Volume 1

Capitulo 3: Memorias

Acordei com uma forte dor que perfurava minha mente como uma agulha. Respirei profundamente.

Retomando o controle de meu corpo, movi minhas mãos milhares de vezes para confirmar que ainda as possuía, a dor em meu braço esquerdo fez questão de me confirmar.

Senti o espetar suave da grama, ouvi os sons serenos da natureza: o suave zumbido dos grilos e vozes próximas, meu corpo uma vez mais se entregou a tranquilidade que a natureza provia.

— Somente um dia de paz…

Rompendo a tranquilidade que antes sentia, tão rápido quanto um relâmpago, uma agonia penetrante dominava cada centímetro de meu ser, era como se correntes me apertassem, fui largado, impotente frente ao desespero, juntamente, a grama castigava minha carne tão afiada quanto garras.

 Mãos tremulas e sujas de sangue me puxaram contra o chão, esmagando meu peito, próximos ao meu rosto, mascaras derretidas, que emitiam sons distorcidos, que pouco a pouco se tornaram uma risada leve e cortante, ouvi-la era como se todo meu ser fosse pisoteado.

(…)

Quebrando totalmente meu bizarro estado, duas vozes me arrastaram novamente a esse patético mundo. Lentamente retomei, a consciência, eu suava como um porco, além da enorme pressão em meu peito, meus olhos se abriam com dificuldade, fui lentamente encantado com as cores vivas da floresta.

— Acho que vi ele se mexer — sussurrou uma leve voz.

— Vamos vasculhar esse corpo, pode ter algo importante. — Senti duas mãos fortes em meu corpo.

— Mas isso é roubo! 

— Quem vai reclamar? Morto não fala.

— SAIA DE PERTO, NÃO ESTOU MORTO! — Levantei empurrando a figura que me tateava.

— Ahhhh! Desculpe senhor cadáver! Prometo comer meus legumes! — caindo ao chão, uma pequena figura começou a chorar.

Meus olhos, finalmente, se adaptaram a luz laranja da tarde, observei uma orelha pontuda em minha frente: esguia, de cabelos brancos e compridos, com um olhar morto, vestida em um sobretudo vermelho, uma espécie de broche dourado e desgastado, fez meu olhar pousar em seu ombro. E finalmente em sua cintura onde havia uma espada longa.

Escondido atrás da árvore, o pequeno elfo murmurava uma reza, me examinando com seus olhos grandes e castanhos, sua pele escura como a noite, camuflada pelo seu enorme manto verde cheio de bolsos e adornado com grama.

Uma dupla estranha, claro, faziam décadas desde que vi um elfo cinza, porem nunca me deparei com tal tom de pele. Preciso ficar de olhos bem abertos com esses dois, ainda mais com esse “Pesadelinho”.

— Quem diria você estava realmente vivo. — a elfa falou, me tirando de meus pensamentos.

— Desculpe cadáver, nunca mais profanarei mortos! — em choque, o pequeno rezava e tremia. 

— Não sou um cadáver, garotinho. Só tive uma péssima noite nessa cidade… Cadê a cidade?

— Cidade? — perguntaram os dois simultaneamente.

— Tive uma noite horrível e agora só quero uma garrafa. Que lugar amaldiçoado seria esse?.

— Estamos quase tão perdidos quanto você.

— Mas Bale, não… — com um rápido olhar da elfa, o pequeno se calou.

— Ótimo, me falem a parte em que vocês não estão perdidos 

— Por que iriamos confiar informações para um estranho?

Vamos pensar… o que poderia oferecer a esses dois, não tenho moedas,

itens mágicos, status e nem bebida. Terei que usar a única que ainda me resta.

— Tem razão, onde estão meus modos? Meu nome é Kenshu nakayama, imagino que todos estejamos no mesmo barco aqui, o que acha de andarmos juntos?  — Forçando um sorriso, estendi minha mão.

— Só não faz isso novamente — o pequeno Pesadelo falou com seus olhos vidrados em min.

— Certo? — o olhei confuso.

— Desde que não atrapalhe pode vir.

— Excelente meus novos colegas, poderiam me dizer o que esta acontecendo?

— Certo, mas antes devemos nos mover, Kron fique no meio e você Kenshu, cubra nossas costas — sacando sua espada a elfa marchava a frente.

— Entao… seus nomes nê? Bale e Kron pelo que pude reparar. 

— Sou o Kron! Mas você já sabia hihi — ele riu suavemente.

— Como você chegou aqui? — perguntou a elfa.

— Não lembro ao certo, apenas fui… pego em uma emboscada.

— Interessante, não viemos da mesma forma — falou Kron com sua voz curiosa

— Antes que pergunte, não temos ideia do porquê esta aqui, mas esse lugar tem a ver com a ordem do alguma coisa sagrada, você a conhece?.

