Volume 1
Capítulo 12: Os doze Anciões
Quando entraram na capital, Arnok viu uma gigantesca área militar, cheia de pátios de treinamento, tendas que escondiam seu conteúdo e vários demônios que treinavam o tempo todo, fosse correndo, lutando ou se exercitando.
Levou algum tempo para eles saírem de lá, e o jovem não gostou do que viu.
Ele entrou na periferia da capital, um lugar onde humanos e demônios tentavam conviver juntos, com apenas alguns poucos conseguindo. Quase sempre um guarda estava tentando separar uma briga entre raças.
“Não consigo gostar desse lugar.” Hiotum comentou, apertando o passo dos cavalos enquanto se afastava das brigas.
“Posso imaginar o porquê.” Comentou Arnok, enquanto vários humanos o encaravam como se quisessem matá-lo.
Talvez eles queiram me matar mesmo, pensou.
“Não é só pelos humanos.” O homem falou. “Todos que estão aqui são pessoas que não querem lutar pelo próprio país, incluindo os guardas.” Ele olhou irritado para um grupo de soldados que passou correndo, tentando parar a briga de antes. “Esses caras preferem parar a briga entre dois sujeitos do que lutar nas fronteiras, são uns imprestáveis que não merecem sequer serem chamados de demônios.”
Arnok olhou torto por um breve momento para seu mestre. Nunca havia visto ele tão irritado com algo. Parecia haver um motivo maior por trás. Não fazia sentido ser algo tão simples quanto “não gosto de quem não luta por seu país”.
Mas o garoto não quis discutir e ficou em silêncio enquanto observava a situação da cidade melhorar.
Aos poucos, eles entraram na parte média da capital e as carruagens começaram aparecer, entregando produtos para cafeterias, restaurantes e outros tipos de estabelecimentos. Os demônios se divertiam ou faziam suas compras nesses lugares e mal se via um humano caminhando entre eles. Isso já era muito melhor do que a periferia, mas não se comparava ao epicentro da capital.
Ao chegar lá, a primeira diferença notada por Arnok foi a ausência completa de pessoas. Não havia mais casas de frente para as ruas ou estabelecimentos.
Agora havia muros de tijolos circulando grandes terrenos. No centro de cada terreno existia uma mansão grande o bastante para que uma comitiva de mais de cem pessoas se abrigasse lá dentro. Várias casas menores ficavam ao redor da mansão, possivelmente moradias dos empregados.
“Quem mora nesses lugares?” Arnok perguntou apontando para um dos diversos muros.
“Nobres.” Hiotum respondeu sem grandes rodeios. “Todas as grandes famílias moram em terrenos como esses.”
“Existem quantas dessas grandes famílias?”
“Não sei. Nunca parei para contar.” Abriu um grande sorriso cheio de orgulho. “Estamos quase chegando na universidade, acho que você já consegue ver uma das torres.”
E ele de fato conseguia. Mesmo de longe, a torre parecia imensa e Arnok já ficou impressionado, mas só estava começando.
Quanto mais perto chegavam, mais o menino escancarava a boca. A universidade era um castelo murado que ia até onde a vista alcançava. Várias torres se erguiam, todas sendo altas e grossas, cheias de janelas e escadas externas.
Lá dentro era tão impressionante quanto o lado de fora. Existiam vários pátios de treinamento com diversos estudantes recitando magias e lançando-as contra bonecos de feno, ou lutando uns contra os outros em lutas mano a mano.
Hiotum diversas vezes cumprimentava alunos que passavam correndo. Todos eles olhavam para o jovem junto dele, quase sempre com um olhar de desdém ou desprezo. Eles pararam a carroça em frente a um dos diversos prédios da universidade e Hiotum pulou no chão.
“Venha, temos que inscrever você.” Ele comentou. O garoto desceu da carroça e começou a segui-lo para dentro do prédio. Nesse meio tempo, os vários olhares dirigidos a ele não cessaram.
Quando atravessou a porta aberta por Hiotum, ele viu-se em um longo corredor bem iluminado e organizado, com diversas portas, cada uma com uma cadeira ao lado.
Os passos calmos e confiantes de seu mestre ecoavam por todo o corredor. Ele de repente parou de frente para uma das diversas portas, a qual parecia diferente das outras, cheia de entalhes e muito maior em tamanho.
“Se prepare, Arnok...” Hiotum falou num tom baixo, quase parecendo um sussurro. “Você está prestes a conhecer os doze.”
