Desertor do Caos Brasileira

Autor(a): Morrigan


Volume 1

Prólogo

 

 

Em um amplo escritório, as paredes pintadas de um branco pálido pareciam absorver e refletir a luz que entrava pelas janelas do chão ao teto, criando uma aura etérea no ambiente. No centro, uma imponente mesa de madeira escura contrastava com a claridade do espaço. Sobre ela, apenas o essencial: um laptop elegante e alguns papéis organizados.

Um homem de jaleco branco e cabelos pretos bagunçados digitava rapidamente no computador. Seus olhos azuis cansados denunciavam que ele acabara de sair da cama, mas sua postura era impecável. Ele não fazia nenhum ruído no ambiente silencioso.

Não muito longe dele, uma mulher de olhos verdes fascinantes arrumava uma pilha de fichas catalográficas. Com delicadeza, ela caminhou até a mesa do homem e soltou os documentos com um gesto firme, como se quisesse chamar sua atenção. Ela rompeu o silêncio pesado do lugar com uma voz autoritária:

― Lembre-se dos problemas que tivemos ao colocar o chip no número sete.

O homem parou de digitar e virou-se lentamente para olhar a mulher. Ele sorriu com simpatia, como se nada pudesse abalá-lo. Ele esbanjava um estranho carisma que poderia conquistar qualquer um com aquele simples sorriso.

― Fique tranquila. Pelas minhas análises, ele não tem nenhuma capacidade perigosa ou chances de subir na hierarquia. Estamos a salvo nesse aspecto.

A mulher não se convenceu com a resposta e sua expressão arrogante mostrou que ela não pretendia deixar o assunto morrer. Ela folheou as fichas até encontrar uma específica. Com cuidado, ela leu as informações anotadas.

― Eu li a ficha dele e acho melhor pedir o descarte dele.

O homem levantou uma sobrancelha ao ouvir tal pedido, mas sem mudar mais nada em seu rosto, seguiu a conversa: ― Bom, podemos pegar algumas amostras e depois se não conseguirmos colocar o chip de controle nele novamente, fazemos o descarte. Mas o que tem na ficha dele que te deixa tão preocupada sobre ele? O que te intriga tanto nesse arquivo?

A mulher levantou os olhos da ficha e encontrou o olhar curioso do homem. Ela ficou em silêncio por um instante, como se estivesse pensando na melhor forma de explicar suas inquietações. Mary suspirou e decidiu revelar suas descobertas:

― Ele é um mistério. Sua verdadeira identidade é um segredo. Nasceu no Brasil durante a terceira guerra e se destacou por suas habilidades em artes marciais. Participou de missões perigosas e sobreviveu, mesmo com ferimentos sérios. Seu passado depois da guerra é ignorado.

Ela fez uma pequena pausa após a leitura, e com uma tensão palpável em sua voz, deixando claro a importância que tinha para o assunto, seguiu: ― Ele seria um espécime complicado com certeza.

― Você tem ideia de qual foi a origem das informações para o aprimoramento humano, o nosso marco 0? ― ele indagou com um tom de insinuação.

Os olhos de Mary se esbugalharam em surpresa, enquanto o impacto das informações começava a se instalar em sua mente. Ela tentava assimilar a ideia de que a origem das informações que moldaram o aprimoramento humano, o tão famoso “marco 0”, estava ligada à figura enigmática da ficha em suas mãos.

― Não me diga que foi ele, por isso que ele não nos deixava mexer com ele? ― exclamou com os olhos arregalados em surpresa enquanto examinava atentamente a ficha em suas mãos.

― Bem… digamos que ele era alguém próximo, além disso, eu tinha outros compromissos com ele ― disse ele, olhando os documentos intrigadamente, como se estivesse mergulhado em questionamentos.

Ele sabia que seus compromissos com aquele indivíduo eram mais complexos do que pareciam. Um redemoinho de pensamentos o envolvia, enquanto ele se afundava em dúvidas.

Um sorriso sarcástico surgiu em seus lábios, sua voz carregada de ironia ao falar: ― Acredito que minha escolha para conseguir a chave da alma não foi errada.

