Dançando com a Morte Brasileira

Autor(a): Dênis Vanconcelos


Volume 4

Capítulo 103: Obcecado (3)

Nino, como seu pai e sua irmã, não gostava muito de conversinhas desnecessárias. Aproveitando a distração de Sol, que se vangloriava por algo tão insignificante, apareceu diante dele com uma velocidade aterradora e desferiu um soco no meio do seu rosto.

O impacto foi brutal, o rosto de Sol afundou na marca do punho de Nino e foi violentamente arremessado para trás. Porém... apenas um metro, antes que Nino o segurasse pela perna com uma força esmagadora.

CRECK!

O som do osso sendo quebrado ecoou. Sol, com sua regeneração instantânea, rapidamente restaurou sua face, mas abandonou a perna quando percebeu que Nino ainda a segurava.

Com um movimento rápido, se desvinculou do membro, deixando-o para trás enquanto regenerava uma nova perna, adaptando suas roupas para se ajustar à nova forma.

Seus olhos, agora mais claros, fixaram-se em Nino, e, por um segundo, Sol se arrependeu de ter apagado o sorriso daquele rosto. Seu corpo girou em 360 graus, a nova perna ganhando impulso, e com um movimento rápido, disparou um chute em direção do sobrinho.

CRECK!

Sua perna quebrou violentamente ao colidir contra o corpo do novo Preto, mas Nino não fez nenhum movimento, apenas o observou fixamente, como se nada tivesse acontecido. A perna arrancada, agora em sua mão direita, foi jogada de lado, se desfazendo em fumaça.

Sol arregalou os olhos; aquelas íris roxas intensas não brilhavam assim segundos antes. Nino ficou puto, e puto pra caralho.

BAAM!-BAAM!-BAAM!

Seu tio nem teve tempo de reagir, Nino o atingiu com três socos seguidos. Cada golpe afundou a carne de Sol como um martelo amaciando bife de boi, a dor sendo indescritível.

— RRRGGH!

Tentou bloquear os socos, mas a força de Nino era esmagadora. Não tinha força suficiente nem para reduzir a velocidade dos golpes. Percebendo sua fragilidade, desesperado, teletransportou-se para as costas de Nino, girando o corpo enquanto finalizava a criação de uma espada de sangue em sua mão.

Shk!

O ar cortou, mas seu movimento travou. Um clone de Nino, com a aparência de Anna, apareceu nas costas dele, olhando-o com uma expressão triste e melancólica.

BRAAAMMM!!

Nino, sem hesitar, atravessou o clone com um soco que destruiu Sol em um instante, arremessando-o dezenas de metros para o ar. Flutuando, sem controle, enquanto o vento uivava ao seu redor.

FRUU!

Criou suas imensas asas e se regenerou, mas, antes que pudesse se recompor, se deparou com o rosto de Nino a centímetros do seu.

BAAAAMM!

Outro soco direto, jogando-o para longe.

Com suas asas batendo freneticamente, se distanciou, mas Nino o alcançou rapidamente. Segurou sua perna, girou no ar e o arremessou contra o solo com uma força imensa.

BUUMMM!!

— Bleergh!

O impacto foi brutal. Vomitou bastante sangue, mas não teve tempo para isso. Antes que pudesse se recuperar...

BAAAMM!!

Nino desceu, mirando um soco diretamente em seu rosto. Mas Sol, em um último esforço, fez um rolamento rápido para o lado, juntando suas asas para desviar.

Porém, ao olhar para Nino, seus olhos se arregalaram em pavor ao ver que a pele do sobrinho estava completamente preta, uma fumaça densa envolvendo seu corpo. O medo tomou conta do Primordial.

Antes que Sol pudesse reagir, Nino desapareceu em um flash, teletransportando-se de maneira mortalmente rápida. O ataque, no entanto, deixou um rastro devastador, e Sol sabia que estava prestes a enfrentar algo muito pior do que imaginava.

BAAAM!...SHRRRIP!!

