Volume 1

Prólogo

Eu me sentei em um penhasco, observando o fogo devorar tudo o que um dia foi meu lar. O crepitar das chamas ecoava incessantemente em minha mente, enquanto uma mistura tumultuosa de emoções borbulhava no meu peito. Isso não poderia realmente estar acontecendo; a Lua jamais permitiria isso… Minhas lágrimas se misturaram com as cinzas em meu rosto.

— Mãe… Isso é apenas um pesadelo terrível — Sussurrei, apertando meu colar.

— Kenshu? — Uma voz fria irrompeu o silêncio.

Olhei de relance, um elfo de longos cabelos negros se aproximava. Suas roupas estavam sujas de sangue e cinzas. Não ousou me encarar, afinal como alguém que fugiu teria coragem para tal?

— Deixe-me sozinho — Falei enquanto minhas lagrimas se misturavam a terra.

— Filho, Precisamos ir… — Ele disse, olhando para o chão.

— Vamos abandonar nosso lar assim como Você fez com minha mãe? — Algo começou a queimar em meu interior.

Ele virou as costas, sua postura se tornou ainda mais rígida. O elfo de cabelos negros e longos se afastou, e eu voltei minha atenção para as chamas que consumiam tudo o que eu amava. Em minhas mãos, segurava com firmeza uma pequena flauta prateada, um dos poucos objetos que sobreviveram ao caos.

— Mãe… Volta… por favor. — Minhas palavras saíram, se misturando a uma estranha fumaça vermelha.

(…) 

 

À medida que a floresta era consumida em chamas e cinzas, os elfos e os poucos soldados remanescentes se uniram em uma marcha rumo à Floresta da Prata, nosso último refúgio. A escuridão da noite já se instalara, e nuvens negras cuspiam fogo e cinzas, transformando o céu azul em um mar de trevas.

Meu pai se aproximou de mim, mas eu me afastei para um canto solitário. O encarei, sua expressão impassível, o mantinha distante de tudo, um rosto esculpido em pedra pela dor. Perdido em pensamentos. 

Apertei meu colar, onde talhado na madeira havia a lua azul do conhecimento, rezei baixinho em meu canto. 

Me sentei encolhido, arranhei a madeira com nervosismo. Observando os demais elfos que nos acompanhavam, olhares mortos e cabeças baixas. Todos se arrastavam sem vontade. No entanto, havia algo diferente, uma voz em meio ao medo e tristeza.

— Somente preciso de uma corda para atravessar o abismo… — Uma voz baixa começou a cantar uma melodia familiar em meio ao silêncio opressor.

— Por Lua! Quem está cantando? — O senhor cego berrou.

— Faça silencio! — Um dos soldados que nos guiava ordenou.

— Os Auralianos irão nos achar! — Uma senhora de bengala pirraceou.

A voz era suave e confortável, como uma brisa em meio à tempestade. Apesar dos protestos, a melodia continuou, baixa e determinada.

Curioso, meus olhos percorreram o grupo até encontrarem o dono da voz. Ele usava uma capa marrom, remendada e desgastada, e ostentava um sorriso largo com dentes faltando. Era como se a desgraça ao redor não tivesse o poder de diminuir sua alegria.

Nossos olhares se encontraram, ele sorriu e se levantou, vindo em minha direção.

— Por que essa cara? — O garoto se aproximou, com um sorriso quase banguela no rosto.

— Me deixe… 

— Claro, vamos ficar sozinhos juntos. — Antes que eu pudesse falar, ele se sentou ao meu lado.

— Você é burro? Só me deixa.

— Não posso abandonar alguém na sua situação.

— Tem outras pessoas na mesma situação que a minha — Me afastei lentamente.

— Eu sei, por isso irei ajudar a todos.

— Com esse sorriso?

— Também, mas para alcançar os outros vou precisar dessa flauta.

— Nunca… isso é tudo que me restou.

— Por Lua! — o garoto se estapeou — Então vai deixar ela juntando poeira? Um instrumento precisa ser tocado — o estranho sorridente estendeu a mão.

Ele continuou sorrindo, determinado e ignorante, era do tipo que nunca iria aceitar um não como resposta, ainda encolhido, entreguei minha flauta.

Ele a pegou sem cerimônia, apertou minha mão com firmeza, pude sentir o calor da sua mão. Seu sorriso era como uma chama em meio a escuridão que nos cercava.

— Qual obra-prima devo tocar? — Ele perguntou testando a flauta. 

— Corda bamba — Sussurrei.

— Essa e a minha favorita! — O garoto de sorriso esburacado pulo e inspirou.

Com minha flauta em mãos, ele começou a tocar. Fugindo da escuridão e à incerteza nem que seja por um minuto. O ar pesado deu lugar a uma bela melodia, que ecoava em meio ao caos. 

— Ei! Parem com isso! — Um dos velhos gritou com uma voz cansada.

Mesmo atraindo o desprezo dos mais velhos, ele alegremente cantava. Minhas lagrimas caiam enquanto relembrava o dia a tantas luas passadas onde minha mãe tocou pela primeira essa doce música.

Mesmo com as lagrimas que caiam, eu pude ouvir uma última vez… os velhos elfos começaram a balbuciar, mas antes que pudessem se impor. 

— Esperem… deixem a melodia continuar… por favor… — Meu pai se levantou com lagrimas nos olhos.

Com o tempo, mesmo os soldados que lideravam a marcha não conseguiram mais reprimir a melodia. Em vez disso, permitiram que essa doce voz se misturasse ao som dos passos e dos murmúrios sussurrados. Era como se o próprio ambiente se rendesse à sua música, formando uma trégua momentânea no caos que nos sufocava.

Quando a música acabou, os rostos tristes pareciam menos aflitos, porem isso não durou muito, a carruagem continuou seu trajeto pelas estradas tortuosas. Somente uma coisa me manteve com a mente no lugar, esse sorriso sincero.

Com o fim de sua apresentação ele se sentou ao meu lado, ofegante e tremendo levemente, esbanjava um enorme sorriso satisfeito. Ele estendeu a flauta em minha direção.

— Fiquei com ela… — Falei mesmo sem certeza.

— Obrigado — o estranho me encarou por um breve estante. — Qual seu nome?

— Kenshu…

— Prazer, sou Sekushi.

— Como consegue cantar com toda essa alegria?

— As melodias de Lua sempre me lembram dos bons tempos.

 

 

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