Dançando com a Morte Brasileira

Autor(a): Dênis Vanconcelos


Volume 3

Capítulo 50: Esperança

Na manhã seguinte à morte de Jaan, uma jovem cruzava apressada os corredores do Palácio do Sol até finalmente entrar no salão do trono. Lá, o Primordial do Sol permanecia sentado, com a cabeça apoiada no braço e um semblante de tédio.

A jovem tinha os olhos completamente amarelo-claros, um vestido simples azul-claro e cabelos brancos com algumas mechas cianas.

"Jane... O que você está fazendo aqui?" Jeane ficou preocupada.

Jane se aproximou do trono e se ajoelhou.

— Pai... Por favor, mande subordinados para buscar meu irmão! Senti muita dor e ouvi gritos a noite inteira, como se ele estivesse pedindo socorro...

Sol olhou para baixo com soberba.

— Por que eu deveria fazer isso? Vocês não passam de decepções.

Ela levantou o rosto, olhando para ele.

— E-eu pintei meu cabelo para que você gostasse de mim. Não pareço com a Lua?

— Você achou mesmo que fazendo isso teria minha aprovação?

Ela abaixou a cabeça novamente, encostando-a no chão, e clamou:

— Por favor, papai... Salve Jaan!

Ainda olhando para ela com arrogância e nojo, respondeu:

— Não me importo que ele morra. Se você estivesse lá para morrer junto, seria ótimo nunca mais precisar olhar para essa sua cara horrenda.

Jeane permaneceu em silêncio, de pé ao lado do trono, como era obrigada. Olhando para sua filha, percebeu que Jane lentamente criava uma adaga de sangue, escondida.

"Filha, não faça isso, por favor..."

Quando Jane terminou de formar a adaga, se levantou rapidamente e avançou em direção ao coração de seu pai.

"FILHA, NÃO!"

Creck!

Sol segurou seu braço e o quebrou como um graveto.

— AAAIIII! AAAAAIII! — Jane começou a chorar, gritando desesperada de dor.

Sol, segurando o braço quebrado, se levantou, Sccrrrchh... e a arrastou para fora do salão.

— MÃE! MAMÃE! — clamava por Jeane.

Jeane começou a lacrimejar, deu um passo à frente, mas Sol, de costas, ordenou:

— Volte ao seu lugar! — Ele virou o rosto ligeiramente para ela e completou: — Ou quer ser punida junto?

Jeane travou, começou a chorar e permaneceu parada ao lado do trono, enquanto escutava sua filha gritar de dor sendo levada.

— M-M-ME DESCULPA!... POR FAVOR!... ME DESCULPA, PAPAI!

Sol a ignorou, arrastando-a pelos corredores do palácio até a masmorra no subsolo.

PAH-PAH!...

Ao chegar a uma escada, a jogou, fazendo-a rolar pelos degraus escuros e cobertos de lodo até parar sobre o braço quebrado. Jane chorava sem parar. No chão, ela o viu se aproximar, descendo as escadas com raiva.

Tentou se levantar, mas não conseguiu. Escorregou levemente naquele líquido espesso, gosmento e escuro. Antes de cair novamente, Sol a segurou com brutalidade, Rrrrrrppppp... e a arrastou pelo corredor do subsolo, deixando pegadas profundas e firmes, enquanto ela era arrastada por toda aquela sujeira.

As paredes de pedra, antes cinzas, agora estavam cobertas de lodo escuro. O ambiente era úmido, Poc!... Poc!... com gotas de líquido ainda mais escuro pingando das pedras. Rrrrrrppppp... a arrastou pelo chão de tijolos até as celas abandonadas, dominadas por insetos monstros como baratas zumbis, pequenas lacraias mutantes que se esconderam nas fendas ao escutarem o barulho, e larvas que se alimentavam do lodo nas paredes.

PAH!...

Sol abriu uma cela e a jogou lá dentro, sobre o braço quebrado.

— A-ah-aii... Argh...

O lugar não tinha nada além de um par de algemas enferrujadas presas à parede e um cheiro insuportável de corpos em decomposição. Nenhuma das celas abrigava outra pessoa, ao menos viva. Esqueletos estavam presos nas paredes, e em algumas, nem sequer ossos restavam, pois haviam servido de alimento para os pequenos monstros que dominavam aquele lugar.

