Volume 1
Capítulo 18: A situação mudou
A noite era fria, mesmo que eles estivessem perto da fogueira.
Um grupo de homens mascarados e que vestiam simples roupas pretas descansavam em frente a uma fogueira, cozinhando uma carne no espeto. Todos pareciam cansados e irritados. Dentre todos eles, um se destacava pelos cabelos grisalhos e uma aparência que demonstrava sua experiência e posição em relação aos outros homens ali presentes.
“Vocês ainda não têm nenhuma sugestão?” Ele falou para os outros ao redor.
“Ainda acho que devíamos cancelar tudo isso!” Um dos homens na roda comentou, parecia irritado e impaciente. Foi um dos primeiros a pegar a carne no espeto e se arrependeu quando viu que ainda estava crua.
“Isso não é uma opção, Max!” Outro falou. Não estava irritado, apenas com frio, mesmo sendo o mais próximo da fogueira e o que vestia as roupas mais grossas. “Nessa altura, não podemos fazer isso.”
“Perdemos nossos corvos para enviar os relatórios...” Max se levantou devagar, dando mais ênfase na voz a cada palavra. “Perdemos os falcões para falar com os outros grupos e ainda sequer chegamos à capital...” Deu uma breve pausa, a raiva visível em seus olhos. “Acha que essa missão ainda tem alguma chance, Isaac?”
“Ele está certo, Max...” O homem de cabelos grisalhos falou. Ele se levantou e ficou frente a frente com Max. “Já estamos aqui e não podemos voltar!”
“Mas, senhor Caim...” Max estava prestes a continuar discutindo, mas algo o impediu.
O céu de repente brilhou em vermelho e um forte estrondo veio logo em seguida.
No céu limpo e com poucas estrelas, um rastro vermelho se formou ao redor de algo redondo e ele passou tão rápido quanto veio. Sumiu por um breve instante, até que uma grande explosão se formou no horizonte.
Todos os cinco ao redor da fogueira olhavam estupefatos para aquilo, assustados demais para dizer algo mais complexo do que murmúrios ou gaguejos.
“Mas que merda foi essa!?” Max exclamou.
“Mudança de planos...” Caim ainda observava o ponto de origem do brilho, seu olhar vagava entre medo e confusão. “Temos que informar o Willian sobre isso.”
“Mas como?” Isaac perguntou. “Não temos nossos...”
“Nossos corvos, eu sei.” Caim o cortou, seu olhar de confusão sumiu e foi substituído por uma determinação inabalável. “Mas não temos escolha, alguém vai ter que ir.” Se virou para os outros ao redor da fogueira e fitou cada um deles “Qual de vocês é mais rápido?”
“Sou eu, senhor!” Um dos quatro, que não havia falado até agora, deu um passo à frente e estava pronto para receber qualquer ordem.
Caim acenou positivamente e puxou um bloco de papéis do bolso. Escreveu por um minuto inteiro, antes de entregá-lo ao homem que havia dado um passo à frente.
“Leve isso para o Willian ou qualquer oficial de alta patente, o mais rápido que conseguir. O código é Valéria a todos.”
“Entendido!” Ele colocou o papel no bolso e saiu correndo na direção oposta do local da explosão.
Todos os presentes naquele acampamento improvisado olharam seu companheiro se afastar. Uns tinham um olhar de desamparo, outros de esperança. Caim, porém...
Ele observava seu soldado se afastando rapidamente com um olhar de preocupação e arrependimento.
“Certeza que é uma boa ideia mandá-lo sozinho?” Um dos homens presentes se aproximou de Caim, parecendo preocupado.
“Não tenho certeza disso, Victor...” Caim comentou. “Mas não posso arriscar enviar mais pessoas do que temos.”
Caim se virou para seus homens e sua expressão arrependida havia desaparecido no mesmo instante. Com um ar de superioridade invejável, olhou nos olhos de cada um dos presentes e eles entraram em posição de alerta rapidamente, mesmo não recebendo qualquer ordem.
“Amanhã à noite estaremos na capital...” A determinação na voz de Caim era clara como a explosão de há pouco. “Não importa a fome, a dor, ou o cansaço que sentiremos no caminho. Temos que encontrar os Luz Branca se quisermos ter alguma mísera chance dessa missão ser concluída, entenderam?!”