Ao estranhar as palavras de David, ela o interrogou com um olhar curioso: ― Era o nome antigo para chave de Darwin?

Ele olhou para ela com uma expressão de contentamento no canto dos lábios, como se a pergunta o tivesse divertido, mas nada disse.

― Bem, de qualquer forma, acho que descartar ele ainda é o melhor, já que o chip está falhando ― continuou ela.

Nesse momento, a porta do escritório se abriu, mostrando a presença imponente de um homem de pele negra, cabeça raspada e uma farda verde-musgo, enfeitada com uma profusão de medalhas no peito.

 ― Doutora, me parece que essa decisão não está sob sua jurisdição ― disse o homem de forma ríspida.

Dois homens o acompanhavam, como suas escoltas, vestindo a mesma farda. Seu olhar opressivo se fixou em uma Mary de cara azeda que parecia não ter gostado nada da intromissão.

― Bem-vindo coronel, vejo que escutou nossa conversa e já sabe das boas notícias! ― disse David tomando as rédeas da conversa animadamente.

― Sim, e tive o desprazer de escutar que considerou descartar propriedade do governo, sem nos consultar sobre o assunto, devo te lembrar quem está acima de quem na hierarquia?

O coronel demonstrava uma certa antipatia para aquele homem que demonstrava tanta alegria em sua frente, e parecia ter até mesmo um certo desprezo a sua persona.

― Hahaha, coronel se acalme, ninguém no laboratório jamais questionaria a autoridade do senhor, e principalmente dos nossos mestres, ou devo dizer dos “humanos” no governo? ― frisou David com certo deboche em seu tom, ao mencionar os homens no governo.

“O que esperar de alguém que apesar de ser filho de um conselheiro do governo vive sendo piada pelas suas loucuras ideológicas que volta e meia ele desencadeia.” pensou o coronel com escárnio de sua audácia, pois acreditava que não passava de um moleque mimado e inconsequente.

― Não perderei meu tempo discutindo com você, David, me leve até eles ― ordenou sem mais paciência para aquele embate que não os levaria a nada.

David, com um leve arco no canto dos lábios, se levantou, e caminhou a frente do grupo.

Enquanto adentravam um corredor sombrio e lúgubre, ecoavam sussurros angustiantes e soluços abafados, emanando das dezenas de portas que se fundiam às paredes como uma sinistra fusão àquele ambiente, que parecia ter saído diretamente de um dos sete infernos de Dante.

O coronel, que não conseguia ignorar os sons horrendos durante a caminhada, olhou com desgosto para David, sentido nojo daquele lugar que parecia mais um local para tortura e abate.

― Quem são esses nessas celas? E por que não isolaram o som dos quartos? Acredito que com o financiamento dado a vocês, isso não seria difícil.

― São as cobaias falhas, mantidas como objetos de estudo ― respondeu, sem deixar transparecer qualquer emoção em sua voz, deixando claro que estava habituado ao ambiente que os cercava e não se importava com os constantes lamentos.

― Saiba que você tem apenas o poder de fiscalizar, não de comandar. Não se iluda achando que somos do seu grupamento militar, onde pode mandar e desmandar como faz com seus soldados ― disse Mary, aproximando-se do coronel.

O sorriso de deboche que adornava seus lábios deixava claro a intenção de afrontar o homem de pele negra, e como não respeitava sua autoridade naquele ambiente.

O coronel, por sua vez, sustentava uma postura rígida e imponente, uma figura de autoridade em sua essência. Seu semblante, usualmente firme, agora estava endurecido pela tensão que a troca de palavras havia incitado. A mera audácia das palavras lançadas em sua face parecia ter tocado um nervo sensível, e os olhos que antes eram gélidos agora derretiam com uma fúria reprimida.

― Senhorita, parece que você não compreende sua posição aqui ― disse o coronel enquanto a encarava com desdém.

            ― Talvez seja o senhor que não entenda, coronel. Mas não posso culpá-lo por sua ignorância ― retrucou com sua voz carregada de desafio.

O coronel apertou os punhos com raiva, seus olhos faiscando de ira. Ele se aproximou de Mary, encarando-a com firmeza, fazendo com que ela recuasse um passo instintivamente.