— Ordem do sol sagrado. Bale, você viu algum animal por aqui? — disse o pequeno olhando ao redor.

Ordem do Sol? Já ouvi esse nome algumas vezes, esse era o grupo de mercenários fanáticos, ou talvez estejam se referindo a igreja do sol. Sem tempo a perder com teorias.

— Espera, o que exatamente vieram fazer por aqui? De onde vieram?

— Então… nós não sabemos — disse o garotinho.

— Como vocês não sabem? Ninguém acaba em um lugar sem nenhuma noção dos arredores.

— Fomos mandados para cá, porem acabamos perdidos

— Mas e o lugar de onde vocês vieram?

— Qual parte de perdidos você não entendeu?

Odeio mulheres de personalidade forte, terei que ignorar por hora, preciso pensar em como pular fora disso, e mais importante tentar lembrar como vim parar aqui.

Mergulhado em pensamentos, uma parada brusca juntamente ao cheiro de queimado me trouxe novamente a realidade.

Saindo dessa formação pude ver uma visão quase nostálgica, os resto carbonizados do que parecia ser uma enorme construção, a brisa soprava o cheiro de queimado em nossa direção, tomando a liderança Bale partiu na frente.

— Lugar bacana né? Arquitetura ousada — falei com meu olhar em Kron.

— Não entendi, o senhor gosta de lugares queimados?

— Era… deixa pra la, esse prédio deveria ser algum lugar importante? 

— Não sabemos ao certo, esta tudo muito confuso…

Antes que Kron pudesse falar mais, Bale fez um assobio juntamente a um

sinal com sua mão. Mantendo meus olhos atentos aos arredores, senti um calafrio que percorria cada parte de meu corpo.

— Podemos nos aproximar. — Kron se dirigiu a Bale em passos apressados.

— Então eles jogaram vocês em uma floresta no fim do mundo? Certeza que não foi apenas uma pegadinha de mal gosto?

— Não fomos jogados, viemos por vontade própria. — disse Kron

— Ei! Kron! Reconhece esse simbolo? — Bale estava com uma pequena placa de metal em suas mãos. 

A medida que nos aproximávamos da construção, um forte cheiro de carne

queimada impregnava o ambiente. Com um olhar atento era notável de onde esse cheiro vinha, diversos cadáveres humanoides estavam carbonizados em nossa frente.

— Ta muito apagado para entender algo. São cadáveres de verdade? — Kron se encolheu como um filhote.

— Realísticos demais para serem magia.  

— São recentes… esse lugar cheira a problema.

— Como percebeu isso gênio? — falou a elfa com um leve sorriso em seu rosto.

— Não seja assim com ele Bale.

— Sem problemas, criança, já lidei com peixes maiores. Posso examinar essa placa? 

— Claro pegue.

Bale arremessou a placa com força, porem habilmente consegui a segurar. Limpando a fuligem do objeto, meus olhos experientes o identificaram em poucos segundos, ergui meu braço, e a comparei. 

— Essa é uma dog tag, e esse simbolo não me e estranho.

— É assim que a de vocês parece? 

— Dog tag? — Kron encarava a pequena placa de metal.

— Você é jovem demais para ter visto, essa e a identificação dos soldados, aqui deveria ter informações como nome, sangue e a quem servia…

— Ei! Não sou nenhuma criancinha!

— Haha, ok, quantos anos você tem, então?

— Tenho 17,5.

— Ha! 17? Isso é um recém-nascido. Onde seus pais estão? Eles te deixaram se jogar em um lugar assim? 

— Nossa, você nunca cala a boca Kenshu? Viemos aqui por mérito. — as palavras de Bale me atingiram como rochas. 

— Tô tentando descobrir onde ela esta!  Mas tem sido difícil. — algumas lagrimas escorreram do rosto de Kron.

— Ah, bem, desculpa mesmo… Não tive intenção de magoar. — cruzei meus braços e fixei meu olhar no chão.

— Ta tudo bem. Podemos sair logo desse lugar? — Kron tremia levemente

— Vamos procurar uma vila ou qualquer lugar civilizado — falou Bale

Fazendo uma pequena saudação para os cadáveres chamuscados, retornamos a nossa formação. Como nos velhos tempos…

(…)

Adentramos novamente a densa floresta, galhos pontiagudos saltavam contra meu rosto, o silêncio reinava soberano, quebrado apenas por nossos passos em meio a grama.

A cada passo tinha certeza que já havíamos passado pela mesma arvore 3 vezes, minha cabeça girava e o silêncio ecoava em meus pensamentos, cada pisar era como se agulhas rasgassem minha mente.

— Kenshu? — as palavras de Kron vieram como uma brisa calma.

— Ah, o que foi?