Insetos comuns disputavam território, mas logo se tornavam alimento também, deixando esses monstros mais fortes, em uma constante mutação ao ingerir sangue. Se ao menos ela estivesse sozinha naquele lugar em desuso, seria melhor do que conviver com aqueles seres minúsculos e nojentos. Tremendo de dor, Jane tentava se mover, segurando o braço ferido, tentando amenizar o sofrimento.

A umidade do chão se infiltrava em seu corpo, e ela sentia um frio cortante naquele lugar, que não possuía nem mesmo uma janela para que ela pudesse ver a luz do sol.

— Você vai apodrecer sem comida e água, vai passar o resto da sua vida definhando até a morte. Você não serve para nada. Seu corpo, seu rosto, nada é igual. Sua inútil.

Jane, caída no chão, olhou para cima e viu o rosto de nojo de seu pai.

— Seu corpo me dá vontade de vomitar. Eu deveria ter arrancado você da barriga da sua mãe e matado antes de precisar olhar para você. Ptu! — Sol cuspiu no rosto da sua filha e se virou, saindo em direção às escadas.

— ...Me desculpa...

A única luz que iluminava aquele lugar vinha da porta, na escada. Ele não acendeu nenhuma das velhas tochas do local e, assim que saiu, Plahck! fechou a porta atrás de si. Jane ficou na mais completa escuridão, apenas conseguindo ver os pequenos olhinhos dos insetos que a observavam. Kr-kr-kr... o som das larvas devorando o lodo ecoava ao seu redor, kliklikli... e o barulho das patinhas das lacraias, se arrastando pelas fendas das paredes, completava o pesadelo.

— ME DESCULPA! — Continuou em lágrimas, deitada no piso, ouvindo os sons das pequenas criaturas ao seu redor durante o dia inteiro, enquanto seu corpo permanecia imerso no líquido escuro, um mar de sangue velho da linhagem do sol.


Na manhã seguinte, Jeane acordou ainda na madrugada.

Dormia no quarto de Sol, mas dificilmente em sua cama. Vendo-o descansar ao lado de quatro cumcudinas demônios da linhagem dele, saiu de fininho e se dirigiu até a cozinha do palácio.

Lá, conseguiu pegar comida e água com as servas, que a ajudaram sem denunciá-la ao Sol. Após receber o jarro de água e uma pequena cesta de pães, se dirigiu rapidamente até a escada do subsolo, conseguindo entrar escondida e levando o alimento para sua filha.

Quando chegou, fechou a porta da escada e usou uma pequena magia do sol para iluminar a descida pelos degraus escorregadios, indo com cuidado para não escorregar. Poc!... Poc!... O som das gotas batendo no piso ecoava enquanto o cheiro e a umidade daquele lugar se tornavam quase insuportáveis.

Ao fim da escada, começou a caminhar com mais facilidade, escolhendo pisar no centro das pedras, pois nas extremidades havia mais gosma. Iluminava o caminho à frente com o pequenino sol criado, e logo começou a escutar um choro baixinho. Jane se encheu de medo ao ver a luz se aproximando.

Jeane finalmente chegou à cela de sua filha e a encontrou deitada no chão, chorando baixinho e cheia de machucados. Seu vestido estava rasgado, o braço quebrado agora mais roxo, agravado pelo ambiente precário. Ela tremia, não apenas de frio, mas de medo, mas ao ver sua mãe, seus olhos brilharam, tremendo mais do que seu corpo.

Rrrrppp...

Jane se arrastou até a grade, desta vez não chorando para dentro, mas gritando bem alto. Segurava a grade com uma mão, e dava para ver nitidamente seus dedos roídos.

— Mãe, por favor, não me deixe aqui sozinha, mãe... Mãe! Mamãe, por favor, não vá! Por favor, mamãe! Não, não...

Jeane colocou a comida ao lado das grades para que Jane pudesse pegar e comer.

— Não posso, filha. Tenho que servi-lo lá fora, meu tempo está apertado... Volto amanhã com mais comida. — Jeane, sem olhar diretamente para sua filha, se levantou e se virou para sair.

— MAMÃE!... NÃO ME DEIXE AQUI SOZINHA!... NÃO ME DEIXE SOZINHA!... de... novo... ma...mãe...

Jeane continuou subindo as escadas, mesmo ouvindo o choro desesperado de Jane pedindo por ajuda. Quando sua mãe saiu e fechou a porta, Jane soltou a grade, se sentou no chão e, segurando seu braço quebrado, começou a chorar e soluçar ainda mais.

