Demon And Human Brasileira

Autor(a): The_Mask

Revisão: Melão


Volume 1

Capítulo 6: Cidade neutra

Hiotum dormia com um sorriso no rosto. Tivera ótimos sonhos noite passada. 

Sonhou que havia se tornado o demônio mais forte em meio aos anciões e que todos os outros 11 anciões haviam morrido de velhice ou num conflito na guerra. Ele sorria na frente de seus túmulos.

“Quero ver vocês rirem do Morpheus, enterrados aí embaixo.” Deu uma longa risada. Até que, de repente, ouviu um chiado.

Abriu os olhos e se levantou com pressa, tentando descobrir de onde vinha aquele barulho. Ao mesmo tempo, invocou uma bola elétrica na mão direita, pronto para matar qualquer ameaça. Porém, ao olhar ao redor, descobriu que não havia perigo algum por perto.

Arnok segurava um balde sujo de terra e ferrugem que estava cheio de água. O chiado veio dele, jogando a água nas poucas madeiras e galhos que estavam queimando na fogueira. Ele olhava para Hiotum, surpreso. Com o balde pingando em cima das cinzas, ficou parado com medo de ter feito algo errado.

“Opa!” Hiotum desfez a magia e ficou numa postura mais relaxada, com a mão direita atrás da cabeça. “Acho que exagerei.”

Ele espreguiçou e bocejou olhando para cima, em seguida percebeu que já estava de dia, mas o sol ainda não dava sinais de vida. Havia amanhecido há pouco tempo.

“Olha só, que mago exemplar você é, Arnok.” Disse com um sorriso no rosto. “Acordando tão cedo.”

“Eu sequer dormi.” Arnok respondeu indiferente, jogando o restante da água nas cinzas e colocando o balde num canto.

“Como assim?” Hiotum soou preocupado e olhou para Arnok, confuso.

“Fiquei sem sono a noite toda. Não é à toa, já que eu dormi muito antes.” Ele pegou a pá perto da sua cama e começou a pegar os punhados de cinza e jogá-los dentro do balde. Hiotum não entendeu o motivo daquilo.

“Por que está guardando as cinzas?”

Arnok parou no meio do movimento e ficou com uma expressão confusa e surpresa.

“Acho que as velhas manias não mudam, né?” Perguntou para Hiotum. “Minha caravana fazia isso para esconder nossos rastros da cavalaria. Pegávamos as cinzas e deixávamos como um rastro falso para eles seguirem, ou simplesmente para jogar fora, bem longe de onde estávamos.” Conforme dizia isso, Arnok se lembrava de seu pai pegando as cinzas da fogueira e as guardando num balde velho, explicando com aquelas mesmas palavras o motivo de fazer isso.

“Interessante.” Hiotum comentou. “Bem, você percebeu que não precisa fazer isso agora, não é?”

“Sim.” Arnok olhava para as cinzas e sua mente o fez se lembrar da floresta das cruzes de carvalho e de todo o funeral de seus entes queridos. Uma pequena lágrima caiu, a limpou rapidamente e esqueceu aquela lembrança. “Bom, o que faremos agora, Hiotum?”

“Vamos arrumar essas coisas e guardar todas elas na carroça, daí vamos seguir rumo para a capital.” Hiotum pegou todos os tecidos da sua cama improvisada e a garrafa de vinho que ele bebeu noite passada.

“Vai ser uma viagem de quantos dias?” Arnok começou a ajeitar suas próprias coisas. Colocou a bolsa nas costas e arrumou a cama improvisada.

“6 ou 7, dependendo da nossa sorte com a estrada. Ouvi dizer que tem sido difícil atravessar as cidades neutras nesses últimos tempos.” Foi caminhando até a carroça e falando cada vez mais alto enquanto se distanciava de Arnok.

As cidades neutras eram locais em que humanos poderiam entrar e viver, estão próximas às fronteiras de Gaia com Altum e ao redor da capital do país. Elas existem graças a uma lei criada por Morpheus, e ele é julgado por isso até hoje.

“Faz tempo que não vou para uma cidade neutra.” Arnok comentou pegando o último pedaço de tecido no chão. “Sabe dizer o porquê?” 

“Mais burocracia para passar por uma delas.” Guardou todas as coisas dentro da carroça e, quando Arnok chegou perto, também guardou as dele. “Ouvi dizer que até meio-demônios estão sendo proibidos de passar.”

“Entendo.”

“Bem, o que eu sei é que a viagem não será fácil para você.” Hiotum deu uma risada curta.

“Por quê?”

“Você vai ver no meio do caminho.” Hiotum pegou algumas frutas no caixote vermelho e as deu para os cavalos.

“Como assim?”

“Bom, pelo o que eu entendi, você não tem conhecimento algum sobre a mana e a magia, não é?”

“Bem, sim.” Respondeu meio envergonhado.

“Então não terá uma boa primeira impressão desse jeito, principalmente sendo meu discípulo.” Quando os cavalos comeram a última maçã, ele terminou de arrumar e prender os estribos dos dois na carroça.

