Dívida a Quitar Brasileira

Autor(a): The Mask

Revisão: TheMask


Volume 1 – Parte 1

Capítulo 1

Ainda pensava no que Pascal havia dito. 

Como era possível uma transação de crédito ser tão confusa? Tão sem sentido? O cliente pede por uma quantidade grande de dinheiro para tirar férias, no entanto entrega uma garantia cara demais para o empréstimo que pede. E o pior, ele ainda implora para que a cobrança da dívida seja encurtada pela metade. 

O homem está fugindo de alguém? Quer perder a casa de propósito? Quer diminuir os juros da divida? Por Deus, o que este homem quer?

Fariam vinte dias que o senhor Pascal havia aparecido no banco. Não houve mais sinais de vida da parte dele depois que recebeu o dinheiro. 

Por uma curiosidade mais forte, Goldberg resolveu visitar a tal casa que ele ofereceu como garantia. O terreno ficava em um local perfeito da upper east side, e simplesmente não possuía vizinhos há pelo menos um quarteirão. Uma casa perfeita para famílias tradicionais ricas. 

No entanto, ela não estava tão bem cuidada quanto as fotos apontavam. 

Talvez este fosse o real motivo do desejo de entregar esta casa ao banco ao invés de vendê-la. A fachada estava velha e conforme o vento passava por suas frestas, tudo ali rangia. O gramado da frente, morto a tempo demais, estava muito mal cuidado para ser salvo — talvez apenas por um milagre. 

A pintura estava opaca e desbotada, e algumas janelas estavam trincadas, talvez o tempo frio e seco tivesse feito elas racharem, ou alguma criança jogou pedras ali em algum outubro de halloween… Não, isto são apenas desculpas. O banco nunca entregaria uma casa num estado ruim, então não importava. Janelas podem ser restauradas, jardineiros são verdadeiros messias quando se trata de mato, flores e cultivo, e um ranger ou outro numa casa velha é comum. 

Goldberg apenas tentava aliviar a própria confusão, pensando que agora a casa valia menos que o dinheiro que o senhor Pascal ganhou no empréstimo. Foi um mero golpe ao banco. Ele murmurava, como se isto fosse algo bom. 

No entanto, a casa ainda não valia menos que o empréstimo. E ainda existiam itens caros e luxuosos ali dentro. Samuel se aproximou em dado momento das janelas dali e observou partes da casa. Os móveis e quadros estavam cobertos por lençóis brancos, então não podia estimá-los. No entanto, todo o resto estava exposto. 

Algo em especial chamou sua atenção, um belíssimo e rudimentar…

— Posso te ajudar, señor? — Perguntou uma voz um tanto fanha pelas costas de Goldberg. 

O banqueiro apenas se virou, ainda próximo a janela da casa. Viu que um homem falava com ele, o mesmo encarava-o com desconfiança.

— Conhece o dono desta casa? — Perguntou Samuel, não saindo do lugar ou dando grandes atenções ao tal homem. Ele continuava olhando através da janela e para o belíssimo e rudimentar…

— O señor Pascal é dono desta casa, mas ele não vem acá já há um bom tempo. 

“Acá”?

— Quanto tempo?

— Quem é o Señor para estar a fazer preguntas sobre Pascal?

— Sou apenas um banqueiro. — Ele disse, finalmente deixando de olhar pela janela e encarando o homem com a voz fanha. O sujeito era obviamente latino. Sua pele morena e o nariz muito maior que a média já demonstrava sua descendência lationo-americana, além dos olhos grandes, que se destacavam em seu rosto rechonchudo. Cabelos negros e lambidos, a coisa que mais se destacava nele era uma pequena pinta em seu rosto e um escapulário de madeira ao redor de seu pescoço, que caia logo acima de sua pretuberante barriga. — E o senhor é?

— Não debería estar aqui. Pascal não puede vender esta casa a ninguém.

— Ele não me vendeu. Entregou a casa ao banco para quitar um empréstimo e a dias não o vejo para quitar a dívida. A casa será posta para vender se ele não pagar. Pode avisá-lo?

