Diários de uma Apotecária Japonesa

Tradução: Noelle Tokito

Revisão: Kessel


Volume 1

Capítulo 31: Demissão

— O que vou fazer? — Jinshi fitou o papel tristemente.

— O que você deseja fazer? — perguntou seu taciturno assistente, também olhando para o documento. A situação era suficiente para levar qualquer homem ao desespero. — É uma lista de nomes — observou Gaoshun. — A família de Fengming e seus conhecidos.

Fengming já estava morta, e seu clã e parentes seriam poupados da aniquilação total, mas seus familiares teriam todos os bens confiscados e seriam punidos com mutilações, variando apenas no grau de severidade.

Jinshi podia, ao menos, sentir-se grato por não haver qualquer indício de ordens vindas da concubina Ah-Duo. Fengming seria oficialmente considerada como tendo agido sozinha.

Entre os conhecidos, havia vários clientes que utilizavam os serviços da família. Jinshi sempre acreditara que o clã fosse apenas um grupo simples de apicultores, mas pareciam estar metidos em diversos negócios ilícitos. 

— Oitenta das garotas deles servem no palácio interno — comentou Gaoshun. 

— Oitenta de um total de dois mil. Uma proporção respeitável.

— Eu diria que sim — disse Gaoshun, observando seu mestre franzir o cenho. — Devem ser dispensadas?

— Isso pode ser feito?

— Se assim desejar.

Se ele desejasse. Qualquer ordem que Jinshi desse Gaoshun faria cumprir. Fosse certo ou não. Justo ou não.

Jinshi suspirou, um longo e lento exalar de ar. Reconhecia ao menos um dos nomes na lista de conhecidos: os compradores de uma filha de um apotecário sequestrada.

— O que fazer quanto a isso... — murmurou. Só precisava escolher. Mas temia o modo como ela o olharia, dependendo de sua decisão. Dar a ordem era simples. Mas e se fosse contra o que ela queria?

Maomao via a distância entre eles como a que existia entre um plebeu e um nobre. Não importava quão desagradável fosse a ordem, Jinshi suspeitava que, no fim, ela a aceitaria. Mas via também que isso aumentaria ainda mais o abismo entre eles.

Mas... mandá-la embora? Ele hesitava. Era verdade que ela não estava ali por vontade própria. Ainda assim, poderia ele encerrar seu serviço por mero capricho? E se aquela garota sempre tão perspicaz percebesse?

— Mestre Jinshi — disse Gaoshun, enquanto Jinshi repetia as mesmas perguntas na mente. — Ela não era, afinal, um peão bastante conveniente?

As palavras de seu assistente eram friamente racionais. Jinshi passou a mão pela testa.

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— Uma demissão em massa?

— Sim — respondeu Xiaolan, mastigando um caqui seco. Maomao havia pego alguns caquis do pomar e, discretamente, pendurando-os sob o beiral do Pavilhão de Jade para secar. Se alguém tivesse notado, ela estaria encrencada. E, na verdade, estava: não havia chance de Hongniang deixar de perceber as frutas. Gaoshun chegara no momento exato para salvá-la. Quando Hongniang descobriu que ele gostava bastante de caquis, disse que deixaria passar “só desta vez”, com uma piscadela conspiratória.

— Acho que é tipo... sabe quando às vezes eles mandam matar todo mundo relacionado a um caso desses? Todas as garotas de todas as casas mercantis com quem eles tinham negócios vão ter que sair. Foi o que ouvi dizer.

A explicação de Xiaolan deixava a desejar, mas Maomao assentiu. “Não estou gostando do rumo disso. Tenho um mau pressentimento”, pensou. E seus maus pressentimentos tinham a infeliz tendência de se confirmar.

A família nominal de Maomao era comerciante e, às vezes, envolvia-se em negócios. A família de Fengming era formada por apicultores, então poderia muito bem haver uma ligação entre eles.

“Seria complicado para mim se me demitissem agora”, refletiu Maomao. Além disso, estava começando a gostar de sua vida ali. É verdade que, sem dúvida, ficaria feliz em poder voltar para o Distrito dos Prazeres, mas, assim que chegasse, acabaria nas garras da velha madame, uma mulher que não deixava escapar a menor moeda. Maomao ainda não lhe enviara nenhum cliente desde a visita de Lihaku, fato que certamente não passara despercebido por sua mente calculista.

“Dessa vez, ela vai mesmo começar a me vender.”

Maomao se despediu de Xiaolan e saiu em busca de uma pessoa que, normalmente, não teria o menor interesse em encontrar.

— Que inusitado. E ofegante assim — comentou levemente o deslumbrante eunuco. Eles estavam junto ao portão principal do palácio interno, para onde Maomao só chegara depois de visitar as residências das quatro concubinas favorecidas. Tentou reunir forças para uma resposta mordaz, mas Jinshi disse: — Acalme-se. Você está vermelha. — No rosto de ninfa havia uma sombra de alarme.

