Volume 1 – Arco 1
Capítulo 1: Nascimento
06/07/2006.
Uma semana inteira havia se passado… Os canarinhos que habitavam as árvores próximas àquela pequena casa de cor branca, com portas e janelas azuis de madeira, no mais típico e encantador estilo mineiro, cantavam alegremente, anunciando mais uma manhã maravilhosa.
O vento, suave, balançava as folhas das árvores com delicadeza, e as plantas dançavam ao ritmo de um leve uivado, saudando a frescura de mais um amanhecer. Em meio a tudo isso, uma jabuticabeira, com sua folhagem densa, se unia ao cenário, mexendo suas folhas e alterando a sombra projetada sobre um ser imóvel sentado a seus pés.
Blacko não percebia a passagem do tempo. Seus olhos, fixos em algum ponto distante, não piscavam. Seu corpo permanecia ali, mas sua mente... sua mente estava em outro lugar, perdida. O que viu na televisão, as lágrimas de sua mulher escorrendo pelo rosto naquele dia fatídico, foram demais para ele.
Não se importava em ter tirado a vida de tantas pessoas, mas aquele ato… fez a mulher que tanto amava chorar, e isso não tinha perdão para si mesmo.
Durante toda a semana em que permaneceu imóvel, sentado sob a sombra da jabuticabeira — a árvore que ela tanto amava — o vento continuava a balançar suas roupas: uma blusa longa e uma calça feitas de seu sangue preto e de seu cabelo, da mesma cor intensa e sombria. Sua mente, em um turbilhão de pensamentos, continuava atormentada.
Seu olhar vazio, fixo na mata à sua frente, não percebia o mundo ao redor. Mas, naquele dia, algo mudou. Algo o trouxe de volta. Um grito, quase um gemido de dor e desespero, cortou o silêncio da manhã.
Dentro da casa, uma mulher grávida, vestindo um leve vestido amarelo-claro, estampado com girassóis, de cabelos pretos e olhos roxos, acordava para mais um dia. Mas a sonolência ainda tomava conta de seu corpo.
Tentou se levantar, indo em direção ao corredor, mas, antes de chegar lá, uma dor aguda se abateu sobre sua barriga. Uma tontura avassaladora invadiu sua cabeça, fazendo seu corpo vacilar.
Bamfh!
Sem equilíbrio, tentou se apoiar, mas colidiu contra a parede. O rosto suado, os olhos tremendo, as forças desaparecendo… Tentou gritar, mas a voz saiu trêmula e fraca:
— M-mãe... Mãe!
O gritou despertou Blacko.
Seus olhos se arregalaram instantaneamente e, sem pensar, virou o rosto para a porta dos fundos. Estava fechada, mas ainda podia ouvir o choro, a dor de sua mulher, ecoando em seus ouvidos.
Agindo como um animal selvagem, sem se preocupar com nada ao seu redor, se ergueu. Seu corpo, de impressionantes 2,10 metros, avançou sem hesitar, e, Trank! com um estrondo, arrombou a fechadura com sua força bruta, esquecendo até de como uma porta funcionava.
— Alice! — Sua voz transbordava urgência, a necessidade de vê-la, entender o que acontecia.
Atravessou a sala em um triz e se lançou em um corredor estreito, pequeno, mas decorado com quadros de paisagens que Alice havia fotografado em suas viagens pelo mundo. Quando percebeu a porta do quarto aberta, seus passos se aceleraram, mas, ao se aproximar, o que viu o fez parar.
Dentro do quarto, sua sogra ajudava Alice a se deitar na cama, prestes a dar à luz.
Sem compreender o que acontecia, deu um passo instintivo à frente, mas antes que pudesse avançar mais, um olhar severo o fixou. Sua sogra virou a cabeça e, com uma voz autoritária, apenas disse uma palavra:
— Saia.
Blacko paralisou momentaneamente, mas respondeu de imediato, quase em um reflexo:
— Ma...
— Saia! — O cortou com uma agressividade que ele nunca imaginou dela.
"Marta?" Sem saber como reagir, ficou ali, sem palavras, em total silêncio. Seus olhos se voltaram para Alice, toda suada, seus dedos apertando os lençóis com força. Os olhos dela cheios de lágrimas.
O Primordial sentiu uma dor profunda só de ouvir o som de sua respiração ofegante, o sofrimento de sua amada era um peso que não conseguia carregar.
Mesmo com a dor cravada no peito, decidiu obedecer. Se Marta precisava resolver sozinha, não ousaria intervir. Com um movimento lento e tenso, virou-se e saiu do quarto, tentando não fazer barulho, acreditando que sua presença ali era um peso insuportável.
