Volume I
Capítulo 6: Aventureiro de classe F
Chegando na guilda, notou um ambiente relativamente vazio. Ele pensou que haveria mais aventureiros. Muitos magos, guerreiros e arqueiros. Não era o caso.
No vão central existia um guichê, com uma única atendente. Uma senhora de meia-idade com a cara simpática, chamada Lia.
— Com licença, gostaria de me inscrever na guilda como aventureiro.
Ela sorriu.
— Ora, ora. Então ainda existem jovens que preferem a guilda à legião do duque, ou às tropas republicanas. Qual o seu nome, rapaz.
— “Petrus” — disse, dando o nome do príncipe falecido —, mas pode me chamar de “Peppe”, por favor.
— Muito bem. Você vai precisar assinar aqui, rapaz. Vou explicar-lhe tudo.
Ela então deu-lhe uma pequena palestra sobre o funcionamento e a estrutura da guilda. Basicamente, os aventureiros eram separados em classes, de F, a mais fraca, até a A, a mais forte. Os ranks impactavam no tipo de missão que poderiam pegar e na remuneração que receberiam, bem como nos cargos que poderiam ocupar na Guilda.
Um líder de equipe, por exemplo, tinha que estar pelo menos na classe D.
Mas isso não importava muito para Peppe naquele momento. Ele só precisava de um álibi que justificasse seus ganhos, bem como de uma profissão lícita para transitar pelos países até a escola de magia de Rochedo.
Ele estava ansioso para chegar lá logo e aprender magia.
A atendente então encerrou a explicação, dando outros formulários ao rapaz e recolhendo dele a taxa de inscrição. Em seguida seriam os testes. Parece que ele deveria atender a certos requisitos físicos para poder ser um aventureiro.
A atendente pediu que a acompanhasse até uma sala lateral.
Chegando lá, ele notou vários equipamentos de malhar. Barras, halteres e anilhas de todos os tipos. Ainda que aquela fosse só uma filial em uma cidade fronteiriça, a guilda ainda tinha uma academia.
Pelo que a atendente deu a entender, todas as filias tinham uma daquelas, mostrando o poder e a influência da Guilda naquele mundo.
— Vá até aquela barra e faça três repetições, com os braços esticados para frente. O pescoço deve passar da linha da barra.
O teste começou.
Se fosse antes, dificilmente Guiseppe passaria. Meia repetição seria seu limite. Mas agora, depois da restauração mágica e misteriosa de seu corpo, o céu era só mais uma barreira a ser ultrapassada.
Ele fez as três repetições com relativa facilidade, deixando a atendente surpresa.
— Parece que alguém andou treinando para o teste, em? Ora... ora...
— Sim, hehe! — mentiu Peppe, sorrindo para a moça.
Em seguida foram flexões de braço, cerca de dezoito repetições. Fácil. Uma corrida de um quilômetro nos entornos do prédio da filial. Também fácil. E, por fim, o teste de armas e habilidades. Esse não foi tão fácil assim.
Para este, eles foram até em frente a um campo de testes, com alguns bonecos de madeira para o treinamento de esgrima e outros de palha, para o de arco.
— Desculpe, não tenho muito treino com nada do tipo — falou o rapaz, tentando ser sincero.
A atendente achou aquilo peculiar. Não era muito comum que um jovem com tal físico não tivesse nenhuma perícia marcial. A maioria ao menos tinha os fundamentos de como balançar uma espada, espetar com uma lança ou atirar com um arco.
— Bom, eu luto capoeira.
Peppe tentou encontrar alguma coisa. Aquela foi a única. E ele de fato era um amante da arte milenar brasileira, tendo alcançado o cordão amarelo e branco, quase se tornando um contramestre. Só a idade o separava daquela graduação, pois em técnica, todos diziam que ele merecia o cordão azul e branco.
Foi até um boneco de madeira e então resolveu mostrar alguns movimentos para a atendente, com fins de ser aprovado no teste.
Começou com a ginga, cantando algo em sua mente para entrar no clima. A moça o encarou perplexa, tentando entender aqueles movimentos estranhos de pé.
— Isso é algum tipo de dança?
Peppe fez que sim e continuou.
Para começar, deu uma meia-lua de frente, padrão, parando o pé antes de atingir a madeira, e voltando para a ginga logo em seguida. Uma cocorinha, ginga novamente, e então outra meia-lua de frente. Mas dessa vez ele acertou de fato o boneco de treinamento.
O resultado foi que ele caiu forte, espatifando-se no chão.
Não chegou a quebrar, mas aquilo foi o suficiente para mostrar a letalidade do golpe à atendente. Afinal, aquele amontoado de madeira pesava cerca de cem quilos. Não era muito fácil de derrubá-lo.
Ele ergueu o boneco do chão e continuou.
Saindo dos movimentos básicos, iniciou com uma queixada e logo em seguida resolveu trocar os pés pelas mãos, e as mãos pelos pés. Usou um movimento conhecido como Meia Lua de Compasso, que era uma combinação de ataque e defesa, onde as mãos ficam apoiadas no chão para ganhar impulso e girar com uma perna elevada, acertando o alvo em cheio.
Dessa vez o boneco de fato voou, parando na parede da academia. Se fosse um humano, com certeza teria chorado de dor. Movimento perfeito, até mesmo Peppe se surpreendeu.
Parece que as mudanças melhoram muito seus atributos físicos, mais ainda do que ele havia suposto.
— Muito bem, senhor Petrus. Meus parabéns por ter passado no teste. Aqui está seu documento de aventureiro. Ele lhe dará passe pela maioria dos países, bem como o direito de transitar pelos prédios da guilda.
— Obrigado, Lia. Muito obrigado mesmo.
Ele encarou o documento em formato de carteira, escrito "Classe F" e com o símbolo da guilda. Achou meio cafona, apesar de gostar de coisas assim.
— Boa sorte, estarei aqui se precisar. Aliás, ali está o mural. Se quiser começar, hoje mesmo coloquei algumas missões nele.
Ele acenou.
Ao ver o mural, encontrou as missões classificadas como de rank F, que ele estava apto a fazer. A maioria envolvia coisas do tipo "encontre meu gato", ou "colha seis quilos que capim-capocha para meu gado", e até "cuide dos meus filhos até o entardecer". O pagamento era bem ruim. O valor mais alto que receberia por qualquer missão daquelas seria o equivalente a 6 ou 7 cobres por dia.
"Puta merda. Legalizaram a escravidão, só pode", pensou, antes de decidir encontrar o gato perdido, que era o que pagava mais.
Aquilo custou à Peppe dois dias preciosos de sua vida, o deixando furiosamente puto com o pequeno felino, que no final das contas estava no sótão da idosa que encomendou a missão à Guilda. Parece que o bichano só estava com medo da nova companhia da velha: um golden gigante que o filho fazendeiro lhe dera.
— Aqui minha senhora, seu felino.
— Obrigado, meu caro rapaz. És muito gentil. Por acaso não aceitaria um pouco de mingau e uns biscoitos. Acabei de fazer.
O rapaz já ia fazendo cara de “aham, valeu, tchau”, mas uma palavra mágica lhe chamou a atenção.
— Você falou em mingau? — O cheirinho o deixou maluco. Fazia tempos que não apreciava um apetitoso mingau.
"Essa velha tem o dom", pensou, degustando a papada sobre a mesa.
No dia seguinte, voltaria à filial da guilda para recolher a recompensa e pegar outra missão. O que não esperava, contudo, era que, sem querer, ele acabaria preso em uma enorme confusão.