Volume 1
Capítulo 15 - Constrangimento
O ronco grave da moto se perdeu na madrugada como um trovão cansado, arrastando-se até morrer diante da casa de Marcos. As ruas desertas refletiam um brilho úmido, e cada sombra parecia se alongar além da medida, como se o próprio mundo estendesse as mãos para agarrá-los.
Clara desceu primeiro, mas não largou dele. Seus dedos estavam firmes no braço de Marcos, assim como seu olhar fixo no puro nada. O vento frio passava por eles, indiferente, mas ela o ignorava — só se importava com a proximidade dele.
Enquanto Marcos estacionava, mandou Clara o aguardar dentro da casa, para se aquecer. Ela obedeceu sem questionar.
O silêncio da sala era sufocante, somente os toques dos segundos do relógio, que eram por si só agoniantes. Clara respirava com pressa, como quem tem medo do próximo instante.
Marcos, por outro lado, ofegava devagar e trouxe consigo uma toalha e a entregou. A garota acenou com a cabeça e desapareceu pelo corredor. A porta do banheiro fechou-se com um clique.
Logo, a água começou a cair. O som do chuveiro se espalhava pelo ambiente, assim como as gotas que corriam sobre suas curvas. Suas mãos, frágeis, tremiam contra a parede fria, incapazes de segurar a si mesma.
Ela tomou um banho como nunca antes na vida. Esfregou cada parte de seu corpo, como se lavasse seus ossos de dentro para fora. Após um tempo, Clara se sentou de costas para a parede e observou a água fria se esvair pelo ralo. Seus longos cabelos negros a embrulhavam como um lençol, enquanto seus olhos seguravam mares de tristeza.
A lembrança do beijo voltou, e de imediato, ela apertou seu cabelo contra a cabeça. Limpou a boca até começar a soluçar com a memória e as palavras “Eu te amo, Marcos” ficariam marcadas para sempre como algo ruim.
Do lado de fora, Marcos esperava recostado à parede, a cabeça inclinada, os braços cruzados como se tentassem conter a si próprios. Mas não havia contenção. Seus pensamentos eram como cacos de vidro espalhados dentro do peito.
Tudo isso... é minha culpa…
O lamento de Marcos vinha do arrependimento. Se ele tivesse correspondido ao amor de Clara, talvez ela não estivesse naquele estado. Se não tivesse escondido os próprios sentimentos, nada daquilo teria acontecido. Mas por que ele a rejeitou? Havia uma lacuna na memória que o atormentava.
O som da água era como se fosse o sangue escorrendo. As lembranças do estado que a encontrou eram com um prego em seu peito. Ele fechou os olhos e tentou afastar as imagens, mas elas vinham com mais força. O chuveiro cessou. E Marcos ajeitou a postura.
A porta abriu devagar, e Clara surgiu. Molhada, os cabelos colados ao rosto, a toalha presa ao corpo curvilíneo. Não falou nada. Apenas o encarou. Marcos, mesmo sem responder, soube que aquele olhar era uma pergunta muda: E agora?
Foram juntos até o quarto. Marcos abriu o guarda-roupa e tirou algumas roupas. Uma camisa e um short fino. Estendeu a ela.
Virou-se, pronto para sair, mas sentiu um puxão leve em sua camisa. Ele congelou. Não a olhou, apenas ouviu. O som da toalha sendo solta, o atrito suave do tecido contra a pele. Cada movimento dela era sutil e delicado.
O ar mudou. O perfume dela começou a se misturar ao quarto. Não era só sabonete — era um cheiro vivo e doce como uma rosa. Marcos fechou os olhos. Quis afastar-se, mas seus pés ficaram presos.
Outro puxão, mais firme.
Ele se virou.
Clara estava só com a camisa dele. Larga demais no tronco, curta demais nas pernas. A pele dela brilhava sob a luz fraca. Seus olhos, silenciosos, não pediam desejo — pediam abrigo.
Sem palavras, Clara o fez sentar-se na beira da cama. Caminhou até o guarda-roupa novamente. Abriu uma das gavetas inferiores e retirou um pequeno kit de emergência — uma caixa de plástico esquecida, com uma cruz vermelha.
Sentou-se diante dele e abriu o kit. Retirou gaze, antisséptico e pomada.Começou a limpar os cortes em seu rosto. O algodão encostava na pele dele como neve ardendo, e Marcos não desviava os olhos dela em nenhum momento.
Clara mordia o lábio para conter as lágrimas. Seus olhos estavam marejados, mas ela resistia, não permitia que as gotas caíssem. Cada gesto seu carregava uma força quase desesperada: cuidar dele era, de alguma forma, cuidar de si mesma, apagar as marcas que o mundo havia deixado.
Marcos sentia não só o toque, mas o tremor das mãos dela. E, em meio à dor do álcool sobre as feridas, ergueu a própria mão e acariciou o rosto da garota. Foi um gesto mínimo, mas que fez com que Clara parasse por um instante.
Eles trocaram olhares. Não era apenas timidez — havia algo mais, uma culpa compartilhada, um peso silencioso que nenhum dos dois ousava nomear. Como se ambos soubessem que estavam em território proibido, mas ainda assim permaneciam.
Clara terminou o curativo, fechou o kit e o deixou no chão. Não disse uma única palavra. Apenas subiu ao lado dele, e juntos se deitaram.
O colchão pareceu suspirar. Clara se enroscou em seu braço, como se aquele espaço tivesse sido feito para ela. Encostou a cabeça em seu peito, deixando-se embalar pela batida do coração que, embora acelerada, soava como um abrigo.
Marcos, por sua vez, passou a mão pelos cabelos molhados dela, num gesto suave, quase reverente. Seus dedos percorriam cada fio como quem tenta decifrar um segredo. Inclinou-se e beijou-lhe a testa. Um beijo casto, mas carregado de promessas não ditas.
Ela fechou os olhos. Ele também.
E, finalmente, houve silêncio. Não o silêncio vazio de quem foge das palavras, mas o silêncio pleno de quem já disse tudo sem precisar falar.
Naquele instante, o mundo parecia suspenso. Os erros, as culpas, os medos, tudo estava guardado fora do quarto. Restavam apenas dois corpos cansados, duas almas dilaceradas tentando encontrar consolo no calor um do outro.
Marcos sabia que a culpa ainda o acompanharia, que nada daquilo apagava o sangue em suas mãos. Mas, ao sentir Clara respirar em seu peito, entendeu que talvez houvesse uma pequena chance de redenção — não no mundo, não nos outros, mas nela.
E Clara, por sua vez, descobria que não precisava de respostas imediatas. Bastava-lhe o aconchego daquele braço forte e o beijo leve na testa.
O resto, por ora, era silêncio.
Apoie a Novel Mania
Chega de anúncios irritantes, agora a Novel Mania será mantida exclusivamente pelos leitores, ou seja, sem anúncios ou assinaturas pagas. Para continuarmos online e sem interrupções, precisamos do seu apoio! Sua contribuição nos ajuda a manter a qualidade e incentivar a equipe a continuar trazendos mais conteúdos.
Novas traduções
Novels originais
Experiência sem anúncios