Desertor do Caos Brasileira

Autor(a): Morrigan


Volume 1

Capítulo 21: Contraste familiar

 

Em um quarto mal iluminado, usado pelos ferreiros da família Viribus, o calor escaldante faria qualquer um parecer um picolé derretendo.

As paredes de pedra, enegrecidas pela fuligem, absorviam o calor do forno central como uma esponja. A luz fraca das tochas dançava nas paredes, criando sombras que pareciam ganhar vida própria.

No centro da sala, o jovem ferreiro Draco, com a testa coberta de suor, martelava uma lâmina recém-forjada.

Pah! Pah!

Cada batida do martelo era como uma sinfonia para ele, moldando o metal com uma precisão quase artística.

Apesar do calor sufocante, ele mantinha o foco de seus olhos verdes esmeralda, lembrando-se das palavras de sua tia, sobre a importância da forja não só como uma arte, mas como uma extensão de si mesmo.

A lembrança de sua mestra, uma mulher de pele negra, robusta, de cabelos cacheados e braços que mais pareciam troncos de árvores, o instruindo cuidadosamente, era clara em sua mente.

Ele agora compreendia as palavras dela. Sabia que cada arma que criava era um reflexo de seu espírito, cada lâmina contava uma história, cada martelada era um capítulo de sua jornada.

Subitamente, a porta do quarto se abriu e um homem alto e magro entrou.

Era Cedric, o mensageiro da família, conhecido por sua habilidade de se mover rapidamente, entregando as mensagens dos chefes da família.

― Draco ― disse ele com urgência ― O senhor Júlio o chamou em seu escritório.

Draco assentiu, sabendo a importância do pedido. Seu pai era o atual líder da família, e sempre foi um homem de poucas palavras para ele, o fazendo sempre buscar ser um orgulho a ser notado.

Ele pegou o pedaço de aço especial, que estava trabalhando o dia inteiro.

Este metal tinha sido infundido com uma mistura alquímica, criada por ele, dando uma grande capacidade de reter energia primordial.

Enquanto trabalhava o metal, Draco se perdeu no ritmo de seu ofício, cada golpe uma meditação, cada faísca uma dança de fogo.

Algum tempo depois, quando a lâmina estava finalmente pronta, ela brilhava com uma luz verde própria, um reflexo do esforço e da paixão que Draco havia dedicado a ela.

A lâmina era equilibrada, afiada e adornada com intricados desenhos que traziam um elegância nobre a arma.

Draco, olhando para a espada recém-forjada em suas mãos, sentia uma mistura de orgulho e ansiedade.

A lâmina, com seu brilho verde único, não era apenas um testemunho de sua habilidade como ferreiro, mas também um símbolo de sua busca por reconhecimento.

Ele sabia que apresentar tal obra ao seu pai, o senhor Júlio, seria um momento crucial.

Limpando o suor da testa, ele colocou a espada cuidadosamente em um suporte de couro, preparando-se para o encontro com seu pai. Sua mente estava repleta de pensamentos e questionamentos.

O que seu pai, um homem de natureza reservada e exigente, pensaria de seu trabalho? Seria este o momento em que Draco finalmente ganharia o reconhecimento que tanto desejava?

Caminhando pelos corredores da mansão Viribus, cada passo de Draco ecoava com uma mistura de determinação e incerteza.

Ao chegar ao escritório de seu pai, ele respirou fundo antes de bater na porta maciça de carvalho.

― Entre ― veio a voz grave de seu pai de dentro do escritório.

Draco entrou, segurando a espada com uma mão firme. O escritório era espaçoso e elegantemente decorado, com estantes repletas de livros e pergaminhos.

Seu pai, sentado atrás de uma grande escrivaninha de mogno, olhou para ele com um olhar penetrante.

― Pai, eu... ― Draco começou, pronto para apresentar seu presente, mas foi interrompido.

― Tenho um trabalho para você ― seu pai falou em tom de ordem, ignorando totalmente as ações dele.

O jovem de olhos esmeralda, abaixando a cabeça relutante, buscou forças para estender as mãos de forma que não pudessem ignorar seu presente.

 ― Antes, poderia olhar o que fiz para o senhor?

Júlio pegou a espada, examinando-a com olhos críticos. Ele passou os dedos sobre os desenhos intricados, sentindo a energia que emanava dela.

 ― É nisso que vem perdendo seu tempo, quando já disse para se fortalecer marcialmente? ― O homem demonstrava em seu semblante um claro desgosto.

Draco, surpreso e desanimado com a reação do pai, sentiu um peso em seu peito. Ele tinha esperado orgulho, talvez até uma palavra de aprovação, mas em vez disso, enfrentava desdém.

A espada, que ele considerava um reflexo de sua alma e habilidade, parecia nada mais do que um objeto trivial aos olhos de Júlio.