“Que tipo de coisa vou ter que ler?” Arnok perguntou curioso.

“Muita coisa.” Hiotum subiu na carroça e puxou a rédea dos cavalos. “Anda, sobe.” E assim Arnok o fez, sentando-se ao lado dele. Com um balançar leve das rédeas os cavalos começaram a andar e logo a carroça já estava longe do acampamento. “Pode começar sua sessão de estudos, se quiser.” Hiotum comentou. “Vai ser uma viagem longa.”

Arnok quase caiu pelo balanço da carroça e foi para a parte de trás. Havia mais de vinte livros guardados em uma caixa de madeira, todos com uma capa de couro bastante gasta. Também tinha 4 pergaminhos bem velhos e ressecados.

“Se eu abrir eles, vão quebrar com toda certeza.” Pensou.

Devagar para não cair, ele sentou-se ao lado da caixa de livros, pegou o primeiro deles e começou a lê-lo.

Assim, a viagem prosseguiu numa rotina fixa, eles ficavam na estrada até a noite cair, e, nesse meio tempo Arnok lia, relia e trocava algumas palavras com Hiotum.

“Em qual livro você está agora?” Perguntou Hiotum no segundo dia.

“Criatividade para com a criação de magia.” Respondeu sem tirar os olhos das páginas. 

“Esse é bom, decore cada frase.” Hiotum comentava e o silêncio dominava em seguida. Os diálogos eram sempre breves e semelhantes, como esse.

Até que algo diferente enfim aconteceu no terceiro dia.

Arnok achou uma posição confortável para ler e o manuscrito que lia no momento era “Reis demônios e suas decisões políticas”. O silêncio dominava a carruagem.

“Estamos chegando numa cidade, Arnok.” Hiotum quebrou o silêncio. 

Arnok levantou-se o quanto antes e marcou a página do livro em sua memória, deixando-o de lado em seguida.

“Qual?” 

“Lilás do Sul, uma cidade neutra.” Hiotum apontou mais à frente da estrada para um portão de madeira. Um muro do mesmo material do portão circundava a cidade e ali, bem próximo do portão, havia um posto de vigia bem alto.

“Alto lá!” Deu para ouvir alguém gritar de lá.

Hiotum desacelerou e se virou, pegou alguns papéis numa caixa verde.

“Arnok, venha aqui para frente.”

“Certo.”

Depois de algum tempo, o portão de madeira se abriu e dele veio caminhando um homalupo de baixa estatura, segurando alguns papéis.

Os homalupos são uma raça de demônios que possuem várias características semelhantes às de um lobo, como a grande quantidade de pelos, uma cauda e as orelhas de lobo.

“Bom dia.” O homalupo disse, aproximando-se da carroça.

“Bom dia.” Hiotum respondeu.

“Qual o motivo da sua...” O homalupo olhou bem para Hiotum e uma expressão de clareza surgiu. “Espera, Hiotum?”

“Sim, e quem seria vo...” Hiotum ficou surpreso e começou a analisar o rosto do homalupo, até que a mesma expressão de clareza surgiu. “Bralude, é você?!” Hiotum gritou e desceu da carroça.

“Óbvio que sim, seu homem velho! Me dê um abraço!”

Os dois se abraçaram e após uns tapinhas nas costas do outro, se afastaram e deram um aperto de mãos.

“O que faz aqui, Bralude? Imaginei que você estaria em alguma guarnição fadada ao fracasso na fronteira.”

“E eu de fato estava, mas ela foi desfeita.” Ele deu uma risada longa. “Mas e você, o que tem feito para viver?”

“Bem...” Hiotum abriu um grande e orgulhoso sorriso. “Sou professor na academia.”

“Que academia?” Bralude perguntou confuso, não entendendo o motivo de tanta alegria em ser um professor.

“Oras, que academia você pergunta? Na mesma que nós estudamos há mais de 300 anos.”

“Você é professor lá?” Disse surpreso.

“Sim, e um pouco além disso.” Hiotum complementou, bastante orgulhoso.

“Não me diga que se tornou um Ancião?”

“Exatamente.”

“Então agora você é ainda mais velho do que parece.” Os dois riram alegres, até que Bralude viu Arnok e o observou. “E o garoto, quem é?”

“Meu aprendiz. Venha aqui, Arnok.” Hiotum o chamou com a mão. “Conheça o meu velho amigo da academia.”

“Amigo? Eu era praticamente seu irmão naquela época.” Retrucou Bralude.

Arnok desceu da carroça e se aproximou dos dois. Não sabendo exatamente como cumprimentar Bralude, fez uma pequena reverência com as asas bem amostras.

“É um prazer, senhor Bralude.” Disse com bastante respeito.

Assim que Bralude viu as asas do Arnok o sorriso desapareceu de seu rosto.

“Está tentando criar um Morpheus 2.0, Hiotum?” Perguntou com raiva, ignorando Arnok por completo, fazendo-o revirar os olhos por um momento.

“Não.” Hiotum respondeu com raiva e determinação. "Estou criando um mago forte. O garoto é bom, Bralude. Não o menospreze quando ele o reverencia.” Os dois trocaram olhares por um momento, ambos com raiva.