“Os... quem?” O jovem parecia confuso, mas sem qualquer resposta ou aviso prévio, o homem abriu a porta com uma força abrupta.
Atrás da porta, havia um cômodo gigantesco, com um longo mezanino em meia lua, colocada na parede mais longe da porta. Tinham doze mesas redondas com grandes cadeiras cheias de entalhes atrás de cada uma delas. Onze dessas cadeiras estavam ocupadas por demônios que olhavam atentamente para Hiotum.
“Finalmente decidiu voltar?” Um dos demônios falou enquanto se levantava. Ele era um drakodemono com longos cabelos brancos e uma barba tão grande quanto. Suas escamas vermelhas como fogo saíam de todas as partes do seu corpo e se espalhavam para o rosto e o braço.
“Sim, Malar!” Ele gritou afirmativa e, em seguida, olhou nos olhos de cada um dos presentes. Todos estranhavam o fato dele ter voltado com alguém. “E trago boas novas.”
“Quão boas?” Uma mulher de cabelo curto perguntou. Sua pele branca como quartzo destacava ainda mais seus olhos vermelhos sangue. Ela não havia se levantado e muito menos olhava para o homem, mas sim para o jovem atrás dele e suas asas negras.
“Arranjei um aprendiz.”
“Esse asa negra atrás de você?” Com desdém, o que estava na ponta mais distante comentou. Seu sorriso torto deixava ainda mais evidente as diversas rugas e suas olheiras.
“Exatamente. Algum problema com isso, Artuno?”
“Nenhum. Só não quero que crie um novo Morpheus, já temos problemas demais e sabe disso.”
“Não me importo com sua opinião sobre Morpheus...” Hiotum comentou irritado, sem olhar nos olhos do Artuno. “Mas eu não estou tentando criar alguém como ele. Vejo talento em Arnok e vim inscrevê-lo.”
“Sabe que deve testá-lo como Ancião e não como mestre, certo?” Malar perguntou.
“Sei.”
“Então vamos começar de uma vez.” Malar finalizou.
Instantaneamente, todos os presentes assumiram uma postura mais intimidadora e Hiotum se sentou na da cadeira vazia no mezanino, ao lado de Malar.
“Tragam a esfera de mana.” Malar gritou e a porta de entrada foi escancarada por alguém trazendo uma bola de cristal e uma mesinha. O indivíduo colocou a mesa e a bola de frente para os doze demônios e saiu logo em seguida. “Agora, pequeno asa negra. Coloque a mão na esfera.”
Hesitando, Arnok o fez. A esfera era fria ao toque e passava uma sensação estranha, algo como um abismo em que a luz não conseguia alcançar seu final. Mas o qual ele precisava pular.
Sem saber ao certo o motivo, ele o fez.
O centro da bola de cristal começou a brilhar e algo semelhante a uma chama surgiu no centro dela. Ela parecia perigosa e instável, estalando a todo momento, mas o problema não estava neste detalhe.
“Quando foi a última vez vimos uma chama degradê?” A mulher de antes perguntou para ninguém em específico, enquanto olhava curiosa para o Arnok.
“Cem anos, pelo que eu me lembre.” Malar comentou. “Mas nenhuma parecia tão instável.”
“Ela vai do mais puro branco ao mais puro preto...” Um demonkin comentou, olhando atentamente para a esfera. “Tem proficiência com dezenas de elementos, aparentemente, e todos têm um poder explosivo difícil de se controlar.” Ele abriu um sorriso. “É uma excelente mana interna.”
“Tem certeza disso, Kalau?” Artuno comentou, seu olhar de desdém ainda não havia sumido. “Só de ver daqui, percebo essas chamas fora de controle. Quem diria, Hiotum, esse garoto de fato não é como o Morpheus. É pior!”
“Será que você não pode parar com esses comentários, Artuno?” A única outra mulher da mesa comentou, ela era uma akutensei e seus quatro olhos fitavam o asa negra com curiosidade.
“Qual o problema, Visina?” Um cara bem mais jovem se comparado aos outros da mesa comentou, ele conseguia ter um olhar de desdém ainda pior que o de Artuno e suas longas garras de felino batiam na mesa num ritmo irritante. “Não gosta da nossa opinião sobre Morpheus?”
“Sabe que tenho a mesma opinião que vocês...” Ela comentou irritada. “Mas odeio o fato de odiarem este garoto, como se ele fosse o Morpheus. Estão deixando suas opiniões afetarem suas decisões.”