Alice o observava o tempo todo, mas nenhuma palavra conseguiu sair de seus lábios. Quando Blacko se virou e ela apenas viu as costas daquele ser sombrio, uma lágrima escorreu de seus olhos. Queria se desculpar pela reação que teve ao descobrir o que ele havia feito.
A dor que sentia naquele momento se intensificava com o peso da culpa. Achava que a culpa era dela, por ele ter se afastado, por ter ficado em silêncio.
"Desculpa..."
Mas não era.
Blacko nem sabia quanto tempo havia se perdido em seus próprios pensamentos. O verdadeiro motivo de seu isolamento não era ela — era o medo, o medo do que viu na televisão, um medo profundo de um ser cuja raça sempre desprezou.
Blacko saiu e fechou a porta atrás de si, sua mente destroçada após tanto tempo tentando imaginar uma forma de mantê-las seguras. Sem forças para mais nada, Thumff! deixou-se cair sentado no chão, encostando as costas na parede e abaixando a cabeça.
Não demorou muito e os sons — sons de sofrimento, dor, tudo o que sempre amou — começaram. Mas agora, não vinham de seres que desprezava, sentia nojo, destruía, torturava, dilacerava por prazer. Agora, vinham de sua mulher, e aquilo era doloroso demais para ouvir.
Cada grito, cada gemido de dor, atravessava seu peito, afundando sua alma em um abismo que não sabia como escapar. Sua única reação foi cobrir o rosto com as mãos — seus dedos rígidos e curvados se tornaram garras, suas unhas naturalmente pretas cresceram como as de um animal selvagem.
Scrrrrechh!
Instintivamente, tentando aliviar a dor interna que o consumia, começou a se coçar freneticamente. Rasgava a própria pele, deixando que o sangue escorresse do rosto e caísse na calça, sendo absorvido de volta.
Seu corpo, como sempre, regenerava-se instantaneamente, curando-se com uma rapidez assustadora.
Seus olhos tremiam como gotas de água caindo em uma frigideira de óleo quente. Sua Marca Primordial, estampada em ambos os lados de seu pescoço, brilhava em um preto profundo e vívido, pulsando, reagindo a algo.
O sangue preto, de cor absoluta, gotejava de sua pele, respondendo à presença dos Herdeiros da Linhagem Preta.
O som dos gemidos que vinham do quarto continuavam o dilacerando por dentro. Cada suspiro de Alice o despedaçava mais, trazendo uma sensação esmagadora de impotência que destruía sua alma.
Mas então... o silêncio tomou conta, e foi nesse silêncio que Blacko sentiu uma presença… uma presença pequena, delicada, mas com uma intensidade tão grande que seu corpo inteiro se arrepiou.
— Ahrff... — Tentou expressar o que sentia, mas as palavras não saíam. Um suspiro ofegante escapou de seus lábios enquanto erguia o corpo com um movimento instintivo, jogando-se contra a porta, esquecendo-se de que era um ser racional. Não pensava, não sentia, apenas reagia.
Trank!
Mais uma tranca foi destruída, mas nada importava. Seu único desejo era vê-lo, senti-lo. Precisava sentir o que estava nos braços de Marta. Apenas queria segurar o bebezinho, o menininho de cabelo preto, um preto que quase nem dava para ver a sombra — um preto absoluto, como a marca do pai havia brilhado.
O Primordial havia perdido a noção de tudo. Como andar? Como respirar? Cada passo era estranho, seu olhar fixo à frente, apenas queria segurá-lo logo. Via Marta segurando seu filho enrolado em um pequeno tecido verde-azulado. O que sentia era fora do normal, um sentimento devastador; seu rosto, naturalmente fechado, não conseguia expressar o que sentia.
Marta o viu se aproximar, notando a dificuldade e a obsessão em seus olhos. Sem dizer nada, se aproximou e entregou o bebê.
Blacko segurou-o, olhando para o pequeno rostinho frágil. Ali, viu o bebê sorrir, com uma risada suave, os olhinhos brilhando ao olhar para o pai... Não conseguiu. Nada em seu ser seria capaz de reprimir aquilo. Um sorriso genuíno quebrou sua face egoísta, apática, sedenta por sangue e sofrimento.
Embora uma das coisas que resultaram no sorriso fosse literalmente querer fazer isso, causar tudo isso, mas na companhia do pequeno. Destruir tudo, exterminar raças. Por um breve momento, o caos de tudo se misturando em sua mente e o peso de sua ansiedade sendo dissipado sumiram, e tudo que restou foi a presença de seu filho nos braços.