Surgindo da sombra do Primordial, chutou entre as asas, segurando ambas com as mãos e rasgou do corpo daquele ser, removendo-as com uma brutalidade sádica, apenas para vê-lo sofrer.

— RRRRAAGGGH! — rugiu de dor, virando o rosto para ele. Portais elementais surgiram atrás de si, mas Nino estava pouco se fodendo para aguardar seu poderzinho ser solto.

BRRUUUMMMM!!

Com um soco imbuído de magia escura, os portais foram interrompidos, desaparecendo com o lançamento de distância, usando Sol como disco, que Nino realizou.

Sccrrrchh...

Sol, irado com aquele moleque, deslizou nas areias já regenerado na barriga do rombo criado. Enquanto seu corpo se estabilizava no deslizar, olhava para frente, vendo aquela densa muralha de fumaça preta e roxa.

Não deu tempo para Sol reagir. Seus olhos, treinados para detectar até os menores movimentos, foram ofuscados pela escuridão ao redor. Duas lâminas surgiram sem aviso, camufladas nas sombras, e antes que pudesse esquivar, PLOCH!-PLOCH! foram cravadas com força em seu corpo.

As lâminas com correntes se prenderam no pescoço e no peito do tio. Logo se abriram como ganchos de escalada, se fixando com brutalidade em seu corpo, imobilizando-o instantaneamente.

Sentiu uma onda de dor intensa à medida que as correntes se esticavam, rígidas e implacáveis, enquanto seu sobrinho as segurava firmemente.

Sem um pingo de piedade, Nino girou seu eixo, o puxando com uma força monstruosa, lançando-o em direção a várias paredes de areia que surgiram à sua frente. Todas cobertas de lâminas, esperando pelo impacto.

BUM!-BUM!-BUM!-BUM!-BUM!

Arg-grRR!

Sol agonizava a cada impacto. Seu corpo se despedaçava, mas a regeneração sempre o mantinha vivo. Enquanto Nino o rasgava, sem desejar mais sua morte. A partir daquele momento, só queria ouvir os sons de agonia ecoando em seus ouvidos, sentir todo o desespero e medo que aquele ser poderia lhe proporcionar.

O Primordial não conseguia se soltar, nem controlar seu sangue ou evaporar o do sobrinho, mas Nino fez isso por ele. As correntes desapareceram, lançando-o para frente novamente.

BAAMSccrrrchh!

Foi lançado para o chão com uma brutalidade impressionante, batendo suas costas com força. Ainda assim, agiu rapidamente, usando suas mãos para se apoiar e levantar com agilidade, apesar do sangue jorrando de seus ferimentos.

Desgr... — rosnou, ofegante, a dor ainda pulsando em seu corpo.

Mas, antes que pudesse reagir, levantou o rosto e viu um rastro roxo cortar o ar em sua direção.

BRRUUUUMMMM!!

Sol tentou se levantar, tentou desviar, mas a velocidade da flecha era simplesmente imbatível.

Não deu tempo de proteger o coração, mas Nino não queria mais do que brincar com ele. Todo o corpo de Sol foi obliterado, restando apenas seu coração, que voava, girando para trás com o impacto.

Desesperado, sentindo todo o seu ser exposto enquanto o órgão voava, regenerou seu corpo mais uma vez. No entanto, com os giros do coração caindo, PAHFSccrrrchh! caiu de joelhos, com a boca aberta.

— Bleergh!

Vomitou ainda mais sangue — um fluido amarelo e reluzente, misturado com o arco-íris que formava uma cena grotesca.

Não tinha forças para mais nada, seu olhar fixado em Nino, que caminhava em sua direção com uma calma aterrorizante. As mãos preguiçosamente nos bolsos, o semblante de superioridade exalando desdém por cada segundo que passava.

O Primordial não conseguia desviar o olhar dele, a expressão naquele rosto foi gravada em sua mente há mais de cem anos. Mas, em vez de ver seu sobrinho, a imagem de Blacko voltava e voltava, com o olhar frio e desdenhoso, e o sorriso cruel que sempre era presente naquele rosto.