O homem latino ficou em silêncio. Apenas encarava a casa, mais especificamente para sua fachada. Goldberg em dado momento começou a fazer o mesmo. Por mais que ela já não estivesse em um estado primoroso, a estrutura, a fachada, as janelas, as portas, tudo era luxuoso. O homem latino disse:

Pascal manipuló las reglas…

Mas Goldberg não o ouviu, ainda encara a casa.

A casa valia muito mais que trinta mil dólares. O banco não havia, ainda, cotado nenhum dos objetos dentro da casa, mas se tudo lá dentro for parecido com aquele bélissimo e rudimentar…

No veo Pascal há semanas. 

O banqueiro voltou a olhar para o latino, este que o encarava de volta, sem mais a desconfiança de antes. Ele me olha com pena? 

— Quantas semanas? 

No lo sé con certeza… foi talvez a três semanas. Ele parecia agitado, pero feliz.

— Feliz?

Sí… Foi extraño.

— “Extraño”? — Perguntou Goldberg, ele desconhecia aquela palavra. Já lidou algumas vezes com clientes latinos durante seu serviço no banco. Quando eles se agitavam por algo, normalmente começavam a gritar em suas línguas maternas. No entanto, nunca havia ouvido um sotaque tão forte quanto daquele senhor diante dele. 

… Como se… como si había visto demonios. 

Mais uma vez não conseguia compreender as palavras do senhor latino, mas o olhar que ele entregava para a casa, diferente do banqueiro, era algo temeroso. Olhava, não para a beleza da casa, mas para suas rachaduras, suas quebradiças e estilhaços. Encarava-os e seus olhos pareciam ficar opacos. Suas pernas tremiam e, Goldberg notava agora, constantemente ele fazia o sinal da cruz com as mãos, levando seus dedos até a cabeça, os ombros e o coração, e beijando seu escapulário logo em seguida. 

Sua boca se abria em um meio risco, murmurando o que parecia uma reza. Suava por todos os poros, por mais que estivessem próximos ao fim do outono e uma brisa fria de inverno surgisse, que já começava a perturbá-los. 

Até que em dado momento, seus olhos brilharam. Não um brilho saudável e cheio de vida, mas um brilho que parecia sugar as luzes ao redor. O brilho do medo. O homem ainda encarava a casa, mas Goldberg não olhava na direção dela, olhava apenas para aquele senhor e seu olhar. 

Era como se observasse ao fim dos tempos. Seus murmúrios agora eram audíveis e desesperados. Em momento algum de tamanho desespero ele pareceu desviar seu olhar da casa luxuosa, ou se desvencilhar do sacro-objeto em seu pescoço. 

Quando Samuel resolveu olhar na mesma direção que ele, nada viu. No entanto, não deixou de sentir um calafrio atravessar a sua espinha. As folhas secas do outono se remexendo com o vento, os eventuais barulhos da rua, as reclamações de uma vizinhança pacata, tudo ficou silencioso quando repousou sua visão sobre a casa. Ele ainda a achava linda e glamurosa. Bela e cheia de riquezas. Quão bela uma casa como aquela podia ser? Quão magnífica? Sua beleza era capaz de roubar até o brilho do outono, até o brilho no olhar de um homem, até os sons barulhentos de um país desigual e complicado…

Como podia aquele sujeito latino sentir tanto medo de um lugar, de uma casa, de um Palácio, tão belo?

Se virou para perguntar isso para ele, fascinando-se como que enxergando pela primeira vez, mas o homem havia sumido. Via as folhas amassadas no lugar de onde ele estava, via sinais de que de fato, diante de Goldberg, havia existido uma pessoa ali. Mas onde ele estava?

Faziam três semanas que Pascal não visitava aquela casa, e faria outros sete dias que Goldberg havia visitado o lugar e passado por tudo isto. Repousava em sua cama agora, ao lado da esposa e só pensava no quão esquisita e anormal era aquela situação toda. 

No entanto, sua memória ainda fisgava o quão belíssimo e rudimentar era aquele objeto e o quão linda era a casa. 

Só queria entender aonde o homem latino havia ido parar? Desejava compreender como um homem podia temer uma casa tão bela e magnífica como aquela? Ao invés de desejá-la e ânsia-la.

Uma ideia começava a surgir em sua cabeça, uma que talvez incomodasse a sua esposa. 

 



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