Mas... esse alívio durou pouco. Um leve som de choro tirou Blacko de seu devaneio. Seus olhos pretos, disputando intensidade, fixos nos roxos do bebê, ergueram-se, encontrando o olhar de Marta, e então percebeu. Sua sogra chorando.
Não entendeu de imediato, até que, ao olhar para o lado, viu Alice deitada, com os olhos fechados, seu corpo imóvel. A verdade o atingiu com um impacto brutal: sua esposa não resistira ao parto.
"Não... Ela não era fraca. Não, ela sabia magia… Isso não deveria ter acontecido. O que aconteceu? O que aconteceu com ela? Quem fez isso?" Sua mente fervilhava, tentando processar o impensável, mas permanecia em silêncio, parado, encarando a cama onde sua amada repousava, sem vida.
Sabia, em algum lugar profundo de sua alma, que tinha algo errado. Alice não era uma simples mortal, não era alguém sem poder. Tinha magia, embora não soubesse utilizá-la minimamente. Deveria ter sobrevivido. Mas o que tinha acontecido, então? Uma dúvida aterradora corroía sua mente, algo não fazia sentido. Porém, por mais que tentasse pensar, não conseguia formar uma resposta clara.
Com mãos firmes, mas gentis, colocou o bebê na cama, cuidando para não machucá-lo. Olhou para o corpo de Alice e percebeu que, apesar do que havia acontecido, a cama se encontrava quase limpa de sangue. Alice não havia perdido tanto assim, e o vestido ficou quase imaculado, com apenas uma mancha de sangue, quase insignificante, que se misturava com o pano.
Sem dizer uma palavra, tocou o rosto de sua mulher, a pele fria ao seu toque. Marta, tentando controlar suas lágrimas, enxugava os olhos, mas o choro silencioso era um grito de dor.
Com um último toque delicado na bochecha de Alice, a ergueu nos braços, tratando-a com a mesma suavidade que um pai dedica a seu filho. Caminhou até a porta, com cuidado para não deixar que a cabeça de Alice batesse na quina de uma velha cômoda de madeira amarelada, marcada pelo desgaste do tempo nas extremidades.
Sobre a cômoda, havia um porta-retrato com uma foto dos dois juntos — Alice sorrindo e ele em pé, como um poste, sem entender como aquilo funcionava.
Fora da casa, Blacko seguiu até o local onde havia passado os últimos dias, sob a jabuticabeira — a árvore que Alice tanto amava.
FuUuuUuUuu...
O vento ainda assoprava, suave e irregular, enquanto os pássaros continuavam a cantar. No entanto, Blacko não percebeu nada disso. Seu sangue escorreu de seus pés, Crumnmn... penetrando na terra enquanto seu corpo criava a cova — a casa eterna, o novo lar para Alice.
A olhou pela última vez, os dedos ainda apertando-a, negando a realidade, desejando que ela estivesse ali, viva, com ele. Mas... não havia mais volta... O Primordial sabia disso.
Mwa...
Puxou-a e deu um beijo carinhoso em sua testa, com um acontecimento raro sendo presenciado — uma lágrima se formou em seus olhos, que sempre exalavam ódio. A colocou na cova, seu sangue a cobriu com delicadeza e, em seguida, retornou para dentro de casa, sabendo o que precisava ser feito.
Com pressa, foi até o quarto, onde Marta ainda segurava o bebê. Entrou em silêncio, seu olhar fixo na cômoda amarelada. Sem perder tempo, começou a procurar nas gavetas, pelo antigo material de escola que sabia que Alice guardou ali, depois que o mostrou a paixão que tinha por astronomia.
Crashc-cscvh!
O som do barulho das gavetas e objetos sendo mexidos interrompeu a "calma" do ambiente. Marta, incomodada com o som e preocupada com o bebê, o pegou no colo, afastando-se do barulho.
Em silêncio, o conduziu até a sala, onde um berço antigo de madeira aguardava, com as mantas que ela havia costurado, prontas para envolver o pequeno ser que agora carregava um pedacinho de sua filha e o peso de um futuro incerto.
Não demorou muito e, finalmente, encontrou o que procurava: um caderno e uma caneta.
Rarrrssg!
Rasgou uma folha e a apoiou sobre a cômoda. Com um movimento impessoal, começou a escrever. Sua expressão desanimada e distante, incapaz de se conectar totalmente com o que fazia.
Cada palavra escrita era uma luta contra seu próprio ser. Quando terminou, com os erros e rasuras típicos de sua mente desordenada, dobrou a carta com um gesto mecânico. Notando que não havia ninguém no quarto, foi até a sala.
