Volume 1

Capítulo 04: Corte Raso, Corte Fundo

Os membros temporários são direcionados a uma sala de aula, onde recebem um caderno de questões para uma prova escrita. Os temas variam entre estratégias de combate, filosofia, até legislação do reino direcionada aos clãs— todos abordados nos livros em que Haru havia empilhado ao redor do dormitório. A falta de sono regulado e concentração fez com que ele terminasse a prova rapidamente, o que lhe permitiu observar seus colegas de clã antes de entregar o teste.

Ao entregar a prova, o recrutado sente olhares de escárnio e desaprovação, mas caminha tranquilamente. No saguão, nota um placar de pontuação sendo montado — afinal, Anfell se orgulha da competitividade e do prestígio de seus cavaleiros. O desempenho dos membros reflete diretamente no sucesso do clã ou no ostracismo que poderiam enfrentar. Haru acha cômica a semelhança com o exército do Reino.

Minutos depois, a sala se enche com os postulantes, enquanto um oficial começa a preencher manualmente os placares. Os Kaiser Drache estão na terceira pontuação a poucos pontos atrás dos Eisfallken, os Falcões de Gelo, clã situado no extremo Norte do reino e quem divide o espaço entre os três grandes clãs de Anfell, unidos aos Touros de Bronze; e uma diferença pequena, mas considerável dos Erdenghule.

— Um clã que começou pequeno… — comenta Laki, ao lado de Haru, observando o brasão dos Erdenghule: um caixão com um goblin zombeteiro carregando uma faca pingando sangue. — Não é comum ver um "clã filhote" demonstrar tanta força em tão pouco tempo.

Haru percebe que os membros desse clã também os observam. Um deles parece até rir.

—Isso vai mudar nos testes físicos— diz Grimm, saindo minutos após a prova.

—Por que demorou tanto? —perguntou ela, curiosa.

—A prova estava difícil, queria o que?—o rear dá de ombros

—Eu falei para você estudar, mas não...

—Nem todo mundo é rato de biblioteca que nem você.

—Tenho até medo de saber sua pontuação —diz Laki , voltando os olhos para o placar. Ela nota que a diferença entre o terceiro e o quarto lugar diminuiu. — Magnus vai te esfolar quando a gente chegar.

—Pelos Doze, o que te faz pensar que a minha nota foi menor que a do Haru? —pergunta Grim, apontando o polegar para o recrutado.

— 90% das questões estavam nos livros que deixaram nos nossos quartos — o novato dá de ombros. — E como fui o primeiro a entregar, minha nota já apareceu. Posso garantir que fui melhor que você.

Ele olha para Grim com um leve desafio no olhar. Laki sorri ao ver os dois trocando faíscas – um contraste que, ela sabe, poderia extrair o melhor do amigo. “A raiva sempre foi seu melhor combustível, não é, Grim? Mas você ainda não percebe isso”, pensa, rindo discretamente.

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Os recrutados são conduzidos para calçar sapatos específicos para os testes físicos, supervisionados por instrutores até chegarem aos campos de prova nos fundos da academia. O sol forte indica que é quase meio-dia, e o concreto quente intensifica o calor. Haru sente desconforto nos calcanhares ao calçar os sapatos indicados, mas tenta não demonstrar nada.

—Formem uma linha de 5 pessoas! Quando forem autorizados, assumam as raias para começarem os testes físicos respectivos.

Os testes iniciam com uma corrida, seguidos de provas de resistência, força e proficiência com armas.

Haru corre junto de Laki, Grimm e outro membro de clã desconhecido. O incômodo nos pés cresce e, ao sinal de largada, ele tropeça, caindo de joelhos. Esforça-se para recuperar o ritmo. Grimm chega em primeiro, Laki em segundo, o outro recrutado em terceiro, e Haru em quarto. O resultado o frustra, e ele tenta compensar nos exercícios seguintes — mas os instrutores não parecem dispostos a oferecer brechas.

 

Nos testes de resistência, Haru levanta pesos que mal consegue sustentar, apenas conseguindo tirar blocos de pedra do chão. No último exercício, seus braços fraquejam, e ele bate o queixo ao cair sobre um dos blocos. Grim estende a mão, mas ele recusa:

— Não precisa ser gentil comigo… Só estou cumprindo ordens, já disse.

Por fim, formam-se duas filas em frente a um estande coberto por uma lona branca e suja. Dentro, duas mesas: uma para os recrutados, outra para os membros “puros”. Sobre elas, armas de fogo e de arremesso. Alvos estão à frente; supervisores, nas laterais. Outros soldados cercam o perímetro para evitar fugas.