— Você tá pálido, quer parar e descansar um pouco? 

— Não, só estava pensando.

— Sei… poderia me responder algumas perguntas?

— Claro. 

— Por que você tem 3 dessas coisas no seu braço?

— Você tem Olhos atentos. São… coisas importantes — encarei meu braço por alguns segundos.

— São de alguém importante?.

— Sim… se importa de não falarmos disso?

— Oh… sinto por trazer lembras dolorosas

— Faz tanto tempo que nem doí… tanto 

(…)

Um silêncio constrangedor dominou o ambiente. 

— De onde vocês são? 

— Somos do mundo — Bale rapidamente respondeu.

— Nos… — desviando o olhar, Kron se calou.

— Já ouviram falar alguma coisa da ordem do sol? Entrar sem conhecimento é loucura

— Ouvi passos, atrás de nos — falou Kron com os olhos arregalados.

Tentei sacar minha espada me preparando para o confronto, porem minhas mãos apenas agarraram o ar, uma sensação de vazio preencheu meu peito, nada havia em minha bainha, em meio ao meu choque sou jogado para alguns arbustos.

— Silencio — Kron disse enquanto olhava ao longe.

Os minutos se arrastavam e o silêncio reinava. Antes que pudesse abrir minha 

boca, um som de marcha foi ouvido, e ao longe saindo da densa escuridão uma tropa de 20 aberrações com uma vaga silhueta humana: seus olhos eram brilhantes e vermelhos, seus corpos escuros se mesclavam com as sombras da floresta, revestidos por placas similares a ossos. Alguns possuíam garras afiadas e longas, já outras caudas cheias de espinhos.

Contudo, um chamou minha atenção. Nojento de olhos verdes no centro da tropa: revestido por diversas placas ósseas. Onde deveria estar sua mão direita era ocupada por um arco colossal, andando com uma corcunda, lotada de espinhos que quase encostaram na copa das árvores.

Respirei com dificuldade, a cada passo minhas mãos tremiam. A cada vez que respirávamos, o medo nos invadia. Estávamos a poucos metros de enfrentar um combate impossível. A última das aberrações passou por nós, após o som de marcha ser engolido pela floresta. Finalmente, respirei aliviado.

— Aqueles Pesadelos… Tantos deles aqui? Como?

— Uma excelente pergunta, pena que não temos tempo de nos preocupar com isso.

— Já falei, vocês apenas caíram em uma piada de mal gosto, esses loucos jogaram vocês e outros idiotas desavisados para morrer para esses Pesadelos.

— Por favor, não deveríamos discutir aqui! Podem aparecer mais! 

— Ele ta certo, vamos apertar o passo — disse Bale se levantando com um olhar morto.

— Que seja, talvez devesse controlar sua linguá afiada.

— Para onde vamos?

— Seguiremos abaixados entre o mato alto, eu irei à frente e vocês ficam um pouco atrás, qualquer problema, farei nosso sinal — sem perder tempo Bale habilidosamente tomou a frente.

(…)

Juntamente com a queda das folhas, Bale desapareceu, quase como se fosse devorado pela floresta. Nos agachamos entre arbustos e o mato alto Kron me guiava, mesmo sem saber ao certo como ele estava se guiando, apenas o seguia com certeza que não iriamos nos perder. 

Meus joelhos rangiam e a minha respiração ficava mais pesada a cada passo. Os minutos agachados se transformavam em horas, o maldito silêncio da floresta retornou, nem mesmo um maldito pássaro cantando, tentei alcançar minha bainha, porem ela estava vazia, minhas pernas tremiam como as de um velho.  

— Kron? Como você esta? — Limpei o suor em meu rosto

— Normal, por quê?

— Você me pareceu meio cansado… 

— Pareço? Ok, paramos para recuperar o folego — Kron me encarou por um breve instante.

— Ótimo! Como avisamos nossa guia? 

— Assim — Aproximando as mãos da boca, um barulho similar a de uma coruja foi feito.

— Certeza… que ela ouviu? — disse com respiração pesada

— Sim, o que foi? — Bale emergiu das sombras

— Estou cansado, podemos parar?

— Certo, mas antes vamos em direção ao sul. — seu olhar parou em min.

— Por… qual… motivo? — falei com dificuldade.

— Avistei uma vila.

— Finalmente poderei sair dessa mata imunda.

— Qual seu problema com a floresta? — Kron me encarou com seus grandes olhos.

— Vivi na sujeira humana por muito tempo 

— Você era da onde?

— Estava em salmont antes de parar aqui —

— Mas você já viu alguma cidade elfica?

— Sim… — meu olhar se voltou para o chão.

— Poderia me contar algo de la? — Kron me encarou com seus grandes olhos brilhantes.

— Claro… — forcei um sorriso que logo sumiu. 



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