“Bem...” Bralude desfez o olhar e sua expressão de raiva e balançou os ombros. “Você falando dessa forma, acho que tem razão.” Bralude se virou e esticou a mão para Arnok. “Não precisa abaixar a cabeça para mim, rapaz. É um prazer conhecê-lo.”

Arnok desfez sua postura e o cumprimentou, o aperto era exageradamente forte, ao ponto de Arnok sentir suas garras entrarem na pele de sua mão.

“Mas e você, Hiotum?” Bralude desfez o aperto, deixando uma marca branca na mão do Arnok. “O que faz aqui em Lilás do Sul?”

“Estou de passagem, voltando para a capital.”

“E pretende dormir aqui?” 

“É provável.”

“Então vamos marcar de beber. Volto para a cidade em duas horas, depois vamos para o bar do Konor.” 

“É, por que não?” 

“Só me empreste seus documentos para eu carimbá-los.”

Hiotum entregou um papel envolto em um couro preto. Bralude abriu numa página, puxou um carimbo do bolso esquerdo e marcou firme no papel os dizeres passagem permitida.

“Tenham uma boa estadia em Lilás do Sul.” Entregou-os de volta e cumprimentou Hiotum.

“E você tenha um bom dia, Bralude.”

Hiotum e Arnok subiram na frente da carroça de novo, atravessaram e começaram a se afastar do portão de madeira, indo em direção à Lilás do sul. Bralude ficou parado vendo os dois se afastarem, com os braços cruzados e um rosto impassível.

“Quem era, para você ter demorado tanto?” Alguém do alto do posto de vigia perguntou

“Era o Hiotum.” Bralude começou a voltar em para o posto e subiu as escadas. O ranger da madeira velha e gasta já lhe eram normais, mas ainda passavam uma sensação de insegurança ao subi-las. 

Quando chegou lá em cima, olhou de relance para o painel com o botão vermelho para os sinalizadores de alerta e encontrou um homalupo que fazia vigia com ele.

“O mesmo Hiotum da academia?” Perguntou o outro homalupo sem olhar para Bralude. Ele usava um binóculo e olhava para bem longe do portão, na direção da estrada de que Hiotum e Arnok haviam vindo. “Um grupo de pessoas encapuzadas montadas em cavalos estão se aproximando, parecem refugiados.”

“Você cuida deles dessa vez.” Disse Bralude, balançando a mão e dispensando o serviço.

“Certo. Mas o que você conversou com o Hiotum?” Tirou os binóculos e começou a prestar atenção em Bralude.

“Nada demais, Ejontum. Matando o tempo e a saudades apenas.” 

“E o garoto que estava com ele, era um asa negra. Você percebeu, certo?” Perguntou apreensivo.

“Óbvio que sim. Asas negras são quase tão extravagantes quanto demonkins. Ele é o novo aprendiz do Hiotum e, segundo ele, é bastante habilidoso.” 

O som do bater de cascos aumentou e os dois homalupos pararam de conversar e viram que o grupo que Ejontum citou se aproximava do portão. Eles montavam corcéis jovens e vestiam sobretudos pretos.

“Bem, é minha vez de trabalhar.” Ejontum desceu correndo as escadas enquanto Bralude ficou lá em cima observando.

Quando o grupo se aproximou o bastante do portão, Bralude gritou:

“Alto lá!” 

Todo o grupo parou e esperou o portão abrir com Ejontum vindo em seguida.

“Bom dia, senhores!”

Não houve resposta por parte do grupo.

São do tipo recluso, pelo visto. Pensou. Perguntas diretas, então.

Ejontum foi até o cavalo que estava mais adiante do grupo, era um corcel preto e jovem, muito bonito. Ejontum tentou ver o rosto do homem em cima do cavalo, mas o capuz do sobretudo obstruiu sua visão. Ficando do lado direito do cavalo, perguntou:

“Qual o motivo de sua vinda a Lilás do Sul, senhor?” 

Em vez de responder, o homem tirou o sobretudo de cima da cintura e puxou um revólver de padrão militar humano. Ejontum nem sequer teve tempo de reagir. 

O disparo foi direto na cabeça, o barulho foi tão alto que fez os pássaros ao redor voarem assustados. O baque do corpo de Ejontum caindo no chão veio em seguida.

“Ejontum!” Bralude gritou surpreso. 

Ele se virou rápido, tinha que disparar os sinalizadores o mais rápido possível. Porém, um dos outros homens lá embaixo foi mais rápido.

Apanhou rapidamente de baixo do seu sobretudo uma besta com diversas inscrições na madeira, puxou o fio de disparo e sussurrou algumas palavras para a arma.

As inscrições começaram a brilhar e um objeto semelhante a um dardo de besta surgiu na arma. Ele mirou e disparou em Bralude.

O projétil acertou Bralude nas costas e atravessou direto, deixando um buraco do diâmetro de uma bola de bilhar. Ele caiu no chão e sangue começou a se espalhar pela madeira do chão.

