Demon And Human Brasileira

Autor(a): The_Mask

Revisão: Hide


Volume 2

Capítulo 34: Ameaça

O silêncio daquele ambiente era palpável e amedrontador, sendo os únicos sons audíveis o estalar das chamas azuis sobre os braços e rosto de Arnok e da carne sendo inflamada. A surpresa e o choque pesavam sobre os ombros de todos os presentes, e o asa negra se levantava agora que a luta havia finalmente acabado. 

No entanto, suas chamas ainda não haviam se apagado. Ele, em meio às dores do próprio corpo, sensação vinda das queimaduras que causou a si mesmo, ainda via caído no chão o primeiro homem que matou. Maike ria de uma forma estridente e deformada, inumana. Seu rosto estava queimado como da vez que havia sido morto, mas seus olhos se abriram de uma forma insana, com suas pupilas extremamente vidradas e brilhantes. Nenhum de seus músculos se moveu, no entanto, Arnok ainda ouvia a tal risada. 

Fraco! Ainda estou vivo! 

Ele gritou no fundo da mente do asa negra, e ele reagiu com toda a raiva que havia guardada dentro de si. Concentrou todas as chamas que o rodeavam em um único braço e a lançou de maneira descontrolada.

Os presentes na arena enxergavam um lutador que já havia vencido de maneira violenta e bestial, indo contra as regras e usando magia, transformar e carbonizar ainda mais o que era apenas um cadáver. Os poucos presentes que antes haviam aproveitado aquilo tudo como um grande show, agora temiam pelas próprias vidas. Um grande número de telespectadores e apostadores, os sensatos ao menos, começaram a correr em direção a porta de saída. Gritavam e se agitavam de maneira desgovernada, enquanto as chamas de Arnok ainda lambiam o rosto e corpo do cadáver. 

Estou começando a sentir algum calor, peninha!

E a risada continuava, misturada ao incessante som do fogo, Arnok não ouvia nada além disso. Tudo ardia e queimava, era doloroso manter aquela coluna azul flamejante, seu braço sendo carbonizado cada vez mais, no entanto ele se recusava a abaixá-la enquanto ouvisse a voz daquele humano. 

Um gosto ruim se acumulava em sua boca, como se engolisse cinzas e as misturasse com óleo. A saliva desaparecia e seu peito doía como se estivesse sendo pisoteado. O asa negra já havia sentido algo semelhante antes, em dias que havia lutado e perdido o controle. Em momentos onde nada além da vitória importava. Estava se cansando. 

Ainda assim, suas chamas não cessaram. Até o momento onde foi obrigado a apagá-las. 

Uma voz gritava seu nome, de maneira distante e enfraquecida, sobreposta por todas as sensações incômodas e pela voz esganiçada de Maike. Ela repetiu várias vezes, até que em dado momento apenas agarrou o braço do asa negra, justamente aquele que expelia a gigantesca coluna azul de fogo. 

Viu então, cara a cara, o rosto daquele que tentava parar aquele momento de insanidade. Seus chifres brilhavam de maneira azulada pela claridade das chamas e sua enorme toga negra como uma sombra, agora queimava em várias partes. 

— JÁ CHEGA, ARNOK! — Gritou Hiotum, e o susto de ver seu mestre ali, fez as chamas cessarem de imediato. 

— Hiotum…? — Apenas murmurou, e logo em sequência foi abraçado por seu mestre. Era um aperto forte, como se fosse uma censura pelo que havia acabado de acontecer, mas também era confortável e ele disse em seguida que estava feliz por Arnok estar bem. — Como você…

— Não importa. — Hiotum retrucou, desvencilhando do abraço e encarando seu discípulo nos olhos. — Vamos apenas embora daqui, está bem? 

E assim ele o fez, segurando Arnok pelos ombros e o guiando até a saída. Ele não foi contra isto em momento algum. Já não havia pessoas pelos corredores, pois todos haviam corrido, temendo por suas vidas. Parecia restar apenas eles dois ali, enquanto caminhavam pelo longo corredor de saída, até o instante em que colocaram os pés para o lado de fora da casa de apostas. 

Um humano de pele negra encarava eles dois, apoiado em sua bengala reluzente de mogno. Outros dois homens estavam em seu encalço, muito mais altos que ele e, obviamente, muito mais fortes. 

— E para onde está indo, Arnok? — Perguntou Serra, se aproximando com aqueles dois capangas.