“Sim!” O grito em uníssono deles foi impressionante e cheio de determinismo.
“Certo. Então arrumem suas coisas, partiremos agora.”
Os três homens começaram a arrumar todas as coisas do acampamento e a apagar qualquer vestígio de que eles estiveram ali. Enquanto isso, Caim observou o horizonte, de onde aquela luz vermelha havia vindo, de maneira inquieta e preocupada.
O que diabos foi isso...?
Ele ignorou seus soldados e se virou na direção do seu próximo objetivo. Já conseguia ver a academia e a universidade no horizonte, com suas enormes torres de pedra.
Enquanto isso, em uma dessas torres.
Hiotum descia rapidamente as escadas. A cada andar que ele passava, via os estudantes conversando entre si, tentando entender o que havia acontecido.
“Viu aquela explosão também?!”
“Lógico que eu vi, quem não veria?”
Ele parou abruptamente e se virou na direção daqueles estudantes.
“Voltem para seus quartos! Não sabemos o que está acontecendo, quando soubermos, contaremos o que aconteceu. Até lá, não se descuidem. Entenderam?!”
“Sim!”
Todos os presentes naquele andar se viraram de volta para seus quartos enquanto Hiotum continuava descendo as escadas.
Já seria a terceira vez que ele avisava os alunos para retornarem aos seus quartos, queria evitar o pânico descontrolado e esse era o máximo que conseguia fazer no momento.
Tenho que chegar nos outros anciões! Pensava apreensivo.
Depois de diversos outros avisos nos andares inferiores, Hiotum finalmente chegou ao chão e saiu apressado do dormitório.
As ruas estavam tão caóticas quanto no dormitório, diversos estudantes andavam por aí perguntando aos céus o que estava acontecendo e Hiotum passou correndo por todos eles.
Quando algum deles lhe perguntava o que estava acontecendo, ele respondia apressado que não sabia e pedia calma. No começo também pedia que eles voltassem para seus dormitórios, mas isso não funcionou uma única vez. Os alunos estavam preocupados demais para esperar em seus quartos.
Depois de um bom tempo correndo, ele finalmente chegou ao prédio principal da universidade. Parou por um breve instante para respirar e escancarou a porta.
Seus passos acelerados retumbaram por todo o corredor e quanto mais perto ele chegava da sala em que os anciões se encontravam, mais conseguia ouvir eles gritarem.
Assim que ficou de frente para a porta da sala, abriu-a sem pensar duas vezes. Aquele lugar parecia tão caótico quanto o lado de fora.
“Não devíamos nos preocupar tanto. Foi só uma luz!” Kalau gritou, tentando se sobrepor aos seus outros companheiros.
“Uma luz não pode ser tão simples. Isso me cheira a coisa dos humanos!” Artuno retrucou com o máximo de indignação e raiva que conseguia.
“Se os humanos tivessem um poder nesse nível, já saberíamos há muito tempo” Kalin, com sua típica voz doce e suave, soou o mais lógica possível enquanto batia os dedos na mesa, pensando numa teoria válida.
“A questão aqui não é o que era aquela luz...” Hiotum gritou enquanto se aproximava dos seus colegas, todos se viraram para ele. “A situação mudou, não viram o pânico que está lá fora? Temos que controlar isso para ontem.”
“Os alunos estão desesperados porque não sabem o que nos atacou.” Artuno retrucou com o mesmo tom de antes. “Enquanto não soubermos o que era aquilo, os alunos não vão se acalmar!”
“Não sabemos se algo realmente nos atacou.” Visina respondeu.
“Ela está certa, Artuno.” Kalau se levantou num sobressalto e falou impaciente com seu colega homalupo “Sequer sabemos se isso é coisa dos humanos.”
“Não faz sentido ser coisa dos humanos.” O único ancião da raça feline comentou enquanto puxava seu bigode de forma pensativa.
“Até você, Querap?” Artuno olhou para ele, indignado.
“Eles estão certos, Artuno, a verdade é essa.”
“O mais novo finalmente está sendo sensato.” Hiotum comentou se aproximando ainda mais do mezanino onde seus colegas estavam.