“Belo tiro, Victor.” Falou o homem que havia disparado em Ejontum.

“Obrigado, senhor.”

Os dois guardaram as armas embaixo dos sobretudos, e o homem que liderava o grupo se virou para seus homens.

“Vamos ser rápidos para chegar em Lilás do Sul, temos de montar um acampamento antes do anoitecer, então nada de trote, entenderam?!” Gritou.

“Sim, senhor!” Todos os soldados responderam em uníssono.

No entanto.

De repente, um barulho alto e uma forte luz surgiu atrás do líder do grupo. Quando ele se virou, viu uma bola de fogo branca subindo em direção ao céu, parecendo como um pequeno sol.

“Eu não... Vou morrer à toa, filhos da puta.” Bralude murmurou pouco antes de soltar o botão vermelho e desmaiar. 

“Droga.” O homem encapuzado disse com raiva. “Todos, começaremos o plano Distância Máxima, entenderam?”

“Sim, senhor!”

Eles atravessaram o portão correndo, o líder logo viu à distância outros sinalizadores sendo acionados tanto da esquerda quando da direita. 

“Equipe B. Saiam da região de Lilás do sul e busquem um vilarejo ou uma cidade ao Leste. Entenderam?!” Gritou para seus homens

“Sim, senhor!” Alguns homens responderam e o grupo se dividiu, cinco deles seguiram para Leste.

“Equipe C, à Oeste!” 

“Sim, senhor!” O mesmo aconteceu, e mais cinco homens foram para Oeste.

“Equipe D, fiquem para trás e atrasem esses demônios!”

“Sim, senhor!” Ao invés de cinco, 7 homens diminuíram o passo e se distanciaram rapidamente do grupo principal.

“Grupo A, comigo. Vamos continuar a missão inicial!”

“Sim, senhor!”

O grupo grande agora havia diminuído para 4 homens, contando o líder. Um deles era o homem que havia matado Bralude e parecia preocupado.

“Senhor, o objetivo da missão ainda é o mesmo?”

“Sim, nada mudou. Só estaremos em menor número agora.” O líder respondeu, disfarçando sua hesitação. “Vamos sair da estrada principal e seguiremos para Lilás do Sul pelas rotas secundárias, entenderam?!”

“Sim, senhor!” 

O grupo saiu da estrada e começaram a correr em direção a Lilás do sul o mais rápido que podiam.

Longe dali, Arnok olhava confuso para com os sinalizadores.

“Hiotum, o que são aquelas coisas?” Ele apontou para os 5 sinalizadores brancos.

“São sinalizadores de mana. São feitos de basicamente fogo, magnésio e uma gigantesca quantia de brilho.”

“Brilho?”

“Se você ler os livros daí de trás, você entenderá.”

Os dois terminaram a conversa ali. Arnok voltou para a parte de trás da carroça e continuou a ler os livros de estudo. Ao mesmo tempo, Hiotum assobiava despreocupado enquanto olhava para a cidade que se aproximava no horizonte.

“Arnok, quer ver?”

“Sim, por que não?” 

Arnok foi para frente e ficou observando a cidade.

Lilás do sul era um lugar simples, várias crianças demônios corriam pela rua brincando umas com as outras e os pais ficavam na frente de suas casas conversando com os vizinhos. Tudo isso fazia Arnok lembrar-se de qualquer outra cidade comum, mas havia algumas diferenças sutis. 

Tinham postes de mana a cada 10 metros, ao lado direito da estrada, uma coisa estranha para uma cidade distante da capital, e não havia somente demônios pelas ruas.

Crianças humanas corriam e brincavam com outras crianças humanas enquanto seus pais humanos conversavam com outros pais humanos.

O grupo dos humanos e o dos demônios ficavam bem separados um do outro, e de vez em quando, um humano ou demônio dirigia a alguém da espécie oposta um olhar de ódio.

Arnok estranhou isso.

“Hiotum, por que essas cidades neutras existem?” Ele olhou para seu mestre aguardando uma resposta e obteve um suspiro longo e um ar um tanto melancólico.

“Fazem 363 anos desde que a lei das cidades neutras foi criada por Morpheus.” Hiotum comentou sem olhar para Arnok. “Até hoje, ninguém entende o motivo dele ter feito isso. Uns dizem que foi para trazer humanos inteligentes para nossa terra, já que estávamos ficando para trás em relação a eles.”

Um grupo de crianças demônios que estava brincando e um grupo de crianças humanas trocaram olhares de malícia.

“Nem mesmo eu entendo o porquê dele ter feito isso. O questionei diversas vezes, mas a única resposta que tive foi logo você entenderá.” Ao longo da frase, sua voz se tornava cada vez mais melancólica.

“Talvez quisesse unir as duas raças.”

As crianças demônio pegaram várias pedras no chão, e todas ao mesmo tempo as jogaram nas crianças humanas. Várias delas ficaram com arranhões, e um olhar de fúria surgiu neles. Nos instantes seguintes uma guerra de pedras aconteceu, com os dois grupos jogando pedras um no outro.