— Por favor... Me tira daqui, mamãe... — murmurou baixinho.

No dia seguinte, Jeane retornou às celas do subsolo com uma tigela de comida e uma jarra de água. Seguiu o mesmo procedimento de antes: fechou a porta atrás de si e usou magia do sol para iluminar a descida. Cautelosa, desceu os degraus para não escorregar, mas não percebeu que partes do lodo estavam mais esmagadas do que no dia anterior.

Ao chegar ao corredor, iluminou melhor o ambiente, notando os insetos das paredes se afastando com a luz. Caminhando, Jeane começou a ouvir sons estranhos e, instintivamente, diminuiu o passo, avançando lentamente enquanto mantinha a luz à frente.

A gosma nas paredes se movia lentamente, mas ali não havia circulação de ar. Os insetos, irritados pela luz, se escondiam cada vez mais nas fendas. A cada passo, Jeane sentia mais medo daquele ambiente escuro. O som de algo sendo mastigado tornava-se cada vez mais nítido. Finalmente, chegou à cela de sua filha. Estendeu o pequenino sol diante de si e viu Jane, de costas, morta, sendo devorada pela besta do Primordial Branco.

As costas de Jane estavam abertas, e a besta a devorava, com a boca cheia de sangue amarelo.

Jeane paralisou de medo.

Crash! Clec!

A tigela e a jarra caíram de suas mãos, quebrando e ecoando no ambiente, que agora não estava mais vazio.

— S-s-socorro...

Paralisada, não gritou; apenas se virou para tentar fugir, mas, nesse momento, Frufrufrufru... todas as tochas do local se acenderam em chamas brancas. Branco surgiu a centímetros de seu rosto, sorrindo para ela.

Jeane se assustou, Pashfh! e Branco a empurrou contra a parede ao lado da cela, sujando suas costas no lodo.

— Está indo aonde? — Riu, olhando para Jeane, que se encolhia de medo. — Acha que pode chamar alguém? Lisssck! — Branco passou a língua pelo pescoço dela, subindo para o rosto, enquanto ela tentava afastá-lo.

— ...

— Já foi um milagre sobreviver ao parto de gêmeos, uma meia-humana tão fraca como você. O que ele viu em você? Essa tinta no seu cabelo fez ele realmente fantasiar que você é a Lua? — Mexia a cabeça para os lados com um tom sarcástico. — Pelo menos esse objeto que você criou serviu de brinquedo e comida para minha besta.

Jeane não parava de chorar enquanto ele falava.

— Ooh... Que carinha é essa? — Colocou a mão no rosto dela, virando-a para si. — Por que está chorando? Que medo é esse que você está sentindo? — Ele, com a mão apertando as bochechas, PAH! a empurrou no chão com brutalidade.

Caindo em frente à cela, a segurou, levantou a cabeça dela e a forçou a olhar para sua filha morta dentro da cela.

— Olha só que cena mais linda... — disse, com um sorriso estranho no rosto, observando o desespero de Jeane. — Limpe essa bagunça, não quero voltar aqui e sentir esse cheiro de carne de meia-humana. Fui claro?

— ...

Jeane, muito assustada, não respondeu.

Branco virou o rosto dela para si novamente.

— FUI CLARO?!

— S-si-s-sim, vou limpar tudo, não se preocupe.

Pahf...

Branco a soltou e, junto com sua besta, saiu do subsolo.

Completamente desolada, Jeane chorava enquanto juntava os restos mortais de sua filha em um velho barril de madeira, no corredor, já repleto de sangue podre, espesso e escuro, que mal parecia ser da linhagem amarela. Passando a roupa rasgada de Jane pelo sangue, que dava cor ao ambiente sombrio, Jeane continuava soluçando, com a respiração trêmula, enquanto observava sua filha iluminada pela forte luz branca das tochas.

— Desculpa por não ter ficado aqui com você... É tudo culpa minha. — Jeane passou o braço nos olhos para limpar as lágrimas. — Eu... Eu fui fraca... E-e-eu não fui mãe...

Se sentou ao lado do corpo.

— Eu deveria ter tentado fugir com você! Eu... Eu deveria ter... EU DEVERIA TER MORRIDO POR VOCÊ! — Abraçou o corpo da filha. — Me desculpa, filha... Me desculpa por ter sido tão egoísta... — Tocou os lábios na testa de Jane com um beijo, segurando-a nos braços, aos prantos.


