Cheaters Brasileira

Autor(a): Kuma


Volume 1 – Arco 4

Capítulo 58: As peças que se encaixam

 

Após a notícia de que a herdeira — dada como morta até então — de Roana voltou se espalhar, a cidade inteira entrou em polvorosa. Mais um motivo para a cidade sediar o festival, festival esse que estava apenas a dois dias de acontecer, e em vez de durar dois dias como seria a programação, duraria duas semanas!

Eles realmente tinham motivos para comemorar agora. Um dia antes do festival, uma cerimônia formal foi feita no ||TEMPLO DE KIN’ODESSA|| para consagrar Juno à sua deusa, a Princesa do Pensamento, que agora tinha a honra de representar.

Ela estava mais linda e radiante do que jamais estivera, usando um longo vestido de linho branco com cerdas transparentes e uma coroa adornada de ouro e joias brilhantes encrustadas como um linha brilhante de estrelas, representando o brilho e a esperança de um futuro iluminado e próspero para todas aquelas pessoas. E para mim também.

— Aaaah! Sua careta de uma figa! Não acredito que já vai partir! — Juno choramingava como uma criança birrenta, batendo o pé. — O festival começa amanhã!

— Eu sei, eu sei — repeti, revirando os olhos. — Mas realmente tenho que partir. Já estendi minha estadia aqui por tempo o suficiente.

— Só mais um diazinho ou dois não vai matar, vai! — ela insistiu, inflando as bochechas.

Eu a fuzilei com os olhos, tão frio quanto Lapis Lazulli. Suas sobrancelhas se estreitaram e eu continuei: — Acho que você não entendeu, né? Eu...

— Eu sei, eu sei... você tem uma missão a cumprir, né? Tem pessoas esperando por você do outro lado do continente — emendou Juno, sua voz leve como o próprio vento.

Eu suspirei e então deixei escapar um sorriso no canto dos lábios.

— Sim. E ela precisa de mim mais do que ninguém.

Juno esboçou um sorriso melancólico no rosto e seus olhos se iluminaram.

— Eu entendo. — Ela abriu os braços e me abraçou forte, algo que eu não estava esperando, então fiquei parada feito uma tapada, sem reação. — Obrigada por tudo, Lelê!

— Obrigado pelo que mesmo?

— Por me deixar roubar sua bolsa. — Ela respondeu, rindo. Nós gargalhamos juntas, um clima tão caloroso, como se já fôssemos amigas a tanto tempo.

Eu nem havia partido ainda, mas eu já começava a sentir saudades daquela mentecapta.

— Nah... eu que tenho que agradecer a você... — Fiz uma pausa, relembrando nosso encontro com Argos na torre. — Você desistiu de um desejo por mim. Podia ter pedido qualquer coisa que quisesse: poder, conhecimento, reinos e mais reinos aos seus pés..., mas usou para ajudar uma forasteira que tinha acabado de conhecer. Isso foi...

— A coisa mais incrível que já fiz por você? A sua salvação? A coisa mais fofa que já...

— Não exagera, tá? — cortei, a voz áspera.

Ela riu e voltou a falar, seu rosto corado enquanto sorria: — Acho que eu não poderia ter feito um pedido melhor. Ganhei algo dez, cem vezes melhor do que qualquer coisa que eu poderia ter imaginado...

— O crédito? O trono de ||GARDENMOON V||?

— Uma amiga.

Seus olhos se iluminaram e trocamos olhares silenciosos, deixando que apenas o momento falasse por si só. O coração se apertou e uma parte minha — tive que ser franca — não queria partir. Mas pelo menos uma coisa eu queria fazer, algo que eu não estava tão acostumada a fazer e soava até estranho para mim, antes de ir.

Agora era minha vez de corresponder ao abraço.

 

 

 

______________________________________________________________

Na entrada da ||TORRE DO MAGO SOLITÁRIO||, um predador faminto espreitava em busca de sua presa...

PLAYER: [Kildery]

 

Sumiu... minha refeição, minhas esperanças... tudo sumiu!