Uma cena traumática retornou com uma violência avassaladora...

Uma cena criada pela sua mente doente, uma lembrança distorcida e mentirosa, onde Blacko sorria, com um prazer doentio, enquanto matava a única de seus irmãos que realmente via como irmã.

Vendo novamente a sombra viva obscurecendo o rosto, via o sorriso insano de Blacko exalando prazer, enquanto a vida de Lua se esvaía em suas mãos. Girando o rosto lentamente, Blacko o viu parado na porta do Jardim, assistindo a tudo.

Sol se perdia em sua mente, atormentado por lembranças tão cruéis que o assombravam intensamente:

"Eu. Preciso. Salvar. Ela. Desse. Desgraçado. Eu. Não. Posso..."  Lutava para respirar, cada palavra, cada pensamento se tornando um esforço doloroso. Seu corpo regenerava, mas sua mente era um caos absoluto.

O ar parecia faltar, o desespero tomando conta de cada célula enquanto tentava controlar a tempestade emocional dentro de si. A cada palavra, fazia intervalos em sua mente antes de berrar internamente.

"MORRER AQUI!!"

FRUUUUU!

Se ergueu, suas imensas asas se expandindo com força, criando uma onda de poder elemental ao seu redor. Encarou Nino com fúria, sentindo as chamas da raiva queimarem dentro de si. Mas Nino, como sempre, permaneceu calmo, quase entediado, estendendo a mão e apontando o dedo indicador para baixo.

Uma aura lilás se formou ao redor do tio, e uma pressão esmagadora o envolveu imediatamente.

Ziiiihh...

O Primordial sentiu seu corpo ser comprimido, BAAMM!! pressionado como se todas as forças do universo estivessem contra ele.

Um grito de agonia irrompeu de sua garganta quando a dor se intensificou:

— UUUURRRGHTR!

SHHRRRRIP!!

As asas rasgando sua carne, a gravidade aumentando de forma insuportável. Cada músculo, cada célula queimava com a pressão.

— AAAHHHRRRGG!!

O sofrimento era imenso, mas não parava ali. Seu corpo sangrava em vários pontos, e suas roupas, que tanto prezava, estavam desfeitas e manchadas com o sangue de uma cor que jamais imaginou que veria em si mesmo.

O sofrimento físico não era o pior; o pior era a mente que não conseguia mais se manter em controle, que revivia a dor do passado, a dor de ser negado, a dor de ser "traído".

— Todo o seu poder pra isso? Conseguir apenas arrancar parte do meu braço?

Nino caminhou até ele, a postura relaxada e entediada. Seus olhos permaneciam fechados enquanto palavras de desdém escorriam de seus lábios.

— Me dê seu poder. Vou usá-lo bem melhor do que você.

Com um sorrisinho surgindo de volta em seu rosto, abriu os olhos, e Sol viu o rosto de Blacko se sobrepor ao dele em sua mente... mais uma vez. Sua mente, já despedaçada, não conseguiu suportar. A raiva, a dor, o ódio... tudo se condensou em um único ponto, como uma explosão prestes a acontecer.

Exausto daquela tortura, desesperado para arrancar aquela imagem de sua mente, queria apenas se livrar daquele ser maldito que o assombrava. Enfureceu-se, esquecendo-se completamente que Rag apenas esperava que ele fosse burro o suficiente.

BUUURRMM!!

Uma explosão de poderes elementais rompeu o silêncio do desfiladeiro. Lutando contra a prisão de gravidade que o imobilizava, reuniu todas as forças restantes em um único gesto desesperado.

Sua boca se abriu em um grito primal, cada fibra do seu ser canalizando a única palavra que podia surgir:

— RAGNAROK!

O ambiente mudou instantaneamente. Nino, antes fixo no desfiladeiro opressor, foi arrancado para uma nova realidade. Uma dimensão infinita se desenhou ao redor, um lugar onde as leis naturais foram abandonadas.