“Vai implicar comigo, Hiotum? Ou tem um plano?”
“Dá para dizer que sim...” Hiotum virou-se para seus colegas com uma expressão determinada. “Não temos o que fazer em relação àquela coisa.” Começou lentamente a caminhar, indo da direita para a esquerda.
“Como é?! Está nos dizendo para ignorar aquilo?”
“Não é isso que estou dizendo.” Hiotum não se virou para olhar Artuno nos olhos e apenas continuou andando.
“Então o quê?” Dessa vez foi Malar que falou. Com sua voz forte, marcou uma presença muito maior que a dos outros na sala. “O que está dizendo?”
“Nossa prioridade não é aquela coisa. Precisamos acalmar os alunos, ou melhor, as pessoas no geral. Principalmente agora que as aulas estão prestes a começar.” Como se sua mente de repente se iluminasse, Hiotum abriu um largo sorriso. “É isso!”
“Isso o quê?” Visina estava confusa, seus quatro olhos pareciam estar bem curiosos com a ideia de Hiotum.
“Em breve teríamos a semana de abertura e seleção dos novos representantes de classe, não é?”
Ele perguntou para ninguém em específico, mas todos acenaram positivo com a cabeça.
“Esse ano ela não vai acontecer da mesma maneira, mas essa é uma boa oportunidade de desviar a atenção de todos daquela explosão, para o que mais importa....”
Hiotum pausou brevemente, esperando por uma resposta, mas como ela não veio, continuou.
“Os novos representantes, nossos discípulos.”
Em alguns rostos, uma expressão de entendimento apareceu.
“Os nobres não terão a mesma oportunidade que tiveram nos anos anteriores para ver se os alunos são dignos de seus patrocínios, então a primeira olhada é a que mais vai importar.”
“Se não tivermos o patrocínio dos nobres...” Malar dizia seus pensamentos. “Eles não aprenderão técnicas melhores.”
“Exatamente, não podemos tirar o olho disso, além de que nos focar em termos uma grande apresentação inicial vai nos matar um bom trabalho. Dois coelhos numa cajadada só.” Hiotum comentou cheio de orgulho.
“Mas ainda não entendo por que iremos relevar aquela luz.”
“Ninguém falou em relevar, meu caro amigo de pelos cinzentos.” Hiotum se virou para Artuno e depois para os outros anciões. “Enquanto os calouros estão treinando, aprendendo e tentando conseguir o patrocínio dos nobres, nós vamos entender e descobrir o que era aquilo por debaixo dos panos. Seus discípulos mais velhos, por outro lado, receberão uma missão de emergência para procurar por respostas.”
“Agora é comigo que está implicando, Hiotum, minha discípula mais antiga?” Kalin perguntou irritada.
“Sim, por quê? O que aconteceu?”
“Minha discípula não está mais entre nós.”
Aquilo quebrou toda a linha de pensamento de Hiotum e ele sentiu uma leve pontada de culpa.
“Meus pêsames por sua discípula.” Ele fez uma reverência com o máximo de respeito possível.
“Não é o que está pensando, Vitra foi capturada como escrava.”
Aquilo quebrou ainda mais Hiotum. Acho que seria melhor a morte. Ele pensou, mas não disse nada. Aquele tipo de pensamento trazia esperanças para qualquer alma sã e Hiotum sabia disso.
“Eu...” Tentava dizer alguma coisa, aqueles meses longe do seu posto como ancião aparentemente fizeram uma boa diferença para ele.
“Não se preocupe com isso, é um problema meu. Apenas continue com o que estava dizendo antes.” Kalin abriu um sorriso simples, mas seus olhos estavam cheios de mágoa e arrependimento.
“Bem...” Relutante e constrangido, Hiotum se virou novamente para seus colegas. “Basicamente, meu plano é distrair a população e os alunos para acalmar os nervos, enquanto enviamos um grupo para descobrir o que foi isso.”
“Acho que é a única opção que temos...” Malar refletiu enquanto inquietamente acariciava sua barba. Um longo suspiro depois, ele continuou. “Ou melhor, não existe opção melhor no momento. Alguém tem alguma coisa contra?”
Nenhum dos presentes disse uma única palavra. Todos sabiam da situação em que estavam. Naquele momento, qualquer informação útil seria tão valiosa quanto ouro.