Quando terminei de seguir o rastro, tudo que encontrei foi uma torre alta e aparentemente abandonada; as paredes rachadas, a porta de metal enferrujada que não era aberta a muito tempo e a flora local se embrenhando entre as pedras mal empilhadas evidenciaram isso.

Ah, que saco! Justo agora que eu pensei que chegaria ao menos perto de saciar minha fome! Saco, saco, saco...

Cocei a cabeça e organizei as ideias. No entanto, não era preciso ser um gênio para saber que alguém esteve ali. Que algo aconteceu naquele lugar, apesar de não ter nada agora. Estava na cara de que a energia que senti pertencia a alguém muito poderoso e, pessoas muito poderosas, não conseguem se esconder por muito tempo.

Tapeei o rosto e foquei em sentir. Sentir algo que me levasse à essa pessoa, qualquer vestígio de magia, por menor que fosse... eu só precisava de uma centelha de magia para conseguir rastrear o nosso “ser poderoso”.

E eu encontrei!

— ||GARDENMOON V||...? Não... acho que é... pra lá, talvez? — Apontei para alguma direção contrária à cidade, perdida na nevasca que cobria a região. — Huum... não seeei. Acho queee é sim.

Quando senti de novo o odor da magia que detectei mais cedo, a barriga roncou com se uma montanha desmoronasse dentro de mim. Cruzei os braços na barriga e me encolhi, sentindo o incomodo no estomago.

Acho que até eu chegar ao meu banquete prometido, eu teria que fazer algumas pausas pelo caminho. Talvez alguns [SÍSIOS DAS NEVES] ou [ESPÍRITOS GLACIAIS] pudesse enganar minha fome daqui para lá.

Só me espere que estou indo atrás de você, minha refeição favorita!

 

 

 

 

______________________________________________________________

||PASSAGEM DE ANSUS||, extremo Norte da região de ||LHASA||, a alguns quilômetros da ||VILA DO SOSSEGO||.

PLAYER: [Letícia]

 

A partir de hoje, saiba que ||AMINAROSSA|| tem total apoio diplomático e militar de ||GARDENMOON V||. Isso simbolizará a eterna dívida que tenho com você, Lelê.

— E então foi isso, Thays — conclui.

Isso é incrível, Letícia! Sabia que podia contar com você. — Thayslânia falava do outro lado da linha de uma //JOANINHA COMUNICADORA// com grande satisfação na voz. — Agora temos aliados importantes do outro lado do continente. E você ainda conseguiu as informações sobre o paradeiro da biblioteca... estou impressionada.

Fiz apenas o meu trabalho — respondi, a voz contida.

Dirija-se então para o ||PORTO STRONGHOLD|| depois da ||CIDADE DOS VIAJANTES||. Irei entrar em contato com ||LACUNA|| para lhe enviarem um barco imediatamente.

— Entendido. Chegarei lá em, no máximo, dois dias.

Muito bem. ||AMINAROSSA|| está esperando por seu retorno.

AMINA-YUT! — saudei e encerrei a chamada.

Eu relembrava as palavras gentis de Juno antes de se despedir de mim. Ela me ofereceu alguns suprimentos para o resto da viagem — pois ela só poderia me transportar, no máximo, até depois de ||BASIN-C||, e por conta disso também me cedeu um cavalo vigoroso e saudável.

Eu trotava pela estrada seca entre as estepes, os cascos do garanhão marrom levantando poeira aonde passava. Ao longe, alguns monstros perambulavam pelos campos intermináveis, mas nada que fosse da minha conta.

O sol estava insuportavelmente quente, um contraste discrepante se comparado ao clima glacial e instável de ||REN DO SUL||. E eu estava muito mais habituada com as nevascas do que as pradarias empoeiradas.

E pelo relincho do cavalo, ele também estava cansado da viagem e do impiedoso clima seco do Norte de ||LHASA||. Ah, e aquele cavalo quando relincha... até mesmo os deuses sorriem.

— Acho que está na hora de pararmos um pouco para descansar, não é amigão? — Acaricie o grosso pescoço do cavalo com círculos tranquilizadores e ele resfolegou em concordância. — Muito bem... e onde vamos ficar então?

