Volume 1 – Parte 1
Capítulo 2
Faltavam nove dias para que a casa de Pascal fosse tombada pelo banco.
Goldberg caminhava pela sala de descanso dos funcionários, tomando em goles grandes um copo de café fraco que tinha na mão. 5 centavos por copo… Pensou.
Havia acabado de receber uma proposta de empréstimo de um casal de mexicanos que queriam abrir uma construtora no país. Eles se exaltaram quando Samuel disse que não podia aceitar itens pessoais, não importava o quão importante e memoráveis eles fossem, como garantia. Esses objetos até poderiam ser valiosos para o casal, mas e se eles não quitassem a dívida? O banco sairia no prejuízo.
O casal se sentiu ofendido, pois aquele anel de madeira - liso e de poucos entalhes - foi feito pela falecida filha do casal. Vale menos que 40 pratas… Quando eles começaram a gritar, notou que eles falaram algumas palavras que o mesmo homem latino que encontrou próximo a casa, usou. Perguntou então o que estas palavras significavam. Perguntou o que “Visto demonios”, “Extraño” e “manipuló las reglas…” significava.
Agora ponderava e absorvia a tradução de tudo aquilo, que foi contada pelo casal. Como assim visto demônios? Manipulou as regras? As do banco? Então foi de fato um golpe, mas para onde Pascal havia ido então? E por que diabos ele pediu um empréstimo menor que o valor da casa?
Essas dúvidas pareciam rodear apenas a cabeça de Samuel. Havia contado isso para seus colegas de trabalho, nesta mesma sala. Para outros banqueiros que também faziam e manejavam empréstimos, como ele. E também para outras funcionárias do banco, dentre as poucas que ali havia. Nenhum dos homens pareceu dar grandes detalhes. Apenas estranharam um homem negro ter uma casa tão rica.
Essa também havia sido a dúvida de algumas das mulheres, mas uma delas em específico, uma que tinha a mesma pele morena de Pascal, pareceu verdadeiramente em dúvida também. Encucada com tudo aquilo e da forma como o cliente havia simplesmente sumido do mapa.
Apenas uma pessoa. Uma mulher, funcionária que faz o café, e negra… talvez eu esteja me preocupando a toa. Pensou o banqueiro.
Mas seus pensamentos traiam seus instintos. Algo ali gritava o contrário. Gritava como o homem vestindo um paletó barato, que esteve diante do banqueiro momentos antes naquele mesmo dia. Era outro empréstimo a se fazer para um homem branco de meia idade e que queria abrir um negócio.
— É que o futuro está na ____ — E preencha essa lacuna como quiser. Ouvia aquilo várias vezes ao dia, quase sempre concordava. Poxa vida, esses homens apenas querem abrir um negócio. Apenas querem sobreviver neste país. Davam como garantia carros, casas, propriedades ou itens pessoais. O banqueiro olharia para tudo isto e aceitaria o empréstimo sem pestanejar.
Nada, porém, dentre esses itens de luxo, se comparava ao belo e rudimentar objeto que havia dentro daquela casa. Daquele Palácio! Aquele belíssimo e rudimentar…
—Viu o louco que tá na frente do banco? — Perguntou um colega banqueiro, que entrou de supetão na sala de descanso. Samuel apenas negou com a cabeça, não saia da sala de descanso desde do início de sua pausa.
Ambos caminharam pelos corredores apertados do banco, enquanto outros funcionários se juntavam a eles. Chegaram até as portas que levavam até o salão principal, onde os clientes aguardavam serem chamados.
O banco era um lugar muito bem organizado e luxuoso. A cor dourada e reluzente do bronze jorravam de todos os lados e os lustres de cristal, naquela hora da manhã, reluziam com várias centelhas de arco-íris pelo lugar. As mesas, de um escuro que imitava mogno, estavam polidas o suficiente para que essas luzes parecessem grudar em seus tampos. Vários clientes aguardavam nas filas para falar com alguma secretária, enquanto outros se juntavam nas janelas para observar do lado de fora.
Samuel caminhou até um desses grupos, um onde tinha apenas outros banqueiros, e olhou através do vidro. Lá, do outro lado da rua, ele viu a figura de um homem que segurava um enorme megafone nas mãos. Ele gritava a plenos pulmões. Aquele grave do megafone parecia retumbar pelas janelas e copos espalhados pelo banco e chegar aos ouvidos de Goldberg como num baque.
— Não conseguem enxergar?! — O homem gritava. Uma figura alta e corpulenta, com uma pele negra como carvão. — Seus pais e avós se esqueceram da depressão de 29?! Vocês se esqueceram do que aconteceu naquele dia?! Naquela época?!
O homem parecia irritado, não com algo, ou com alguém. Parecia odiar a tudo, e tudo odiava ele de volta. Nenhuma das pessoas que passavam pela rua o olhava com dignidade ou respeito, nem mesmo aqueles dentro do banco — incluindo Samuel.
— Um sistema mantido através da perda e do massacre de minorias. Enquanto um estiver no topo, sempre haverá outros cem o mantendo de pé, suando, ralando, trabalhando além do que seus ossos e almas aguentam! Ganhando nada além de uma miséria! Não veem?! A ignorância e a aceitação os cegaram? — O homem parecia suplicar, implorava para as pessoas ao redor dele que o ouvissem, mas nada. Todos passavam, como se ele mesmo não existisse. Uma feição de frustração, por um breve momento, se formou em seu rosto, mas ele voltou a gritar sua mensagem.
Aos poucos, os telespectadores do homem se dispensaram, fossem os dentro do banco ou as pessoas que passavam na rua. Afastavam-se, murmurando Esse criolo vai dar problema. Ali, de frente para a janela com guarnição feita de bronze, apenas Samuel observava aquele estranho mensageiro. Coçava o queixo e a sua nuca, enquanto olhava para o homem do outro lado da rua, sem esconder a expressão de confusão e indignação.
Ele devia ver a casa de Pascal. Duvido que acharia um sistema que criou aquilo como algo ruim.