Volume 1 – Arco 4
Capítulo 50: Faça-me lembrar
Correria! Muita correria! Também não poderia ser diferente...
— Eu falei que não era para você tocar naquele conjunto de lanças, sua cleptomaníaca! — gritei.
— E como eu ia saber que ia ter uma armadilha lá?! — Juno respondeu, choramingando enquanto corria.
Haviam monstros gelatinosos em armaduras de placas resistentes, apesar de antigas, nos perseguindo por um largo corredor e empunhando alabardas tão gigantescas quanto enferrujadas. Eram como slimes tomando formas de armaduras antigas. Deviam pertencer a um conjunto antigo de algum colecionador de bugigangas.
Eu conjurei meu arco de gelo e me preparei para contra-atacar quando tive certeza de que tomei uma distância segura. O primeiro deles veio com um ataque da alabarda desengonçado, torto, feio que doía a vista, o ferro da armadura e da arma retinindo com os movimentos bruscos.
Esquivei projetando meu corpo para trás, semiarqueando os braços. O aço manchado de terra e ferrugem passou alisando as maçãs da minha bochecha. Continuei deslizando pelo chão irregular do corredor e encontrei o monstro seguinte, mirando minha |FLECHA LAPIS| no peito do desgraçado.
A aberração gelatinosa congelou e seu ataque freou ainda no meio do movimento. Pegando impulso em um vão entre duas pedras no chão, eu avancei rapidamente e encaixei um chute certeiro, fazendo a recém-estátua-de-gelo virar nada mais do que lascas espatifadas.
Menos um.
O da frente, por quem eu tinha passado antes, deu meia volta enquanto girou o tronco em outro ataque com sua alabarda, mas apenas aparando algumas mechas do meu cabelo. Me esquivei com um rolamento até chegar à parede onde precisei de mais um impulso para chegar nos dois monstros de armadura lá atrás.
O outro ao seu lado estava com sua alabarda em posição para lançar. Ele arremessou sua arma pelo corredor, pegando de raspão no braço de Juno. Com a lâmina em meia lua passando fino em seu braço, a ladra girou procurando algo pra se apoiar até bater com a parede, soltando um grunhido de dor.
— Merda! — xingou Juno pressionando a mão sobre o corte.
Me coloquei na frente deles e me agachei para subir em uma joelhada no focinho — ou pelo menos onde deveria estar um — dele, fazendo-o recuar dois passos. O que ainda estava armado, com sua alabarda em riste, revidou com um ataque pesado em varredura, arrastando poeira e pedrinhas menores com a força do movimento. Um ruído insuportável de ferro arranhando e perfurando pedra veio logo depois.
Me livrei por pouco com um salto que colou meus joelhos ao peito e mirei no seu pé uma flecha congelante que o prendeu, permitindo que eu me aproximasse facilmente. Um golpe, um abate.
— |FLECHA LAPIS|!
O monstro explodiu em lascas de gelo cristalinas e se espalhou pelo chão como o outro.
Dois a menos. Faltava mais dois.
O monstro gelatinoso que arremessou sua alabarda em Juno correu mais rápido em uma tentativa de me agarrar, ao mesmo tempo que o de trás veio balançando a lâmina de um lado para outro, cego pela fúria e pela vontade de me fatiar, como se capinasse um matagal alto.
Me agachei e juntei toda a força que tinha nas pernas para saltar. A lâmina chispou e encontrou a criatura desarmada de supetão, cortando o que seria seu pescoço e fazendo o resto da gosma se despejar por cada fresta da armadura de placas, que caiu no chão.
— |ESQUIFE DE GELO|!
Mirei e atirei no pé do único que sobrava. O projétil se expandiu e explodiu em um esquife que congelou o monstro completamente, formando uma parede de gelo para o resto dos bichos que vinham correndo atrás de nós. Ninguém nos perseguiria mais.
— Você está bem? Está ferida? — perguntei.
— Não, isso não foi nada. — Juno enrolou uma faixa no corte superficial e girou o braço rapidamente. — Viu só? Ai, ai, ai! — Ela tremeu com a dor em seguida.
— É, estou vendo que está bem. — Continuamos em frente calmamente, ouvindo de longe a legião de slimes armadurados arranhando a parede de gelo inutilmente.