O cavalo empinou e, em um último acesso de energia, saiu disparado pelas estepes, dando meia volta e saindo um pouco da rota programada até a ||CIDADE DOS VIAJANTES||. Andamos mais um pouco e, ao longe, avistei uma lagoa isolada no meio das gramíneas secas, duas arvores altas e retorcidas fazendo uma sombra acolhedora sobre ela.

Mas já tinha alguém lá, também à cavalo. Devia ser algum viajante que, assim como eu, estava sobrecarregado por uma viagem quente e exaustiva. No entanto, todo cuidado era pouco naquele fim de mundo, principalmente com o avanço da ofensiva Andralina sobre a região. Eu tinha que estar preparada para tudo.

Ele colocou seu pangaré para beber água e ficou sentado nas raízes da arvore, distraído. Pelo visto, ele parecia ter a minha idade e seu tom de pele era escuro e bem parecido como o meu, mas vestia umas roupas esquisitas que eu nunca tinha visto antes com uma ombreira de ferro. Carregava um grande machado de batalha também. Devia ser algum tipo de ladrão de beira de estrada.

— Quem está aí? — Ergui um arco comum enquanto gritei. Consegui ouvir um ruído bem chato vindo daquele cara.

Ele pareceu se alarmar e mantive uma distância segura dele. Algo bem estranho — uma bola com asas —, que lembrava um daqueles monstros que enfrentei na ||FLORESTA DO GEHENNA||, surgiu voando e rodopiando no ar. Quem era esse cara?

— Levante as mãos e se vire devagar. E não tente nenhuma gracinha para cima de mim ouviu, garoto?

Ele se virou de uma vez e seus olhos se esbugalharam, demonstrando surpresa.

— Letícia?! — Ele me chamou pelo nome. — Letícia! Que bom tem ver! Nem acredito!

— Já nos vimos antes?

— É uma longa história... — disse com certo desânimo, seguido de um suspiro. E então, sua animação voltou segundos depois. — Cara... nem acredito que encontrei você...

— E como posso saber que não é um Andralino? — A corda do arco estalou sobre meus dedos em um aviso. Ele abanou as mãos. — Como posso saber que não é meu inimigo?

— Olha, olha... eu sei que parece estranho tá, mas... eu preciso da sua ajuda agora, Letícia. E eu não sou seu inimigo... — Ele começou a andar alguns passos na minha direção e eu recuei.

— Minha ajuda? Para o que, exatamente?

— O Arth... meu amigo... ele foi capturado por Andralinos! Nós nos separamos e eu estou a caminho de ||AMINAROSSA|| agora. Tem alguma ideia de como eu posso voltar?

— Eu estou indo para lá também — revelei, mas apesar de não aparentar ser hostil, me mantive cautelosa. — E seu amigo... ele foi capturado por Andralinos? Vocês são o que, soldados de alguma divisão Aminarosiana?

Ele pareceu confuso com o que dizer a seguir, o que só me deixou mais desconfiada, e então prosseguiu: — Na verdade, eu e ele somos aventureiros. Nós estávamos em ||BASIN-C||, mas os Andralinos tomaram conta da cidade e...

||BASIN-C|| caiu?! — Minha garganta pareceu secar. — Não posso acreditar!

— É verdade — reafirmou. — E agora estou com pressa para voltar.

A Thays sequer tinha comentado isso comigo, o que significava que essa notícia terrível ainda não tinha chegado aos seus ouvidos. Droga! Malditos Andralinos!

Mirei ele com um olhar afiado e ergui o arco novamente. — Diga seu nome, aventureiro, e então decidirei o que fazer com você! — ordenei.

— É Juniorai.

 

 

  ______________________________________________________________

Enquanto isso, do outro lado do continente, um rei jazia definhando nas vielas de seu próprio tédio...

PLAYER: [???]

 

Alarmado, um soldado entrou pelos portões e se ajoelhou imediatamente.