Laki conta que um veterano presenciou um recrutado tentar fugir, sendo morto no ato. O grupo dele teve que continuar o teste em equipe com um membro a menos.

Chega a vez de Haru. Enquanto os colegas usam armas familiares conforme suas classes, ele observa atentamente as armas dispostas à sua frente.

—Não posso usar essas armas...—diz

—O que falou recrutado? —o oficial rosna.

— A manutenção delas é... pífia — responde Haru, pegando uma pistola. — O cão está solto, aquela espingarda está com o gatilho enferrujado e, pelo som dos disparos, é questão de tempo até alguém perder os dedos.

O oficial, embaraçado, chama seu superior. Após análise, o superior confirma os defeitos e ordena:

— Mande-o para a mesa dos puros. Faça isso com os próximos. E avise os que já passaram que podem refazer o teste, se desejarem.

Na mesa dos puros, Haru ajusta rapidamente as armas. Cada tiro acerta o centro dos alvos. Com facas de arremesso, o resultado é o mesmo. Sua familiaridade com espadas, arcos e machados também se destaca.

Ao sair, uma voz o chama:

—Hey, espera!

 

Um rapaz negro, ofegante, aproxima-se.

— Eu vi o que você fez. Foi a primeira vez que vi justiça aqui. Sempre percebi os defeitos, mas nunca tive coragem de falar.

— Não fiz por você. Fiz porque achei que era o certo.

— Mesmo assim, obrigado. Sou Nathanael Decker — ele sorri. — Pode me chamar de Nate. Sou dos Falcões de Gelo.

— Haru Kurotska — responde, começando a se afastar.

— Você é ex-militar, não é? “Conheça uma arma...”

— “...conforme conhece sua família” — completa Haru, parando por um instante.

— Exatamente! — Nate sorri, mancando. — Um recrutado pode ser um ladrão de pão ou um soldado rebelde, como eu.

— Sinto muito.

— Eu mereci a punição.

—VOCÊ VEM COMIGO!

Laki surge, puxando Haru pela gola.

Nate se despede, surpreso, e se afasta ao ser chamado por outra voz feminina.“A maioria aqui só quer sobreviver. Você lembrou a todos que a gente ainda pode agir com honra. Espero que um dia perceba, Haru Kurotsuka.” Ele hesita, pensando, mas segue seu rumo.

— Tira esses sapatos agora! — Laki ordena, furiosa

— Por que você tá gritando? — Haru, confuso, cai sentado.

— Tira agora ou te dou um soco!

Obedecendo, ele sente alívio e dor ao retirar os sapatos. Seus calcanhares estão inchados e cortados.

— Nunca aceitei esse tipo de tratamento com os recrutados — diz ela, limpando os pés dele com um lenço.

— Não faça isso...

Ela dá um tapa na testa dele.

—Cala a boca e me deixa fazer isso!

—Você sempre foi exagerada assim? —pergunta Grimm, se aproximando.

— Onde você estava, seu idiota? — ela rosna.

— No banheiro...

— Eu nunca escuto metade do que você fala. — Ela volta a atenção aos ferimentos. — Em dez minutos é o teste em equipe.

— Correção: em quarenta — diz Grim. — Parece que nosso amigo aqui causou um belo atraso.

— Como assim?

— Ele denunciou defeitos nas armas. Os recrutados poderão refazer o teste.

— Eu falei que ele não era inútil! — Laki aperta o calcanhar ferido por engano. — Desculpa!

— Ele só tirou vantagem de algo óbvio... — diz Grim, agora olhando Haru de forma diferente.

— Dessa vez, tenho que concordar... — Haru fecha os olhos, respirando aliviado.

— Mesmo assim, foi incrível! — Laki sorri, buscando partes limpas do lenço para cobrir os ferimentos. — Não é todo dia que um oficial faz isso.

— Foi sorte ninguém perder um dedo com aquelas armas — diz Haru, respirando fundo.

—Parecem que confundiram os dragões com salamandras filhotes!

A provocação vem de um clã desconhecido, que observa o placar. Os Kaiser Drache caíram do terceiro para o quarto lugar, mas a diferença entre os quatro primeiros é pequena. Laki se conforma com o avanço, mas Grimm parece frustrado.

Chegou a hora de mostrar que salamandras podem parecer dragões… mas nunca rugem como um.



 

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