Havia uma sala quadrada e muito grande, com o teto e o piso brancos. As quatro paredes eram mágicas e invisíveis. Em todos os quatro lados, a escuridão predominava, mas havia uma fonte de luz dentro da sala. Era como um parquinho infantil: uma grande piscina de bolinhas, balanços e escorregadores... Cada bolinha, cada objeto eram inteiramente brancos.

Dentro dessa sala, um garoto com o número 21 gravado no pescoço se levantou antes das 49 outras crianças.

Assim que se levantou e olhou para a escuridão além da parede invisível, todas as outras crianças começaram a acordar e se levantar. Com isso, Tlac... Tlac-tlac-tlac! toda a escuridão desapareceu, revelando outros parquinhos ao longo do corredor.

21 não conseguia ver quantas eram, mas todas as salas eram iguais e cheias de crianças com números em seus pescoços. Todas usavam roupas brancas simples: uma calça e uma blusa, também com o número estampado em preto.

Riiiii-Roooo-Riiiii-Roooo...

Ao ver o número 176 na sala à frente, uma sirene mágica começou a ecoar pelo lugar.

As crianças não entenderam e algumas colocaram as mãos nos ouvidos, sentindo dor. Túnicas brancas surgiram, abrindo todas as salas. O som não causava dor aos túnicas, apenas afetava as crianças. Quando o som cessou, as crianças viram os túnicas estendendo as mãos como se as chamassem. Com isso, foram até os homens em grupos diferentes, sendo guiadas por eles.

21 seguiu seu grupo para outra sala ao longo do corredor. Ao entrar, encontrou um ambiente um pouco menor que o parquinho, mas muito diferente. Não era branca, e sim cinza, com grandes blocos de pedra retangulares. Havia correntes e algemas em cada bloco. As paredes não eram altas como no parquinho, e havia um vidro escuro contornando a parte superior da sala.

Os túnicas deitaram todas as crianças sobre os blocos e prenderam suas pernas e braços. 21, confuso, olhou para o homem ao lado, que acabava de prender a última algema. O homem pegou uma seringa de vidro e metal contendo um líquido amarelo e rosa que não se misturava.

— O-o que é isso, moço?

— É algo para o seu bem. Você quer sua mamãe?

— Quero... — respondeu, triste.

— Então, fique bem quietinho. Vai doer só um pouquinho.

Shiiirrp...

Injetou a seringa no braço de 21, assim como os outros fizeram com as demais crianças. 21 não conseguia ver o brilho amarelo fraco fluindo em suas veias, mas sentia seu corpo esquentar cada vez mais.

— Vou ver minha mamãe depois que acabar, moço?

— Sim. Ela já está esperando você do lado de fora.

21 abriu um pequeno sorriso, ficando alegre.

Eram 500 crianças divididas em 10 salas, com 50 em cada. Os túnicas saíram das salas, as portas se fecharam e tudo ficou em completo silêncio. 21 apenas olhava para o teto, tentando virar o rosto para ver as outras crianças também confusas.

Olhando um pouco para frente, viu uma silhueta passando atrás de um dos vidros escuros das paredes.

— Aaaaaargh!

— AAaaaargh!

— AAAaaargh!

De repente, gritos começaram a ser ouvidos, baixos no início, mas aumentando gradualmente. O procedimento começou e se espalhou de sala em sala.

— AAAAARRGGHH!!

A luz mágica branca na sala de 21 começou a piscar em vermelho e seus gritos se misturaram com os das outras salas.

Todas as crianças se debatiam e agonizavam em seus blocos; suas veias se tornaram visíveis e rígidas, parecendo querer sair de seus corpos. Algumas crianças começaram a pegar fogo, outras foram fritas ainda vivas, e muitas morreram instantaneamente ou explodiram devido ao contato com a magia artificial.

21 encontrava-se na mesma situação, as correntes pareciam prestes a ceder devido aos seus movimentos frenéticos. Ao seu lado, algumas crianças estavam imóveis, já mortas, com seus corpos duros em chamas.

Restam 290 crianças.

O procedimento cessou. 21 ficou ofegante, respirando profundamente e suando muito. Viu os túnicas passando, retirando os corpos das crianças mortas em uma espécie de carroça branca. Seus olhos estavam pesados, piscando lentamente, como se fosse desmaiar.