— Vossa Majestade, as tropas acabaram de voltar da incursão em ||LHASA||. A conselheira deseja solicitar uma audiência com o senhor! — informou ele, rápido e objetivo.

Eu bocejei, como se já tivesse escutado aquela mesma ladainha centenas, milhares, centenas de milhares de vezes... eu já até poderia prever o que ele poderia dizer após minha resposta.

Assim eu tenha respondido, sua reação será dizer: Mas Vossa Majestade, ela disse que algo de urgência.

— Diga para a Zelena esperar. Ela acabou de voltar e eu ainda estou decidindo um assunto de extrema importância.

— Mas Vossa Majestade, ela disse que é algo de urgência — o soldado respondeu com a voz trêmula.

Eu nem queria, mas o fuzilei com olhar assim que o soldado ousou levantar a cabeça. — Caguei, meu filho. Só vá logo dizer que ela pare de queixo e deixe esta merda para daqui a três dias. Não faça eu ter que repetir...

Senti o fedor nauseante do seu medo assim que ele respondeu.

— Co-como quiser, Vossa Majestade! — E então, se levantando, retirou-se da minha frente ligeiro.

Esses soldados... toda a vida era a mesma merda de sempre. Eles entravam, me diziam o que tinham que dizer, aparentavam o começo de um ataque cardíaco e deixavam o salão às pressas. Claro... eu não poderia culpa-los. Estava na frente do Rei do Abismo, Gabriel.

Para alguns, eu era uma espécie de divindade. Outro, um demônio. Todos eles me temiam pela minha força inata, uma energia obscura que fora capaz de colocar toda uma nação de joelhos. Como reagiriam de outra forma a não ser medo?

Era algo tão maçante manter aquela postura de rei impiedoso toda a hora, todo o santo o dia... que isso já virara uma ação automática minha. O medo e o respeito que impus fez com que todos me obedecessem cegamente, sem questionamentos.

Se eu quisesse que chovesse, choveria. Era simples, prático e um saco total. Acho que eu posso dizer que não lembro da última vez que tive emoção para fazer qualquer coisa que não fosse ler a última série dos Contos Épicos da Romarina, minha saga favorita.

O autor, é claro, tinha muito respeito — e medo, olha que novidade —, por mim.

— Buaah... que tédio da porra! Tomara que a Zelena tenha algo muito bom para discutir comigo depois de amanhã.

 

 

 

______________________________________________________________

PLAYER: [???]

 

 

Kuh-kuh-kuh... ♥

Todas as peças estavam em seus devidos lugares, finalmente. Os peões em suas posições, os reis e rainhas aguardando o virar da mesa.

Eles não tem nem noção... não tem o entendimento para compreender tudo o que está por vir. Ah, mas eles são deuses, não é? Eles podem tudo! São humanos, são obstinados!

Acham que sabem que tomam as próprias decisões, trilham seus próprios caminhos. Que podem amar, odiar, fazer guerras e alcançar a paz. Pobres coitadinhos!

Kuh-kuh-kuh-kah-kah!

Mal sabem eles... Tudo não passa de uma mentira sólida criada por aqueles que traçam os rumos da história. Aqueles que tem poder para decidirem pelos outros, que vivem para tolher aquilo que mais importa. O bem mais importante que os humanos, e eles mesmos, chamam de alma: O livre-arbítrio.

Sim... esse livre-arbítrio. Esse mesmo livre-arbítrio que tiraram de mim. Que me encantaram com a doce ilusão de acreditar que eu tinha e depois o tomaram. Tomaram tudo isso de mim incontáveis e incontáveis vezes.

 

E agora, meus queridinhos, eu vou tomar isso de vocês... ♥

 

 

NOTA: Esse é o fim do Volume 1, pessoal! Agradeço de coração a todos que acompanharam a história até aqui e vou continuar trabalhando e estudando muito para trazer a melhor história para todos vocês sempre. Agora darei uma breve pausa para reorganizar o material e colocar tudo em ordem, mas dentro de algumas semanas, estarei voltando com mais aventuras de Juniorai e seus amigos, então fiquem ligados!

Até o Volume 2, meus lindos!



Comentários