Shhhuosruru...
Ouviu um som vindo da cozinha — Marta pegava um copo d'água — mas não se virou para olhá-la. Seu olhar, no entanto, foi fisgado... No berço, seus olhos pousaram, fixando-se em algo peculiar: seu bebê agora tinha três braços.
— Hãm? — Sua resposta, cheia da mais pura confusão, exalava com todas as letras que aquilo era novo para si.
Mas, sem hesitar, colocou a carta cuidadosamente ao lado do bebê no berço e o puxou, arrastando-o para o lado, fazendo-o se dividir em dois. Um menino e uma menina. Ambos com olhos roxos, herdados de Alice, e o cabelo continuava extremamente preto, como o de Blacko.
O menino tinha uma marca fraca no pescoço à direita, e a menina, à esquerda. A familiaridade dos rostos pequenos e o fato de ambos sorrirem para ele fizeram o peito de Blacko apertar. Tomado por um sentimento intenso, sorriu de volta, um sorriso quase perturbador... Seu rosto queria e não queria aceitar aquele sentimento.
Uma luta interna teve um vitorioso claro: sua expressão se fechou, voltando a ser sombria, séria, reprimindo a imensa alegria de ver seus filhos.
Enquanto escutava passos se aproximando, pegou a carta e a estendeu para a sogra, mais calma após beber água. Sua calma estranha contrastava com a turbulência interna que a consumia.
Marta pegou a carta, a olhou sem abrir, virou-a na mão e a observou mais uma vez, sem entender exatamente o motivo daquilo. Blacko, por sua vez, voltou o olhar para os bebês, com as mãos apoiadas na borda do berço. Sentia a conexão com eles, mas algo dentro dele ainda recusava essa realidade.
— O que é isso? — Marta perguntou, a voz ainda fraca e carregada de tristeza.
— ...Um pedido de desculpas — respondeu, sua voz sincera, mas com o tom impessoal que costumava usar, grosseiro e direto.
Marta franziu as sobrancelhas, confusa. Não queria escutar aquilo. Sua reação foi de irritação, não achava aquilo certo.
— E isso é hora d...?
Mas Blacko virou o rosto, encarando-a com um olhar penetrante, imenso, como um predador em frente à sua presa. Era um olhar sério, sincero, algo que Marta não imaginava ver nele. Não conseguia acreditar que aquele ser havia pedido desculpas por algo, mas ao ver aquela expressão, soube que era verdade.
— Entregue a eles quando estiverem maiores — Blacko disse, a voz firme, antes de se virar e voltar seu foco nos filhos.
— Não faça isso.
— Preciso tentar, Marta. — Nem mesmo a olhou enquanto respondia, apenas continuava observando os bebês, cujos bracinhos se misturavam, mesclando o sangue preto que compartilhavam.
Marta sentia pressa, queria intervir.
— Você está muito fraco... — Suas palavras não queriam machucá-lo, mas eram inevitáveis; a verdade sempre irá machucar.
Foram como facadas, mas Blacko já esperava. Sabia que não estava em posição de negar o que ela dizia.
— Eu sei — murmurou, a dor de sua própria fraqueza se refletindo na voz que mal saía de sua garganta.
Marta tentou mais uma vez, insistindo:
— Eles vão precisar de você...
A frase gerou uma explosão de raiva reprimida. O Primordial não queria ouvir aquilo. A última coisa que queria era mais palavras sobre responsabilidade, sobre o que já sabia. O que tinha que fazer. O que sempre faria.
Apenas queria silêncio, ficar sozinho, manter-se apenas em seus próprios pensamentos.
Mas, ainda assim, segurou sua raiva crescente e respondeu normalmente, embora deixasse sobressair um tom levemente grosseiro:
— Eu sei...
— Blacko!
Não conseguiu mais... O grito de Marta o atingiu como uma faísca. Sua paciência se rompeu e, com um rugido abafado, virou o rosto para encará-la:
— EU SEI, MARTA!
O grito reverberou pela casa.
Se não fosse Marta, já teria sido morta há muito tempo.
— ...
Após o grito ensurdecedor em seus ouvidos velhinhos, o medo que sentiu ao vê-lo pela primeira vez voltou um pouco mais forte, mas Marta ignorou, sabendo que ele não a machucaria.
Com a tensão no ar, Blacko finalmente se acalmou, seu olhar suavizando um pouco enquanto voltava sua atenção para os filhos, apoiando-se na borda do berço.