― Cuidado com suas palavras, senhorita. Não pense que seu passado é um mistério para mim. Eu conheço cada detalhe obscuro, cada segredo que você tenta esconder. Você não é tão esperta quanto pensa, e ter perdido sua licença não parece ter sido o suficiente doutora ― sua voz soou ameaçadora, deixando claro que ele tinha informações comprometedoras em suas mãos.

Mary engoliu em seco, sentindo o ar de confiança escapar de seus pulmões. Ela ficou em choque ao descobrir que ele detinha o conhecimento sobre o seu passado, e poderia facilmente destruir a nova vida que conquistou.

― David, o que significa isso, foi-me prometido sigilo absoluto em relação à identidade dos envolvidos no projeto. Você era a única pessoa com acesso a essa informação. Não deveria existir uma bibliografia minha disponível para ele. Por favor, me diga que isso é algum tipo de engano… ― ela disse, sua voz carregada de cuidado e medo.

David olhou para Mary com apatia, sem qualquer sinal de preocupação, antes de direcionar sua atenção ao coronel. Ele coçou a cabeça e soltou um suspiro, enquanto um arco discreto se formava em seus lábios.

― Ufa, então, a limpeza já está em andamento, não é, coronel?

O coronel ficou momentaneamente em silêncio, processando as palavras de David. Seus olhos se estreitaram e uma expressão de surpresa atravessou seu rosto: ― Seu pai realmente acreditava que tinha algum apreço por ela.

David não conseguiu conter o riso, deixando escapar uma risada cínica: ― Meu pai só pode estar brincando. Não aprecio nada além de mim mesmo. Ela é apenas mais uma funcionária, e pode se tornar um risco, alguém que vaze informações sobre este projeto no futuro. Simplesmente faça logo.

Mary olhou para David, perplexa, sem compreender o que ele estava dizendo. Antes que pudesse reagir, o coronel acenou discretamente para um dos homens que o acompanhavam.

― David, o que está acontecendo? Eu não estou entendendo…  

― BANG!

Suas palavras foram interrompidas por um estrondo seco e agudo, que ecoou pelo ambiente mórbido, silenciando momentaneamente os homens que estavam por detrás das portas.

A mulher caiu no chão, imóvel, um pequeno orifício na testa testemunhando a violência do ataque. Seus olhos permaneceram abertos, revelando a confusão que dominou seu rosto antes de partir. O corpo inerte no chão não despertou nenhuma emoção em David; seu olhar permaneceu indiferente, como se aquela morte não tivesse significado algum.

Ele continuou a liderar o caminho sem demonstrar nenhum de resquício de emoção, conduzindo-os até uma imponente porta de metal. Desativou o sistema de segurança que pareciam utilizar sua retina como uma forma de senha, e adentraram a um amplo salão repleto de tanques vazios, numerados de zero a cinquenta.

No centro, homens nus com corpos bem construídos, estavam salpicados de sangue, carregando corpos como meros sacos de cimento, e os amontoando um em cima do outro sem nenhuma cautela.

Com um sorriso de satisfação, orgulhosamente apresentou aqueles indivíduos: ― Estes são os summas, fruto desta grande empreitada, não só possuem um poder inquestionável, como também são muito obedientes, como pode ver, antes de sair desta ala, deixei a ordem para que matassem todos os pesquisadores que aqui se encontravam e completaram sem problemas.

O coronel e os homens atrás dele, olhavam para os summas, como se quisessem analisar eles ao máximo. David, percebendo isso, decidiu fazer uma demonstração ao coronel.

― Número vinte e cinco, se apresente!

Logo um homem se destacou indo à frente do grupo, e esperou novas ordens. Ele recebeu uma bola de metal maciço e aguardou novas informações, como um robô que só sabia fazer aquilo para o qual foi programado.

― Destrua!

Sem qualquer expressão facial, o homem apertou a bola em sua mão, reduzindo-a a uma massa compacta com assustadora facilidade. O vermelho profundo tingiu sua palma, emanando um calor intenso. Em questão de instantes, sua mão ficou vazia, enquanto o metal derretido formava uma pequena poça no chão à sua frente.