― Eu entendo a importância do treinamento marcial, pai, mas acredito que minhas habilidades como ferreiro também são uma forma de força ― Draco falou, tentando defender sua paixão e habilidade.

Júlio, olhando para a espada com um olhar distante, suspirou profundamente.

― Draco, você é parte do nosso futuro. Nossa família sempre foi conhecida por suas forjas, mas você precisa entender que a habilidade na arte da guerra é o que manterá nossa família em posição de poder.

A frustração e a decepção eram palpáveis no ar.

O jovem sabia que não poderia mudar a percepção de seu pai de uma hora para outra, mas ele também não podia ignorar a chama que queimava dentro dele.

Uma chama alimentada pelo calor da forja e pela beleza da criação com alquimia.

Agora, sobre o trabalho que tenho para você. ― Júlio mudou de assunto, voltando à sua postura de liderança.

Draco, embora desapontado com a falta de apoio do pai, assentiu, preparado para ouvir a tarefa que lhe seria atribuída.

Pois sempre se esforçava para ser um objeto de orgulho e amor para ele.

 ― Vou colocá-lo em um intenso treinamento, já até preparei seu corpo de professores ― disse o líder da família, sem emoção em sua voz, claramente uma ordem que não poderia ser contrariada.

 ― O que? Porque?

 ― Você vai participar do torneio dos reinos.

Draco sentiu uma mistura de surpresa e apreensão ao ouvir as palavras de seu pai.

O torneio dos reinos não era apenas uma competição de habilidades marciais, mas também um palco onde as dinâmicas de poder e a influência das famílias eram exibidas e testadas.

Participar deste evento significava entrar em um mundo completamente diferente, um que exigiria muito mais do que apenas a habilidade de forjar uma espada.

― O torneio dos reinos? Mas pai, minha força está na forja, não no campo de batalha ― protestou Draco, a voz cheia de incerteza.

Júlio levantou-se da cadeira, aproximando-se de Draco. Seu olhar era firme, transbordando de uma expectativa implacável.

― Você é um Viribus. Temos o sangue de guerreiros correndo em nossas veias também. Este torneio é a oportunidade perfeita para você mostrar seu valor, não apenas como ferreiro, mas como o futuro desta família.

A pressão das palavras de Júlio pesava sobre Draco como uma armadura de chumbo.

Ele sabia que recusar não era uma opção, mas a ideia de lutar, de provar sua força em uma arena tão prestigiosa, era aterrorizante.

― Entendo, pai. Farei o que for necessário ― disse ele, forçando uma determinação que ainda não sentia.

Júlio assentiu, satisfeito. ― Ótimo. Amanhã você começa seu treinamento. Esteja preparado, Draco. Isto é mais do que uma competição; é uma chance de fortalecer nosso nome e nossa posição.

Draco saiu do escritório de seu pai com pensamentos atormentados.

A espada que ele tão carinhosamente forjara parecia agora um lembrete de um sonho distante, um sonho onde ele poderia encontrar glória na criação, não na destruição.

Ao retornar à forja, Draco colocou a espada de volta em seu lugar. Ele olhou para o metal brilhante, para o desenho que contava a história de sua paixão e habilidade. “Talvez um dia,” ele pensou, “minhas criações e minha força possam coexistir em harmonia”.

Com esse pensamento, ele se preparou para o que viria. O treinamento para o torneio seria rigoroso, mas Draco estava determinado a enfrentar esse desafio.

Não apenas para provar seu valor para seu pai, mas para encontrar seu próprio caminho, forjando uma identidade que fosse verdadeira para si mesmo, tanto como guerreiro quanto como ferreiro.

(...)

A carruagem balançava suavemente enquanto se aproximava do castelo Umbra.

Dentro dela, Arthur, envolto em seus pensamentos, mal notava o ronco profundo de seu tio Daniel, que dormia pesadamente em seu colo.

Ao seu lado, Sebastian, o mordomo, mantinha-se vigilante, seus olhos percorrendo os arredores com uma atenção inabalável.

Arthur olhava pela janela, observando as sombras das árvores passarem rapidamente. O retorno ao castelo de sua família trazia uma mistura de alívio e ansiedade.

Ele pensava nos desafios que enfrentara e naqueles que ainda estavam por vir. O conforto de estar perto de sua família era acompanhado pela incerteza do futuro.

Quando a carruagem finalmente cruzou o portão do castelo, Arthur sentiu um peso se levantar de seus ombros.

Estava em casa, um lugar de força e segurança. Sebastian foi o primeiro a sair, examinando o entorno antes de ajudar Daniel a descer. Arthur seguiu, esticando as pernas após a longa viagem.

"Parece que pouco mudou desde que parti," pensou Arthur ao caminhar pelo pátio do castelo. As torres altas, as bandeiras tremulando ao vento, tudo era tão familiar e, ao mesmo tempo, parecia tão distante.