— Eu sei... — Seu murmúrio, cabisbaixo, ressoou no silêncio da sala. O peso das palavras, e das decisões que sentia serem inevitáveis, era quase insuportável.
Marta, desesperada e cheia de dor, mais uma vez tentava alcançar algo que nem sabia ao certo o que era:
— Por favor... — Sua súplica se quebrou, a voz trêmula, já sem forças. "Não quero perder todos..."
A resposta do Primordial foi dura, uma constatação fria, mas que via como necessária:
— Se eu ficar e nos encontrarem, meus filhos serão mortos. Se eu os matar primeiro, não haverá mais ameaça. — Seu tom era sombrio, calmo e rouco.
— M-mas... se você não voltar... seus filhos não terão um pai. — Essas palavras doeram, e doeram muito.
Cortaram Blacko de maneira visceral, mas o Primordial não cedeu. Seu olhar continuava distante, a mesma expressão de sempre, mas com uma dor oculta. Apenas ficou em silêncio, sem resposta.
Virou lentamente o rosto, encarando-a. Marta tentou manter o contato visual, com o rosto erguido para conseguir olhá-lo nos olhos, mas não conseguiu por muito tempo. Abaixou a cabeça, frustrada por saber que não adiantaria implorar.
— Acha que consegue? — perguntou, com as mãos fechadas, os braços esticados para baixo, trêmulos, bambos de impotência. Seu cabelo revelava fios brancos; a idade chegava. Marta continuou olhando para o chão, sem conseguir continuar a conversa olhando-o.
— É tudo... ou nada. — Sua voz, ainda mais arrastada, faltava a confiança que tentava transmitir. Uma confiança que não existia, que sabia não ter, mas que, por algum motivo, queria acreditar.
— Tsc... — A frustração da sogra explodiu em uma risada nervosa, tentando se afastar de um absurdo que não tinha resposta. Não sabia mais o que fazer. — Entendi... Faça o que achar melhor...
Ergueu o rosto, uma última tentativa de se conectar com ele, de entender o que ele pensava.
— Já decidiu os nomes?
O genro desviou o olhar, voltando a observar os gêmeos, enquanto respondia, com um tom quase desconectado:
— ...Será Nino e Nina.
Marta aceitou a resposta com um suspiro profundo, tentando engolir a dor que sentia.
— Entendi... — murmurou, tentando segurar as lágrimas, mas falhando miseravelmente. Balançava a cabeça afirmativamente. — Bem diferente...
Segurando o choro com todas as forças, viu-o se afastar, indo para o corredor sem olhar para trás. Blacko foi até o quarto, pegou um lençol marrom, velho e rasgado, de um armário, para cobrir o máximo possível de seu corpo e rosto.
"Minhas marcas..."
Não queria ser visto, principalmente por causa das marcas no pescoço, que não conseguiria esconder com sangue enquanto lutava enfraquecido naquele lugar onde não pertencia. Cobrindo-se, puxou um pouco o lençol, revelando o rosto, e começou a caminhar até seus filhos.
Olhando-os uma última vez, fez carinho no rosto de ambos, um toque rápido e brincalhão no narizinho de cada um, antes de se virar, vendo aqueles rostinhos de dúvida, curiosos, olhando-o sem reação, até que abriram sorrisos.
"Até..."
Virou-se abruptamente. Deixou o lençol cair para frente, cobrindo agora todo o seu corpo, deixando apenas a parte inferior da calça à mostra.
Mas, assim que chegou à cozinha e ergueu a mão para tocar a maçaneta da porta de entrada, uma voz trêmula foi ouvida, quebrando o silêncio:
— Eu nunca vou perdoar você se não voltar...
Ainda com a mão na maçaneta, sem se virar nem um pouco, Clec... abriu a porta e respondeu friamente:
— Eu sei.
Quando a porta se fechou atrás dele, Marta não conseguiu mais segurar o choro. Com um grito silencioso, Pahfft! caiu aos prantos diante do berço dos gêmeos. Não aguentava a dor que sentia; eram tantas coisas ao mesmo tempo. Sua mente girava, um tornado no qual foi colocada, procurando um apoio, mas não conseguia se estabilizar.
Enquanto o Primordial Preto caminhava para fora, seu sangue escorria dos sapatos — semelhantes a um tênis de cano alto — mas não penetrava o solo. Apenas serpenteava sobre a terra, formando um círculo no chão com oito marcas conectadas, entre elas, a marca presente em seu pescoço.
Com mais um passo, o círculo se completou, e Blacko desapareceu, indo resolver a merda que deixou... na Praça da Sete.