Nem percebeu que os túnicas saíram e, após mais uma piscada, as luzes começaram a piscar em vermelho novamente.

O segundo estágio do procedimento começou; todos voltaram a sentir dor e gritar. Várias crianças morriam a cada segundo, mas 21 não estava entre elas.

Restam 243 crianças.

— Senhor, é melhor parar por hoje. Devem estar no limite e precisam descansar.

Um homem, vestido com uma túnica branca, mais longa e detalhada, começou a rir.

— Coloque-os para dormir e volte para o parquinho.

Tcssssiiii...

Um gás mágico, derivado da magia da natureza, começou a sair de buracos no teto da sala. Juntamente com todas as crianças que sobreviveram, 21 caiu no sono.


Enquanto levavam as crianças, dois túnicas conversavam:

— Será que vai dar certo?

— Imagino que falhar não seja mais uma opção.


No dia seguinte, 21 acordou, mas não no parquinho. Ao ver o teto cinza, olhou para o lado e viu outras crianças ainda inconscientes. Ao lado de cada uma, um túnica injetava novamente o líquido da seringa. Quando chegou a vez de 21, o túnica segurou seu braço, Shiiirrp... e injetou a droga.

— Me tira daqui, moço, por favor... — disse baixinho, com voz de choro.

— Calma, garoto, não vai demorar muito.

Uma lágrima escorreu pelo rosto dele enquanto observava os túnicas saírem da sala. Vendo as outras crianças dormindo, 21 presenciou o momento exato em que as luzes começaram a piscar, e todas as crianças despertaram em desespero, gritando sem parar.

Restam 198 crianças.

No dia seguinte, todas as crianças acordaram nos parquinhos que ainda restavam.

21, em sua sala, andava de um lado para o outro, pensando em como poderia escapar daquele lugar. As crianças das outras salas o observavam, confusas, sem entender por que ele agia de forma tão agitada. Elas não queriam se mover, não queriam fazer nada. Já haviam aceitado que estavam presas ali, sem controle sobre suas próprias vidas.

Olhando para o teto da sala, 21 viu buracos e teve uma ideia.

— Vou tirar a gente daqui! Me ajudem a subir até lá! — Apontou para os buracos e as crianças da sua sala começaram a se empilhar umas sobre as outras para alcançar.

— CONSE... — Tcssssiiii... — gui...

Pah...-Pahpapapa-pah...

Assim que 21 colocou a mão no buraco, uma fumaça começou a sair dele. A torre desmoronou, e todos caíram adormecidos, despertando novamente na sala dos blocos de pedra. Lá, gritaram sem parar, com os olhos arregalados de dor, como se estivessem prestes a saltar de suas faces.

Restam 133 crianças.

21 acordou sozinho no parquinho, se levantou lentamente e olhou ao redor. Não via absolutamente nada, apenas infinitos parquinhos completamente vazios. Thum! Thum! Thum! começou a ficar ansioso e seu coração começou a bater muito forte.

O silêncio gritava em sua mente, e o desespero começou a tomar conta de seu corpo.

Fechou os olhos.

Quando os abriu novamente, o cenário havia mudado. Encontrava-se agora em um infinito branco. Assustado, fechou os olhos por alguns segundos e, ao abri-los, tudo continuava igual. Tentou mais uma vez, mas nada mudou.

Desesperado, começou a gritar, cobrindo o rosto com as mãos, mas sua voz não saía. O silêncio absoluto era ensurdecedor; nada que ele fizesse parecia aliviar a situação. A angústia, o medo e a solidão gritavam ao mesmo tempo, mas era tudo em silêncio.

Não conseguia pensar, não escutava seus próprios pensamentos; o silêncio era como um som agudo contínuo, rasgando sua alma, e ele não sabia como fazê-lo parar. Continuou abrindo e fechando os olhos desesperadamente, tentando voltar, tentando sair de lá.

Após várias tentativas, caiu de joelhos e abriu os olhos, olhando para o chão enquanto chorava. Nesse momento, viu uma sombra se formando no chão e rapidamente olhou para frente. As crianças de sua sala anterior o olhavam fixamente.

Todas abriram as bocas juntas e começaram a falar:

— Você disse que ia tirar a gente daqui.

As olhou, chorando, sem reação, apenas olhando sem tentar dizer ou fazer qualquer coisa.

— Se você ia nos tirar daqui... Por que eu morri?