O coronel, que olhava com grande interesse no início da apresentação, logo se tornou surpreso e cauteloso, olhando ao redor, ele focou no tanque que tinha o número sete entalhado nele, era o único tanque que ainda tinha uma pessoa dentro.

― Não aconselho. Ele de alguma forma rejeita o chip, é considerado uma cobaia falha. Comparado aos demais, é bem mais fraco. Seria melhor descartá-lo. Não é sábio manter um cão sem coleira ― disse David, mexendo freneticamente no crachá em seu pescoço, deixando claro sua ansiedade.

O coronel, enquanto olhava para o tanque, puxou um rádio comunicador e começou a discutir algo em outro idioma. Após algum tempo, o coronel guardou o rádio e direcionou seus olhos para David.

― O conselho não quer desperdiçar recursos, portanto, foi ordenado que administre a droga berserk nele, que utilizarão ele da melhor forma.

David sentiu um baque no peito ao ouvir aquelas palavras. Não podia acreditar que tinham tomado aquela decisão sem consultá-lo. Ele se afastou dos outros e caminhou até o tanque, onde viu seu reflexo distorcido na água. Seu rosto estava pálido e tenso, seus olhos brilhavam com uma mistura de raiva e medo. Ele sabia que tinha que agir rápido, mas não sabia o que fazer.

― Se houver algum problema com ele, não me responsabilizo por isso ― disse com um sorriso dissimulado, enquanto caminhava em direção ao computador ligado ao tanque número sete e digitava alguns comandos. O coronel não percebia a malícia por trás de suas palavras.

As pálpebras da pessoa no tanque, tremeram um pouco, enquanto o status geral do indivíduo no computador mudou, e começou a dar erro por um momento, mas logo voltou ao normal.

― Como pretendem utilizar ele?

― Digamos que ele voltará aos tempos de caos.

O homem no tanque abriu seus olhos neste momento e aquele mundo escureceu.

Em uma carruagem simples que passava por uma estrada de terra batida a caminho do grande reino de Elion, estava sendo puxada por dois cavalos pretos, aparentavam estar cansados da viagem.

Sentado no topo da carruagem, um velho cocheiro de manto escuro a guiava em meio a profunda escuridão, na carruagem, deitado desleixadamente, um homem chamado Daniel Umbra, de cabelos pretos e olhos verdes, babava enquanto dormia, e em seu colo, uma criança que não aparentava ter nem 2 anos, descansava.

― Senhor, chegamos a Shakil, logo estaremos na mansão da família Umbra.

Daniel despertou com o som de uma voz chamando seu nome. Ele se levantou com dificuldade, sentindo a saliva seca em seu rosto. Ele olhou pela janela da carruagem e viu os primeiros raios de sol iluminando a cidade de Shakil. Era uma cidade encantada, cercada por uma floresta exuberante, como se fosse parte dela desde sempre. Daniel esfregou os olhos sonolentos e admirou a beleza da paisagem.

“Aquilo foi um sonho ou algo mais?” pensou, enquanto voltou seu olhar confuso para a criança em seu colo.

“Porque sinto que está relacionado a essa criança? Bem, posso pensar melhor nisso depois, ainda tenho que arrumar uma desculpa por trazer ele comigo.” Sua expressão suavizou, sentindo pena dela e suspirou com pesar, mas logo escutou a voz do cocheiro.

― Senhor, chegamos à residência dos Umbras.

Daniel olhou pela janela, a magnífica construção que se estendida em meio a floresta, com muros negros e imponentes, parecia impenetrável. Logo na entrada, havia dois homens esperando a carruagem.

― Parece que chegou a hora, espero não ter muitos problemas.

 

 


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Chegamos ao final deste capítulo emocionante! Espero que tenha desfrutado desta jornada tanto quanto eu. Se você gostou do que leu ou se tiver alguma sugestão para melhorar a história, por favor, compartilhe seus pensamentos nos comentários abaixo. Seus feedbacks são fundamentais para me ajudar a criar uma narrativa mais envolvente e personagens memoráveis.

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