Antes que pudesse dizer qualquer coisa, Hiotum se intrometeu. Ficando entre o humano e o seu discípulo. Seu mestre não era mais alto que Arnok, já fazia muito tempo. O homem envelheceu, e sua altura se foi muito antes do asa negra ter surgido em sua vida, e agora que ele era um adulto, e um homem plenamente formado, era estranho vê-lo daquela forma.  

Ainda assim, ele portava como se fosse superior até mesmo as casas presentes ao redor deles. Como se pudesse trazer o céu para si, ao invés de tocá-lo. 

— Meu discípulo não se dirige a você, Serra. 

Houve um instante de silêncio entre ambos, onde se encararam com tanta força que pareciam lutar entre si, apenas com o olhar. 

— E eu deveria te conhecer? 

— Não finja presunção e arrogância comigo homenzinho. Eu já liderava exércitos antes mesmo de seus pais nascerem. É um criminoso, e eu nunca deveria ter deixado chegar sequer perto de Arnok. 

— Mas deixou… — Ele retrucou, dando mais um passo. Hiotum não era muito mais alto que ele, ainda assim, ambos pareciam disputar por um lugar de direito que era muito mais distante dali. — E agora ele é um lutador da minha arena. Por escolha própria. E o rapaz me deve dinheiro pelo que fez hoje, por usar magia!

Arnok sentia suas mãos tremerem por dezenas de razões. A dor acumulada em seu corpo parecia fazer com que tudo girasse e ficasse mais escuro, e ouvir Serra dizer aquilo finalmente fazia cair a ficha do que havia acabado de ocorrer. Ainda podia ouvir Maike nas profundezas de sua mente, e de pouco em pouco, rangia os dentes com cada vez mais força. 

No entanto, mais uma vez seu mestre o surpreendeu. Ouvi num primeiro instante um tilintar alto e bem distinto, logo seguido por um baque leve, que também tilintou. Arnok olhou para frente e viu que seu mestre jogou diante de Serra uma bolsa de couro, recheada de moedas de ouro. Centenas delas.

— Imagino que isto seja o suficiente para acabar com esta discussão. — Hiotum disse. Ambos os capangas, e o próprio Arnok, encaravam todo aquele dinheiro no chão. No entanto, nem Serra e nem o próprio Hiotum pareciam dar tanta importância para aquele montante. 

— Posso ganhar todo este dinheiro com apenas uma noite de luta do Arnok. — Disse Serra, e o asa negra não sabia disso. Talvez fosse um blefe, mas ele de fato nunca havia visto a quantidade de dinheiro que suas lutas traziam. Apenas ouvia de Serra que não havia sido lucrativo. — Não pense que isto é o suficiente. 

— Será o suficiente pois eu digo que é. — Respondeu Hiotum de forma grave. — Aceite isso, ou nunca mais verá qualquer dinheiro em sua vida, humano. 

Não era uma simples ameaça. Havia algo além ali. Ouvir de um homem mais forte que você que ele iria te bater é algo comum e definitivamente entrega alguma apreensão a outra pessoa. No entanto, uma ameaça era apenas isto. Medo de algo que pode acontecer. Que depende da coragem e iniciativa da outra pessoa, e ela talvez não tivesse todo o poder para tal.

Ouvir o próprio Hiotum dizer isto, antigo braço direito do rei demônio, o segundo Ancião mais velho da mesa do conselho. Aquele que lutou na Batalha da Poeira e venceu mais de quinze batalhões humanos, e que lutou de igual para igual contra o cavaleiro rubro — Ninguém sabia o que aconteceu nesta luta, mas muitos teorizam que ele venceu. — Feitos demais para se listar, todos em demasiado número que faziam com que uma ameaça dita por um Hiotum não fosse um simples medo de algo que pode acontecer. Mas sim de algo vai acontecer. 

Talvez não houvesse homem vivo nesta terra capaz de cumprir com tudo que já havia prometido ou ameçado.

Com tudo isso pesando sobre tal decisão, Serra abriu o caminho de Hiotum e dispensou seus homens. Eles apenas viram a dupla passar, enquanto Arnok a cada passo aparentava estar cada vez mais fraco.

— Ninguém nunca me deve nada Arnok. — Serra gritou, de costas para o dinheiro do Ancião. — Tenha certeza de que irei cobrar de você tudo isto. 

Eles ambos viraram uma esquina, e logo não podiam mais ser vistos.



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