21 continuou chorando, e as vozes das crianças ecoavam em sua cabeça.

— Por que eu morri?

— Por que você não cumpriu sua palavra?

— Eu merecia morrer?

— Eu não vou ver minha mamãe?

— Estou com medo...

21 não aguentava mais as vozes em sua cabeça. Caído no chão, tapando as orelhas, chorava sem parar. Mas, de repente, o silêncio voltou à sua mente. Levantou a cabeça e olhou para frente, vendo a si mesmo em pé, encarando-o.

Após alguns segundos de silêncio absoluto, o rosto do 21 à sua frente começou a se desfigurar, transformando-se em uma aberração repleta de braços e pernas de crianças, enquanto as cabeças lamentavam e choravam incessantemente.

O monstro olhou para ele no chão, e mais uma cabeça apareceu no corpo; a cabeça de 21 desfigurado gritou diretamente para ele:

— TENHO QUE TIRAR A GENTE DAQUI!

— Harff-afficuf-caf...

Despertou do sonho assustado no parquinho. Ao abrir os olhos, percebeu que era o único acordado. Olhou ao redor e viu novas crianças substituindo seus colegas que haviam morrido nos testes anteriores. Ao olhar para frente, avistou dois homens de túnica observando-o e conversando entre si.

Dominado pela raiva, 21 correu em direção a eles, Pham! mas colidiu com a parede mágica invisível que o cercava.

Se levantou, fechou os punhos e começou a socar a parede, Bam-bam-bam! mirando nos homens do outro lado.

— 21 parece estar desenvolvendo o poder divino — comentou um homem para outro, observando a criança com semblante irritado enquanto desferia socos que soltavam faíscas elétricas de seu corpo.

— Vamos iniciar os testes imediatamente — respondeu o túnica responsável, suas vestes maiores destacando sua autoridade.

As outras crianças acordaram com o barulho que 21 fazia, mas ao se levantarem, Pah-papapapah-pah... começaram a cair novamente. Tcssssiiii... 21 olhou para trás e percebeu que utilizavam o gás mais uma vez. Com os túnicas rindo ao fundo, intensificou seus socos, o poder artificial reagindo violentamente a cada golpe.

BACRECK!... Pah...

Um de seus socos foi tão forte que rachou a parede mágica, mas, logo em seguida, 21 caiu no chão, adormecendo como as outras crianças, enquanto faíscas de raio amarelo pulsavam em seu corpo.

Restam 119 crianças.

No dia seguinte, 21 ficou sentado em um canto da sala, os olhos arregalados e vazios, balançando a cabeça repetidamente.

Murmurava a mesma frase incessantemente:

— Tenho que tirar a gente daqui... Tenho que tirar a gente daqui...

Restam 80 crianças.

No parquinho, 21 permanecia de pé, mas com dificuldade, quase incapaz de se equilibrar.

Mesmo assim, continuava a repetir a mesma frase como um louco:

— Tenho que tirar a gente daqui... Tenho que tirar a gente daqui...

Restam 18 crianças.

O túnica responsável conduziu os assistentes, que arrastaram os 18 sobreviventes de volta ao parquinho. Assim que chegaram, a barreira mágica foi desativada, Pah-papapah... e eles jogaram as crianças inconscientes no chão como se fossem lixo descartável. O círculo mágico foi reativado imediatamente após.

Um dos assistentes, visivelmente animado, virou-se para o responsável:

— FOI UM SUCESSO! Três conseguiram magia elétrica divina, outros 15 com magia de gelo. Na hora de fundir, será um bom teste — disse, olhando para as crianças caídas.

— Façam os testes de risco, alimentem, e deixem-nas descansar por no mínimo sete dias. Não quero que esse teste falhe — ordenou o responsável.

— Mas é só um teste, podemos pegar mais no orfanato.

— Não é bem assim. As cobaias humanas estão acabando, e não sei se funcionaria com demônios.

— Podemos test...

— Chega.

O assistente abaixou a cabeça, em silêncio.

— Temos que mostrar resultados. Se falharmos mais uma vez, minha cabeça pode rolar, e eu serei substituído.

— Sim, senhor.

— Apenas faça o que eu lhe ordenei.

— Sim, senhor.

O assistente se retirou, e o responsável ficou ali, observando as crianças desacordadas com seus olhinhos ainda abertos no chão do parquinho.

— Não me decepcionem.



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