— E-eu p-preciso... falar com você — conseguiu dizer Maomao, entre suspiros. Jinshi quase pareceu sorrir e, ainda assim, por algum motivo que ela não pôde adivinhar, havia um toque de melancolia na expressão.

— Muito bem. Vamos falar lá dentro.

Ela sentiu certa pena da chefe das servas (que pela primeira vez em algum tempo) foi obrigada a esperar do lado de fora enquanto Maomao e Jinshi usavam seu escritório. Maomao fez-lhe uma reverência educada ao passar; parecia que a mulher andava extremamente ocupada ultimamente lidando com a partida de Ah-Duo. Quando Maomao entrou, Jinshi já estava sentado em uma cadeira, examinando um pedaço de papel sobre a mesa. — Presumo que queira me perguntar sobre a demissão em massa que está acontecendo.

— Sim, senhor. O que vai acontecer comigo?

Em vez de responder, Jinshi mostrou-lhe o papel. Era de excelente qualidade e, entre os nomes ali, estava o de Maomao.

— Então eu vou ser dispensada.

“O que eu faço?”, pensou. Ela dificilmente poderia insistir para que a mantivessem. Estava dolorosamente ciente de que não passava de uma simples serva. Esforçou-se para manter uma expressão neutra, receosa de que seu rosto deixasse transparecer qualquer traço de bajulação. O resultado, porém, foi que olhou para Jinshi exatamente como sempre fazia: como se estivesse encarando uma lagarta.

— O que você quer fazer? — A voz de Jinshi estava desprovida de seu habitual tom aveludado. Na verdade, ele quase parecia uma criança implorando. Soava exatamente como na noite anterior à partida da concubina Ah-Duo. Ainda assim, seu rosto permanecia imóvel, sério.

— Sou apenas uma serva. Com uma palavra, podem me colocar em trabalhos braçais, na cozinha. Até mesmo provando comida para verificar se há veneno.

Ela apenas dizia a verdade. Se lhe ordenassem algo, faria, desde que estivesse ao seu alcance, e gostava de pensar que faria bem. Não reclamaria, mesmo que tivesse que aceitar uma redução no pagamento. Se isso a mantivesse afastada da necessidade de vender o próprio corpo, faria o que fosse preciso para conseguir alguns novos clientes.

“Então, por favor, só não me mande embora…”

Maomao acreditava ter dito, da forma mais clara possível: deixe-me ficar. Mas a expressão do jovem permaneceu inalterada; ele apenas soltou um breve suspiro, desviando o olhar por um instante mínimo.

— Muito bem — disse. — Vou garantir que receba uma compensação adequada. — A voz do jovem estava fria, e ele abaixou o rosto para o papel sobre a mesa, impedindo-a de ler sua expressão.

A negociação havia fracassado.

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Quantos dias já faziam? Perguntou-se Gaoshun com um suspiro, desde que seu mestre estava reservado e retraído. Não que isso estivesse atrapalhando seu trabalho, mas, ao voltarem para o quarto, ele apenas se sentava em um canto, remoendo pensamentos, e Gaoshun já estava, francamente, começando a se cansar disso. Jinshi lançava uma sombra sobre todo o ambiente. O rapaz do sorriso encantador e da voz cativante não estava mais ali.

Maomao partiu na semana seguinte a receber o aviso oficial de sua dispensa. Nunca havia sido excessivamente calorosa, mas também nunca fora rude, e passara de lugar em lugar no palácio interno para agradecer formalmente a todos os conhecidos e benfeitores.

A concubina Gyokuyou manifestou-se abertamente contra a demissão de Maomao, mas, ao saber que a decisão viera de Jinshi, deixou de insistir. Ainda assim, lançou-lhe uma última provocação: — Não venha chorar para mim se descobrir que se arrependeu disso.

— Tem certeza de que não deveria tê-la impedido, senhor?

— Não diga uma palavra.

Gaoshun cruzou os braços, franzindo o cenho. Uma lembrança do passado lhe veio à mente: quanta confusão houvera quando o jovem perdera seu brinquedo favorito. E quanto Gaoshun havia sofrido para lhe conseguir algo mais novo e ainda mais fascinante.

Talvez não devesse pensar nela como um brinquedo. Talvez Jinshi tivesse decidido não impedi-la justamente como uma forma de se recusar a tratá-la como um objeto. Que sentido teria, então, encontrar outra dama igualmente extraordinária?

Tudo aquilo prenunciava muitos problemas.

— Se nenhum substituto serve, a única solução é recorrer ao original — murmurou Gaoshun, tão baixo que Jinshi não o ouviu. Uma pessoa em particular lhe veio à mente: um oficial militar bem familiarizado com a família da moça. — Um enorme problema, apesar de tudo. — O sofredor Gaoshun coçou a nuca.


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