“Se ele quisesse unir as duas raças, teria um plano melhor do que esse. Cada vez mais parece que o nome que as pessoas deram ao Morpheus faz sentido. Chamam ele de stulta reĝo. Usam nossa antiga língua para zombar de um rei. O mais poderoso que já tivemos.” Os dois continuaram sua viagem em silêncio a partir daí. 

Algum tempo depois, Hiotum parou na frente de uma hospedaria que tinha uma placa pendurada na frente da porta. A placa tinha o desenho de uma mulher demonkin segurando duas taças transbordando de bebida.

“Vamos ficar a noite aqui.” Hiotum disse a Arnok. “Vou guardar a carroça, vá entrando e pegue um quarto para dois.” Ele puxou do bolso 5 moedas de prata e as jogou para Arnok. Ele as pegou no susto e ficou surpreso com a quantia.

“Os quartos são tão caros assim?” Ele desceu da carroça e ficou observando aquela grande quantidade de dinheiro.

“Nunca se sabe, compre alguma comida quente e cerveja para mim com o dinheiro que sobrar e não fique mostrando o dinheiro, ouviu?”

Hiotum afastou-se de Arnok com a carroça e começou a falar com um homem que estava fumando apoiado na parede. Os dois trocaram breves palavras e com um aceno para o homem, Hiotum se afastou outra vez.

Arnok guardou as moedas no bolso com bastante cuidado e entrou no lugar. A primeira coisa que sentiu foi o cheiro.

O lugar estava bem animado. Um homem tocava num alaúde escuro, polido e bem cuidado, várias cantigas antigas. Os alegres homens ao redor cantavam balançando e derramando seus copos de cerveja para todos os lados. Várias garçonetes corriam de um lado para o outro entregando bebidas e comida e recolhendo pedidos. Quando se viravam, levavam uma palmada na bunda se o homem estivesse bêbado o bastante para isso. Todos naquele lugar eram demônios, não havia um único humano, e se tivesse, pensou Arnok, seria expulso dali com alguns ossos quebrados.

Um tanto longe da porta, ficava um balcão de madeira com um atendente atrás dele secando copos e canecas com um pano velho. Ele era um fauno careca e sem barba, de pele bem escura e com chifres bem danificados. Um deles estava cerrado até o começo e outro estava quebrado.

Arnok se aproximou, evitando esbarrar em homens que dançavam sozinhos ou com as garçonetes, e chegando lá o atendente o encarou.

“O que quer aqui, garoto?” Sua voz era grossa, porém não parecia carregar sentimento algum.

“Quero um quarto para dois.” Arnok respondeu enquanto se aproximava e sentava em uma cadeira. “Quanto é?”

“Quer um de luxo, ou o mais barato?” Sem olhar para Arnok, o intendente perguntou enquanto continuava limpando os copos com o pano velho.

“Um que seja confortável para passar a noite.”

“Uma moeda de prata leve, então.” Soltou o copo e estendeu a mão, esperando o pagamento.

“Também vou querer comida quente e cerveja, se puder.” Puxou uma moeda de prata do bolso e entregou ao atendente.

“Não é muito novo para beber, garoto?” Ele olhou para Arnok com desconfiança, e mordeu a moeda, surpreendendo-se quando viu que era verdadeira.

“Não é para mim, estou esperando meu mestre.”

“Certo, então, comida para dois, bebida e um quarto confortável por uma noite, correto?”

“Sim, exato.”

“Galla!” O atendente tirou a atenção de Arnok e gritou para uma das garçonetes. “Sirva o garoto e o mestre dele quando chegar, entendeu?!”

“Sim, Konor, mas se você gritar assim comigo de novo, eu e as meninas vamos comer seu couro depois expediente, entendeu?” Disse irritada. Algumas meninas no fundo gritaram em aprovação e os homens mais bêbados do bar acompanharam com um grito de alegria.

“Sinto muito.” Konor fez um aceno com a mão e sua expressão de culpa mostrava sinceridade. “O garoto e mestre dele são seus clientes Galla, sirva-os por favor.”

“Assim é melhor.” A garçonete se aproximou e ficou ao lado de Arnok. “O que deseja comer, senhor?” O cheiro de perfume barato era a característica mais marcante dela.

Galla era uma sakyubasu de cabelos curtos e vermelhos com um uniforme bem apelativo, e Arnok percebia agora que as outras garçonetes também seguiam o mesmo padrão. Essa raça de demônio era conhecida pela afinidade com magias do tipo mental, principalmente as que influenciam homens. Por isso elas são a raça perfeita para esse emprego.

“Um guisado de carne, se possível.” 

“Sim, claro. Sabe o que seu mestre vai querer?”

“Bebida, disso eu tenho certeza.” Arnok comentou, e ela deu um riso curto.

“Certo, trarei o mais rápido que puder.”

Galla se afastou dele e Arnok virou-se para olhar todo o bar. O lugar era muito animado e com o ritmo das canções tendo acelerado, mais homens ficaram bêbados nesse meio tempo e vários dançavam e batiam os pés ou as mãos. Alguns até dançavam com as garçonetes. O músico em certo momento ficou de pé, acompanhando os homens do bar com uma letra bem rápida e fácil de se dançar.

