isso — cheiravam a mofo e estavam, brilhosas, como que banhadas a óleo, e o teto ganhou rachaduras do dia para a noite. Os rodapés de madeira pareciam rachados, e lotados de poeiras. O piso rangia, com os menores esforços, Parece uma casa velha.
Este barulho são ratos?
Enxergava isto apenas em momentos ruins como aquele. Sua mente se distanciava da realidade e se aproximava de uma manca fantasia. Aqui caminhava com uma perna coxa por cima de tudo que possuía. Tudo era cinzento, velho e quebradiço, com um prazo de validade muito próximo e o novo produto estava logo ali na esquina.
Sua casa estava quebrada. Sua vida estava capenga e feia, sentindo a falta do mais doce dos vinhos, e dos mais amargos dos uísques escoceses... Incompleta e vazia e apenas uma coisa vai me satisfazer — ou assim pensava.
E isto, é claramente, a casa de Pascal. O palácio na upper east side. Às vezes se perguntava se estava doente. Se sujeitando a aquilo, como se fosse um viciado. Uma parte de sua cabeça o fazia lembrar dos dias horríveis que passava bêbado nas ruas próximas ao seu trabalho, após o horário de serviço. Outra parte o fazia lembrar de Lorenzo, com uma fumegante raiva.
O homem surgiu do dia para noite, numa virada de esquina, em um piscar de olhos, trazendo a unica coisa que convenceria seu chefe a vender aquela casa para um homem negro e comunista. Dinheiro. Muito dinheiro.
Um dinheiro que Samuel demoraria anos para conseguir, e que através da venda daquele anel, o chefe de Goldberg poderia ter em um mero instante. Não sabia ao certo quanto ele ganhava nos leilões que o banco de vez em quando organizava, mas sempre o via com um enorme sorriso no rosto após o evento. Pouco dinheiro não deve ser.
E agora, um anel de jadeíta… Como ele disputaria contra um anel de jadeíta?
Como diabos esse criolo tem um anel de jadeíta?
Notava agora que mais uma vez pensava demais quanto a esta situação. O homem havia trazido uma jóia de mais de cem mil dólares para comprar uma casa que vale cinquenta mil. Podia vender e comprar duas como aquela ou um imóvel ainda maior, e de preferência bem longe daqui.
— Por que quer justamente a casa de Pascal… — Se perguntava, enquanto comia mais uma colher de açúcar. Já havia perdido as contas de quantas havia posto na boca e notava apenas agora que o pote estava quase vazio.
Era irônico ele se perguntar o motivo de Lorenzo querer a casa, afinal ele mesmo ansiava por aquele palácio. Talvez fosse até um pouco hipócrita e infantil por isso.
Olhou para o relógio da própria sala. Eram cinco da manhã. Oficialmente fariam doze horas do ocorrido. Como as coisas se partem tão rápido, não é mesmo?
Caminhou para voltar à própria cama, quando encontrou sua esposa parada no corredor. Ela o encarava, enquanto os cabelos castanhos e longos recaiam sobre seus ombros cansados, com apenas a luz da rua recaindo sobre seu pijama folgado e na cor de sua pele. Era bege, na verdade. Também havia sido um presente de casamento, e Samuel não se lembrava de quem exatamente.
— Não estou bebendo. — Ele logo disse, levantando um sorriso leviano. Era verdade, apenas alimentava um novo vício e uma nova paranoia. O que sua esposa diria se dissesse que estava pensando comprar uma casa que valia milhares de dólares, e que o único outro comprador era um rico comunista e negro.
— Sei que não. Notei que o açúcar estava acabando muito rápido nesses últimos meses. — Ela comentou, se aproximando e pegando nas mãos do marido. Agarrou a colher de latão que ele tinha, e que não havia notado. — Vai ficar com diabetes desse jeito, Goldberg.
Ela nunca o chamava pelo sobrenome, apenas quando estava preocupada ou séria. A última vez havia sido no dia em que ele voltou para casa, após o tapa que a mesma havia recebido dele. Nunca a havia visto tão irritada, tão chateada e confusa. É sorte estarmos aqui ainda, pensava.
— Eu sei… mas me ajuda.
— Não parece estar te ajudando tanto nestas últimas semanas. — Ela me conhece tanto. — Aconteceu algo no trabalho?
Samuel não soube o que dizer num primeiro momento. Deveria mesmo contar a ela? Sequer havia falado com seu chefe, e se ansiasse pela casa da mesma forma e no final de tudo fosse parar nas mãos daquele criolo! Quão horrível seria! No entanto, tinha de dizer algo, mesmo que fosse uma mentira.
— Sim… clientes demais para um banqueiro de menos. — Uma meia verdade. Sim… apenas uma meia verdade. De fato estava trabalhando muito, em um mísero negócio, que não lhe traria lucros, apenas dores de cabeça.
— Talvez devesse tirar umas férias.
— É… talvez. — Disse, apenas para não ficar em silêncio. Odiava mentir para ela. Fazia isso com frequência no ano anterior, e sempre resultava em coisas ruins, mas, desta vez era para uma coisa boa… Não é?
Ele beijou ela em sua mão, e a acompanhou até a cama. Dormiu por exatos dez minutos quando o despertador tocou. Precisava ir para o serviço, e não havia mais açúcar no pote. Seria um dia difícil.