Com um aceno positivo, todos concordaram com Hiotum e Malar.
“Então discutiremos os detalhes a partir de agora.” Malar falou e começou a ouvir as opiniões e ideias de cada um dos presentes.
Enquanto isso, no dormitório de Arnok, a situação não era tão calma e organizada.
Ele andava de um lado para o outro evitando ao máximo possível olhar para sua cama.
“Qual o problema, peninha?”
O sujeito que havia aparecido do ar anteriormente deu uma longa risada. Parecia estar se divertindo.
“Isso não é engraçado!” Arnok finalmente se virou para o sujeito e o simples vislumbre do rosto, que ele havia queimado dias antes, fez suas mãos formigarem e sua cabeça doer.
“Para mim, é muito engraçado ver você morrendo de medo de mim. Eu já morri!” Ele abriu os braços como se estivesse comemorando. “Como consegue ter medo de um morto?”
“Cala a boca.” Arnok caminhou até a janela, ignorando completamente os comentários da... Alucinação? Do espírito? Ele não sabia dizer o que exatamente era aquele homem.
A única coisa que sabia é que não se sentia confortável perto dele.
Quando olhou a janela, a visão que havia tido antes não mudara em nada. Vários alunos continuavam pelas ruas, confusos e cheios de medo.
“O que diabos foi aquilo...?” Pensou em voz alta.
“Aquela luz? Provavelmente foi um meteoro.”
Arnok, surpreso, se virou para o sujeito. Como ele pode ter tanta certeza disso?
“Oras, isso é óbvio, garoto. Não tem como ser outra coisa.” Ele falou, respondendo os pensamentos do Arnok.
“Você consegue ler minha mente?”
“Tecnicamente, estou dentro dela. Então estou apenas lendo as mensagens que você deixa no mural.” Ele dizia aquilo como se fosse a coisa mais óbvia e natural do mundo, e a confiança que trazia em sua voz seria invejável para qualquer um.
Mas algo sobre aquele sujeito incomodava Arnok.
“Se você realmente é coisa da minha cabeça, como pode ter uma personalidade tão forte se eu mal conversei com você?”
“Não sei, talvez seja para facilitar o seu trauma, ou porque você ainda tem uma imaginação fértil. Nunca saberemos.”
Ele se levantou da cama e foi para a janela. Arnok inconscientemente se distanciou o máximo possível daquele homem.
O cabelo castanho e crespo do sujeito balançou ao vento quando ele chegou perto da janela. Era de fato impossível pensar que ele fosse uma simples alucinação, parecia vivo demais para isso.
“Aquele meteoro...” O sujeito dizia ao vento. “Não parecia ser algo simples...”
Arnok ainda não conseguia entender como aquele sujeito podia saber de tudo isso. Era ilógico pensar que uma alucinação soubesse até mais que ele.
“Como...”
“Não sei você...” O sujeito cortou Arnok antes que ele pudesse dizer algo relevante. “Mas estou realmente com sono.”
Ele caminhou até a cama de Arnok, deitou-se e puxou sua coberta até a cabeça.
Aquilo foi muito repentino e Arnok não soube como reagir. Ele piscou os olhos com força e depois que os abriu novamente, o sujeito não estava mais ali.
Não acreditava 100% naquilo. Olhou e revirou sua cama, seu quarto, do lado de fora da janela, e nada. Nenhum sinal de que aquele homem de cabelo castanho estivera ali em algum momento.
“Eu tô enlouquecendo...” O cansaço em sua voz não combinava com sua idade.
Arnok era jovem e mesmo que tivesse passado por muitas coisas, aquilo parecia ser algo completamente diferente. Seus receios e medos voltaram para lhe assombrar e ele não sabia como reagir a isso.
De forma lenta e hesitante, ele se deitou na cama. Ela parecia dura como pedra, por algum motivo. Talvez fosse a tensão acumulada que não queria se dispersar.
O sono demorou para vir, o barulho lá fora era irritante e a cabeça de Arnok estava a mil. Algum tempo depois, ele se entregou e finalmente ficou inconsciente depois do que pareceram horas.
Enquanto isso...
Caim e seus homens finalmente entraram na muralha.