A porta da estalagem abriu e Hiotum passou por ela. Arnok acenou á distância e ele fez o mesmo em resposta. 

“Lugarzinho agitado, não é?” Hiotum disse depois de ter quase se perdido no meio do caminho.

“Sim!” Arnok riu do comentário.

“Já pediu comida?”

“Já.”

“E já conheceu meu velho companheiro?” Hiotum apontou para Konor e ele abriu um pequeno sorriso.

“Ora, ora. Faz um bom tempo que não te vejo, Hiotum.”

“10 anos é muito tempo?” Ele perguntou confuso.

“Fazem só dez anos? Pareceu um século para mim.”

“Ou as coisas têm estado agitadas por aqui, ou você sentiu mesmo a minha falta.” Os dois deram risada.

“As coisas têm estado agitadas, de fato. O número de humanos morando aqui aumentou bastante de uns tempos para cá e acho que o pessoal nunca esteve tão tenso e irritado.”

“Uma cidade humana foi destruída ano passado em um conflito na fronteira, acho que os sobreviventes vieram todos para cá. Até a segurança nos postos de vigia aumentou.”

“A propósito, você se encontrou com Bralude?” Perguntou Konor.

“Sim, de fato fazia muito tempo que eu não o via. Mas e você?” Hiotum se ajeitou na cadeira e abriu um sorriso. “Continua cerrando o chifre porque acha bonito?”

“Para sua informação, eu fico mais bonito de chifre podado e cerrado.”

“Se foi a Galla que disse isso, a informação não é confiável.” Hiotum de repente levou um golpe forte atrás da cabeça. “Mas quem infernos...”

Quando ele se virou e viu Galla com um caneco de cerveja e uma expressão de muita raiva, arrependeu-se no mesmo instante de suas palavras.

“Me diga Hiotum, por que minhas informações não são confiáveis?” Seu tom era de desprezo. 

“Oi, Galla, há quanto tempo não te vejo... Parece até que você emagreceu.” Hiotum tentava ao máximo fugir do assunto e até mesmo abriu um sorriso bem grande e cheio de dentes.

“Não adianta fugir do assunto!” Ela deu outro golpe tão forte quanto antes e suspirou em sequência. “É bom te ver Hiotum, só não senti falta dos seus comentários.” Ela deixou a bebida e se afastou.

“Você continua não sendo bom com as mulheres, não é?” Konor disse.

“E você é um babaca.”

Os dois jogaram conversa fora por um bom tempo, sempre rindo dos comentários um do outro. Levou 10 minutos para o guisado chegar. A comida no prato fumegava e vários pedaços de batata e carne boiavam. Não foi Galla que os atendeu, mas sim outra garçonete. Ela deixou o pedido e saiu logo em seguida.

“Está muito bom.” Arnok disse depois de ter colocado uma colherada na boca.

“Vou dizer isso para nossa cozinheira depois.” Konor comentou e abriu um pequeno sorriso e Arnok o retribuiu com outro.

Um baque forte veio da porta. Ela foi escancarada por um homem com uma capa cinza e suja. Ele tirou seu capuz e um silêncio misturado a um sentimento de raiva se abateu no estabelecimento.

Ele era um humano.

O homem começou a caminhar entre os diversos olhares de ameaça e de raiva dos demônios no lugar e chegou ao balcão ficando de frente para Konor e ao lado do Arnok.

“Quanto é um quarto?” Perguntou de forma seca, não parecendo se importar com os olhares ao redor.

“Não temos quartos para humanos.” Konor comentou sem olhar nos olhos do homem, continuando a limpar os canecos de madeira.

“Qual é, essa é a única coisa que vocês sabem dizer? Não temos quartos para humanos?” Comentou com desdém. “Meu corpo é bem semelhante ao de vocês.”

De repente uma mão pesada agarrou seu ombro, o humano se virou e viu um homalupo alto e parrudo com uma barba desgrenhada e suja de cerveja, fitando-o com um olhar irritado.

“O Konor disse que não tem quartos para humanos.”

Num movimento rápido, o humano tirou um revólver debaixo da capa e colocou logo abaixo do queixo do homalupo. A tensão da estalagem chegou a um novo patamar.

“Tire suas mãos de mim.” O humano disse com raiva. Os dois ficaram se olhando com raiva por algum tempo e a tensão aumentava a cada segundo. O homalupo, então, tirou a mão do ombro do humano, mas ele não tirou a arma. Na realidade, se voltou para Konor e continuou a tentar conseguir um quarto.

“Escute esse é o terceiro lugar que eu vou hoje, e todos vieram com o mesmo papo. Você não pode abrir uma exceção? Pago o dobro do valor do pernoite.” 

Konor colocou o copo no balcão com força, seu olhar antes meigo, calmo e sereno, agora era de puro ódio e assassino.

“Você vem para a minha estalagem...” As palavras saiam quentes como ferro na fornalha. “Ameaça meu cliente com uma arma apontada para o queixo dele. E quer que eu te coloque num quarto?!”