Abaixo de seus pés, um sol ardia em chamas arco-íris, irradiando poder bruto e incessante. Não havia céu, apenas um vasto espaço vazio, onde milhares de sóis queimavam como faróis isolados, piscando ritmicamente. Cada um carregava uma promessa de destruição total.

Perto de onde estavam, um sol menor ardia com chamas amareladas, intocado pelo Primordial. Era o único que mantinha a coloração original, um último vestígio de ordem. À frente desse espetáculo, a silhueta de Sol se destacava. Suas roupas largas tremulavam sob o calor intenso, seus olhos fixos nos de Nino, que observava a cena com o mesmo desdém característico.

— Tsc... — Nino soltou um som de tédio, seguido por um risinho que se curvava num sorriso de canto.

— GAAHRR!! VOU VAPORIZAR SUA ALMA, DES...

Antes que Sol completasse sua sentença, Nino sussurrou:

— Ragnarok.

De repente, um imenso olho se abriu atrás de Nino, uma íris preta imponente flutuando em meio ao vazio. Sua presença era sufocante. A luz da dimensão foi subitamente devorada pela escuridão, enquanto um coro de gritos ecoava, trazendo o lamento de almas perdidas na Purgatório.

Os sóis que antes queimavam intensamente agora ardiam em chamas pretas, quase tão densas quanto o próprio vazio. O fogo não iluminava; consumia até mesmo a esperança de enxergar.

Nada além daquele olho branco com a íris preta era visível. As chamas pretas não iluminavam absolutamente nada, mas, mesmo assim, era possível ver o fogo se movendo em cada canto.

Sol tentou se mover, mas o terror o paralisava. Sabia que qualquer movimento sob o olhar daquele olho onipotente seria sua ruína.

THUM! THUM! THUM!

Os gritos ao seu redor intensificavam, mas seu coração disparou... ao ver o sorriso.

Um sorriso largo e branco surgiu diante dele, flutuando como uma sombra viva.

PLOCH!

Uma dor lancinante atravessou seu peito. Nino arrancou seu coração pelas costas, atravessando seu corpo como se fosse feito de papel.

Crunch!

— A-...a-a...

O esmagou... o braço do sobrinho ainda atravessando seu corpo.

Chorando enquanto sentia sua vida se esvaindo, Sol curvou o corpo em um abraço em Nino, exatamente como Lua se curvou em Blacko no passado. Seus olhos tremiam, e o calor do lugar foi substituído por um frio cortante que congelava até sua alma.

Não sabia mais o que queria.

As lágrimas escorriam, mas já não sentia raiva, nem rancor pelo irmão. Não sentia mais nada. O corpo contra o de Nino parecia, de algum modo, confortável... como uma aceitação que Blacko nunca lhe deu... e que sabia que nunca daria.

— N-a...a...

Seu corpo começou a se desfazer, fragmentando-se até desaparecer por completo. Os olhos, carregados de dúvidas, sumiram sem encontrar as respostas que buscavam e sem alcançar o que desejavam.

Nino desfez a dimensão.

Observou a fumaça de Sol desaparecer no vazio e, por um breve momento, deixou os ombros relaxarem, tentando restaurar o humor que o outro havia lhe tirado. Mas então, uma visão o atingiu como uma lâmina invisível.

Um vislumbre de seu futuro: Aurora surgindo por trás dele, empunhando uma espada cintilante que descia com precisão mortal. O golpe abriu um corte vertical que atravessou seu ombro e alcançou o coração... Um impacto que não apenas feriu seu corpo, mas perfurou sua alma.

Assustado, seus olhos na visão se arregalaram. E ao retornar ao presente, o pânico ainda o consumia, pois a presença estava lá, imóvel, sufocante, a centímetros de distância. Quando percebeu, era tarde demais. A lâmina desceu com força implacável, carregada por um desejo voraz de vê-lo morto no chão.



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