“Sou um mago de respeito, Visina. Não me diga como trabalhar!” Artuno comentou, eles se olharam como se quisessem matar um ao outro e se talvez não existissem seis cadeiras no caminho, o fariam com todo o prazer.
“Chega vocês dois! Está na hora do próximo teste.” Malar gritou de novo. Ele olhou irritado para os dois anciões naquela mesa como se fossem duas crianças mimadas. “Arnok, não é?”
“Sim senhor.”
“Agora que já ligou sua mana à esfera, coloque o máximo que seu corpo permitir.”
Arnok não entendeu inicialmente. Ficou olhando para aquela esfera brilhando e estalando em chamas, pensando em como impressionar aqueles demônios acima dele.
Ele se concentrou e sentiu sua mana como se fosse a primeira vez depois de muitos anos e pensou Encha-a. Sentiu um puxão por parte da esfera, que começou a crescer cada vez mais.
A chama no meio praticamente não mudava, apenas brilhava cada vez mais forte. O puxão era doloroso, mas Arnok não ia parar, ele sentia que conseguia aguentar muito mais tempo. Colocou mais força para a mana entrar toda de uma vez. O brilho foi tão forte e tão repentino que cegou todos os presentes.
Repentinamente, um estalo bem alto soou por toda a sala. Parecia com o barulho de vidro quebrando. Quando Malar recuperou a visão, ele olhou para a esfera que estava rachada e quase quebrando por completo.
“Arnok, tire a mão!” Ele gritou
No susto, Arnok tirou a mão e depois de um breve instante percebeu as consequências daquele teste. Ele se sentia muito cansado e sua mão, além de gelada a um ponto que ele nunca imaginou possível, tremia muito.
“Com isto, quantos neste período conseguem quebrar a esfera?” Visina perguntou, ela ainda tentava se acostumar à luz do ambiente e piscava sem parar.
“Sem contar nossos discípulos, sete.” Malar afirmou, olhando para o estado da esfera e dando um suspiro. “Mais uma esfera inutilizada.” Ele estalou os dedos e a mesma pessoa de antes veio recolher a mesa e a esfera.
“Uma mana explosiva e de grande escala...” Kalau murmurava consigo mesmo. “Você conseguiu um talento e tanto, não é, Hiotum?”
Hiotum não respondeu. Sua boca aberta e olhos esbugalhados deixavam explícito que ele não esperava algo nessa situação.
“Qual o problema Hiotum?” Kalau perguntou.
“Eu não esperava esse poder...” Hiotum parecia incrédulo.
“Você não o testou antes de vir para cá?”
“Não.”
Aquilo surpreendeu todos na mesa e eles olharam para Hiotum como se ele fosse um verdadeiro idiota.
“Por que diabos você não testou ele?” Malar perguntou, descrente do que havia escutado.
“Eu não levei equipamento algum. Não esperava encontrar um discípulo, afinal de contas!"
“Ok, isso não importa.” Malar colocou uma das mãos na têmpora e a massageou. “Kalin, faça-me esse favor... de começar o próximo teste.”
Sem dizer nada, Kalin moveu a mão e criou um bloco de gelo que aos poucos foi se moldando para um alvo. Ela o mandou para o outro lado da sala.
“Acerte-o o mais próximo possível do centro, tens uma chance.” Kalin disse.
O alvo ficou tão longe que era difícil para o jovem sequer vê-lo, mas estava confiante que conseguiria. Ele gerou uma pequena chama na ponta dos dedos.
Acerte-o. Pensou ele. Com a ordem dada, a chama saiu apressada da ponta do dedo e perfurou o centro do alvo.
“Conseguiu perfurá-lo facilmente.” Kalin comentou, olhando para o estado do seu alvo. “Meus parabéns.”
“Parabéns, Arnok!” Hiotum disse, se virou para Malar com um sorriso muito orgulhoso. “Então, o que achou do meu discípulo?”
“Vejo potencial nele. Conseguiu alguém interessante para ingressar na academia.
“Que bom.” Hiotum se levantou com o mesmo sorriso e saiu da própria mesa. “Agora, Arnok, nos dê licença por um momento, tenho uma coisa séria para falar com meus colegas.”
Ele se virou com um sorriso no rosto. Achava estranho o fato daqueles testes terem sido tão simples e rápidos, mas não se importou com isso. Agora ele estava ingressado na universidade.
Quando Arnok saiu da sala, o Hiotum caminhou até ficar de frente para os outros anciões. Ele já não tinha mais o sorriso de antes, estava sério e com um olhar sombrio perante eles.
“Temos algo sério para pautar!”