“Sim.” Falou impassível.

“Bem, posso até te colocar num quarto...” Chegou mais perto do humano e falou surrando. “Mas saiba que não terá bons sonhos.” Ele se afastou de novo e olhou para aquele humano, como se fosse o homem mais idiota do mundo. “Aqui é um bar para demônios relaxarem, então se você invadir o espaço deles com ameaças e armas apontadas para suas cabeças, não duvido que eles façam você perder mais do que jamais ganhará na sua curta vida.”

“Entendeu agora?!” O homalupo colocou a mão no ombro do humano de novo e com mais força que da última vez. “Então sai da...”

O som do cão sendo puxado e o gatilho apertado fez o olhar do homalupo ir da raiva para o puro medo. O flash de luz, o estrondo alto e ensurdecedor e o sangue que veio em sequência surpreenderam Arnok e todos do lugar.

(Nota do Revisor: cão é aquela parte superior do revólver que você puxa logo antes de atirar.)

Um buraco apareceu no queixo do homalupo e seu corpo sem vida tombou para trás num baque bem baixo. A ferida no instante seguinte começou a queimar e o sangue pareceu perder seu tom vermelho escuro para um tom cinza e mórbido.

“Não encoste em mim.” O homem falou em tom de ódio puro. Lentamente, ele guardou a arma num coldre de couro escuro. O humano se virou de volta e olhou para Arnok, ele viu suas asas e ficou bastante surpreso, mas se voltou para Konor.

“Bala de laralto, tome cuidado.” Arnok ouviu Hiotum sussurrar a sua direita. 

“Acho que não sou mais bem-vindo aqui, pelo visto.”

Ele caminhou para a porta da frente mais lenta e calmamente do que quando chegou. Os olhares que o acompanhavam eram de puro ódio, mas ninguém ousava tocá-lo, pois estava armado. Ele se virou uma última vez para Arnok e revelou uma expressão de raiva antes de fechar a porta.

Todos ficaram olhando para a porta por um tempo, até que alguns demônios pegaram o corpo do homalupo morto e o levaram para o fundo da estalagem. Aos poucos os demônios voltaram a beber, em seguida alguns começaram a conversar, então o músico voltou a tocar seu alaúde e aos poucos tudo voltou ao normal na superfície.

“Bem...” Hiotum segurava sua caneca de cerveja, agora vazia, com um olhar cansado e uma expressão de exaustão. “Acho que vou ir me deitar um pouco. Qual o meu quarto, Konor?”

“Espere um pouco.” Ele agachou e puxou uma chave de latão com um chaveiro escrito ‘21C’. “Terceiro andar.”

“Obrigado.” Ele caminhou e subiu as escadas, parecendo exausto de diversas maneiras.

“Ele parece cansado, não é?” Konor comentou, voltando a limpar o caneco de madeira.

“Não é à toa, a viagem foi longa.” Arnok dizia isso, mas duvidava que esse era o único motivo pelo cansaço de Hiotum, até que ele ficou curioso sobre algo. “Esse tipo de coisa acontece com frequência?” Ele apontou com um balanço de cabeça na direção em que o cadáver do homalupo foi levado.

“Não. Em todos os anos em que esse bar esteve de pé, nunca alguém havia morrido. Já houve brigas, mas aquilo com certeza não foi uma briga.”

“O que foi, então?” Arnok não entendia direito aonde Konor queria chegar.

“Foi um assassinato.” Falou sem olhar para Arnok. “Do mais puro e simples.”

Um silêncio desconfortável ficou entre os dois, Arnok queria puxar assunto de alguma maneira. Então uma lâmpada de ideias brilhou em sua cabeça, quase que literalmente.

“Nunca vi uma cidade com tantos postes de mana.” Comentou e comeu outra colherada do guisado.

“Não são postes de mana.”

“Como é?” 

“Bem, são postes de luz, bastante semelhantes aos postes de mana, exceto pela parte da mana. Eles não usam ela para iluminar.” Ele disse tudo isso como se fosse algo normal, de seu cotidiano.

“O quê?!” Arnok gritou de surpresa e algumas pessoas olharam torto para ele. Corado de vergonha, ele se sentou e voltou a comer o guisado. Konor deu risada da situação.

“É uma história curiosa.” Devagar, ele soltou o copo e colocou-o de lado. “Quer ouvir?”

“Óbvio que sim.”

“Bem, fazem 30 ou 40 anos que isso ocorreu. Nessa época o bar ainda não era tão grande quanto hoje, mas já tinha sua clientela.” Ele deu uma curta pausa, pensando nas suas próximas palavras. “Uma noite, um humano apareceu aqui.”

“Sério?” Arnok ficou surpreso com isso.

“Sim, ele não foi nenhum pouco agressivo como este de agora há pouco, na realidade ele parecia muito gentil, queria apenas uma bebida e alguém para conversar numa noite fria. Porém, os rapazes desse bar não foram muito com a cara dele, naquela noite tive minha primeira briga de bar, não soube como reagir. Até que a heroína mais grosseira que eu vi na vida apareceu.” 