Sebastian, sempre um passo atrás, acompanhava silenciosamente. Arthur sentia-se grato pela presença do mordomo.

Era mais do que um empregado da família; era um protetor, alguém que Arthur sempre respeitou e admirou.

Ao entrarem no castelo, os ecos dos seus passos nos corredores de pedra remetiam Arthur às memórias de sua infância.

Ele lembrava-se dos dias correndo por aqueles mesmos corredores, cheio de sonhos e aventuras imaginárias.

Chegando à sala principal, Daniel, ainda meio sonolento, agradeceu a Sebastian por sua vigilância.

Arthur observava a troca silenciosa de respeito entre os dois. Sentia-se parte de algo maior, uma linhagem que o precedia e que ele carregava consigo.

"Estou de volta," pensou Arthur, "mas não sou mais o mesmo que partiu." A jornada até ali tinha sido transformadora.

Enquanto caminhava pelos corredores do castelo Umbra, uma onda de emoções invadia a mente de Arthur. A lembrança do calor materno, algo que ele sentira falta durante sua jornada, preenchia seu coração com uma saudade quase tangível.

Ele ansiava por aquele conforto familiar, aquele abraço que sempre parecia aliviar todos os pesos do mundo.

Ao se aproximar da sala onde sua mãe costumava passar a maior parte do tempo, Arthur sentiu seu coração acelerar.

Ele podia quase ouvir a risada dela, sentir o aroma do chá que ela sempre preparava. Cada passo o aproximava mais daquela sensação de segurança e amor incondicional.

Finalmente, ao abrir a porta, Arthur viu sua mãe. Ela estava sentada, lendo um livro ao lado da lareira.

O fogo dançava, lançando um brilho suave em seu rosto, destacando seus traços gentis e o sorriso que se formava ao levantar os olhos e ver seu filho.

― Arthur! ― exclamou ela, seu rosto iluminando-se com um sorriso radiante.

Levantando-se rapidamente, ela correu ao encontro de Arthur, envolvendo-o em um abraço que parecia fundir o tempo e o espaço.

Naquele momento, todos os desafios, as lutas e as incertezas que Arthur enfrentara desapareceram, substituídos pelo calor maternal que tanto lhe fizera falta.

Lágrimas de alívio e felicidade brotaram dos olhos de Arthur. Ele se permitiu ser aquele menino novamente, aquele que encontrava refúgio nos braços de sua mãe.

― Eu senti tanto sua falta, mãe ― murmurou ele, sua voz embargada pela emoção.

― Meu querido, você está em casa agora ― respondeu ela, acariciando os cabelos dele.

 ― Oi maninha, não mereço um abraço também? ― disse Daniel, abrindo os braços como se quisesse a mesma recepção calorosa.

Assim que Daniel entrou com um sorriso triunfante, pronto para receber o calor da família, foi recebido por uma expressão de reprovação severa da mulher.

― Daniel, sempre se arrastando como um bêbado irresponsável! Onde esteve enquanto seu sobrinho estava em perigo?

Daniel, pego de surpresa pela recepção nada calorosa, tropeçou em suas palavras.

― Bem, você sabe, irmã, estava em meio a uma missão imprevista e demorei para tomar conhecimento... ― ele tentou explicar, mas foi interrompido.

Ela se aproximou rapidamente dele, batendo no peito de Daniel com um dedo acusador.

― Imprevistos? Isso é tudo o que você tem a dizer? Arthur poderia ter se machucado seriamente!

Arthur, em pé ao lado, achou engraçado a situação, assistindo ao confronto comum entre irmãos. Por um momento, parecia que tinha voltado no tempo.

― Agora, escute aqui, Daniel ― ela continuou, sua voz firme e autoritária. ― Precisa começar a agir com mais responsabilidade. Não é só sobre aventuras e diversão.

Arthur observava a cena, sorrindo apesar da tensão. Sua mãe então se voltou para ele, sua expressão carregada de preocupação.

— E essa história do torneio? Por que você está se envolvendo nisso?

Antes que Arthur pudesse responder, Daniel tentou intervir. — Ele é capaz...

— E você, Daniel, em vez de protegê-lo, o encoraja a participar desse torneio absurdo! — interrompeu Jasmine.

— Foi necessário... — Arthur tentou explicar, mas foi interrompido.

Você é um Umbra, não um lutador de exibições! — Jasmine repreendeu. — Eu não vou permitir que arrisque sua vida por capricho!

Daniel tentou intervir novamente, mas Jasmine o surpreendeu com um soco. Ele tropeçou para trás, quase caindo. — Isso é para aprender a ser responsável, e resolver as coisas de uma vez.

Arthur, chocado, apenas olhava.

— Arthur, vá tomar um banho e prepare-se. Eu mesma vou treiná-lo.

 

 



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