Konor apontou para Galla em um grande movimento teatral e cômico, Arnok deu risada, mas ela, olhou para ele confusa.

“Ela deu uma bela canecada em um dos briguentos, como fez com o Hiotum, e começou a gritar: Se quiserem espantar clientes, é bom já saírem daqui. Eles protestaram um pouco e levaram mais um golpe na cabeça, cliente é cliente, então ele veio e se sentou no meu balcão.”

Konor colocou a mão numa cadeira vazia e ficou com uma expressão um tanto melancólica.

“Ele se sentou aqui e começou a falar comigo sobre coisas fúteis, até que, não me lembro exatamente o motivo, ele perguntou para mim: Por que vocês não tem postes de luz por aqui? Alguns homens ouviram e disseram que não precisavam de postes de luz, já que tinham lampiões, e deram uma risada cheia de desdém.” 

Conforme contava isso, Arnok percebia cada vez mais um ar nostálgico em Konor.

“Com um sorriso simples, aquele humano se virou e disse: E se um lampião não for o suficiente?. A partir daí começamos a conversar sobre os postes de luz e eu disse que os postes de mana eram uma coisa complicada demais e que existiam apenas próximos da capital. Ele me olhou torto e falou que não estava falando sobre os postes de mana, que do lugar de onde ele vinha existiam postes de luz que não dependiam de mana e que funcionavam com uma coisa chamada energia elétrica.”

Nesse ponto, Arnok estava estupefato, essas coisas pareciam impossíveis, contos sobre um futuro distante e improvável.

“Não tem como isso ser verdade!”

“Eu disse a mesma coisa naquele dia.” Comentou rindo. “Mas mordi minha língua. Ele me explicou detalhe por detalhe sobre como funcionavam os postes de luz e foi estranho, devo admitir. Porém, quando ele terminou, eu estava convencido de que funcionava. Um ano depois, ele e eu convencemos o prefeito a instalar os postes.” Um sorriso de orgulho apareceu no seu rosto.

“Quem era ele?”

“Ele se chamava Marcos.” Deu uma leve pausa com um ar triste no rosto. “Foi o único amigo humano que tive na vida.”

“Foi?”

“Ele morreu, há algum tempo.”

Arnok entendeu agora por que Konor parecia triste contando essa história.

“Há quanto tempo?”

“Cinco anos. É duro perceber que humanos vivem bem menos que os demônios.”

“Sinto muito.” Arnok deu um longo bocejo e percebeu que estava bem cansado.

“Não precisa sentir muito por isso, é passado.” Vendo que Arnok parecia bastante cansado, ele dispensou o assunto. “Se quiser ir dormir, fique à vontade.”

“Não precis...” No meio da frase ele bocejou outra vez e se sentiu mais cansado ainda. “Acho que preciso, na verdade.” Os dois riram da situação.

Terminando de comer seu guisado, Arnok caminhou até as escadas e a cada passo ele sentia que estava prestes a tombar no chão. Dessa forma, seguiu até o terceiro andar e quando viu a placa na frente de uma das portas dizendo ‘21C’, sentiu um alívio enorme no peito. 

A porta estava entreaberta e quando entrou viu Hiotum lendo um livro do tamanho de sua palma. O livro tinha uma capa roxa e sem nenhum adorno ou adereço. Hiotum fechou o livro e olhou para Arnok.

“Veio mais cedo do que eu imaginei.”

“Estou com sono.”

“Durma então, amanhã voltaremos para nossa rota para a capital na hora do almoço.”

Com um grande bocejo, ele afirmou com a cabeça e jogou-se na cama.

Ela era confortável e relativamente grande para ele.

“Se bem que o quarto é bem grande também.”

Havia duas camas no quarto e um criado-mudo ao lado destas. No entanto, ainda sobrava bastante espaço no quarto, com duas janelas e um relógio na entrada que mostrava ’15:36’

Pouco a pouco, Arnok fechou os olhos e apagou. Após algum tempo, sua memória o levou para um sonho.

Arnok estava num cômodo vazio, gigantesco e completamente escuro. Ele sentia uma brisa leve e fria vindo de lugar nenhum. De repente, um estrondo alto como um tiro soou. 

“Não encoste em mim.”

 De lugar nenhum, Arnok ouviu a voz do humano de mais cedo. De repente, o ambiente inteiro mudou, se tornando uma estrada de terra iluminada por um pequeno lampião a gás que repentinamente apareceu em sua mão.

Arnok sentia que alguém o observava no final daquela estrada, ele tentou ver com o lampião, mas a luz não alcançou a pessoa.

“E se um lampião não for suficiente?”

O lugar num mísero segundo se iluminou por inteiro, cegando Arnok e o fazendo fechar os olhos. Só depois de um tempo ele os abriu de novo. Quando o fez, estava de volta no quarto com tudo escuro. Porém, em cima dele havia um homem usando uma capa cinza e suja, segurando uma faca branca que não brilhava como ferro ou aço. Uma lâmina de osso.

“Bons sonhos, asa negra.” Ele atacou.



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