Um salão imenso em domo nos aguardava à frente, ladeado por pilastras reluzentes de marfim e jaspe, as cores dançando em meios tons escarlates à medida que avançávamos mais para dentro da construção. Mais acima, um corredor era ligado à piso por uma escadaria — outra escadaria... — de degraus largos e esculpidos em um metal negro e único que eu nunca havia visto na vida.
Entre as pilastras, estátuas de monstros bizarros e pessoas se apresentavam em poses gulosas e majestosas; magos, reis e deuses juntos contando suas histórias em um mesmo espaço. Juno encarava todas as estátuas e pedras do salão com olhos desejosos, uma faísca de seu lado ladrão escapando de novo.
Eu queria acreditar que ela só estava ali para fazer o que disse que iria fazer e não sair levando a torre inteira em uma sacola.
— Olha tudo isso! Quantos tesouros! Quantas estátuas! Quantos...
— Dá pra se concentrar ou tá difícil? — reclamei, franzindo a testa.
Juno soltou uma risada boba enquanto alisava as mechas do cabelo.
— Ah, desculpa. É o hábito. — Ela balançou as mãos concordando e depois abriu os braços, encarando o salão. — Mas olha pra tudo isso. Quem diria que algo assim poderia existir e...
— Juuuno...
— Tá bom, parei.
Um hall com uma escadaria dupla de pedra negra estava erguido à nossa frente, cada escadaria levando a um corredor diferente. Dois caminhos para seguir e nos separar estava fora de cogitação.
— Acho que poderíamos tentar pela direita, não? — Sugeri.
Juno observou as duas entradas, torcendo os lábios e apertando os olhos em análise.
— Temos que ir pela esquerda! — determinou ela.
— E por que está dizendo isso? Como tem certeza?
Ela mandou aquele sorriso bobo para mim de novo enquanto pendia a cabeça para o lado.
— Intuição feminina!
— Uau, isso me passou 0 confiança! Que ótimo! — Minha voz tremia de tanta confiança.
— Ohohoho! Eu sabia que essa torre tinha surpresas, mas não me falaram que eu encontraria esses dois tesouros aqui bem na minha frente!
Uma voz nojenta e pingando malícia veio por trás, nos surpreendendo. Eram um bando de mais ou menos seis ou sete homens, todos armados com cimitarras e bestas de mão e broquéis. Vestiam roupas largadas; calças largas, muitos usavam apenas uma jaqueta ou nem usavam blusas; cintos e manoplas e ombreiras com pregos, além de tatuagens que inundavam seus corpos.
Muitos deles tinham cicatrizes e sequer tinham cabelo, a tirar pelo líder deles que possuía apenas uma franja trançada que escorria pela parte de trás da cabeça. Em seu peito esquerdo, uma tatuagem de um dragão se aninhava, cuja cauda subindo até seu rosto lhe passava um aura amedrontadora — menos para mim, é claro.
Juno o encarou, o retrato do puro terror quando o grandão com pinta de mercenário se aproximou.
— Ei, vejam só, rapazes! É a Jun-jun! E ela trouxe uma amiguinha com ela pra gente brincar! — disse ele em um tom malicioso.
— Juno, quem são esses esquisitos? — perguntei, minha expressão de tédio totalmente destoante com o quase surto da ladra ao meu lado.
— Lele, eles são...
— [ORDEM DO SANGUE DO DRAGÃO ANCESTRAL] pra você, delicinha — cortou o cara da tatuagem de dragão no peito.
— Ordem? Pff... está mais para um grupo de mercenários de beira de esquina.
Juno abriu a boca de um jeito que pensei que sua mandíbula iria cair aos seus pés. O maior deles — e com certeza, o líder — veio com um olhar torto até mim e se abaixou na minha frente pra me encarar enquanto o resto nos cercava. O desgraçado SE ABAIXOU NA MINHA FRENTE!
Esse cara tinha mesmo muita coragem. Já noção...
— Você é estrangeira, né não?! Parece que não tá sabendo do perigo em que tá se colocando, ô pequenina!
— Me chama de pequenina de novo que eu vou te mostrar o que é o perigo — respondi, trincando os dentes.
Senti Juno me puxando para trás em um tentativa desesperada e ridícula de me tirar de perto daquele metido a ladrão de vilarejo. Ela estava ofegante, seus olhos se projetando do rosto como se fossem saltar.
— Lelê, pelo amor da deusa, não se mete com eles! Esses caras são perigosos — arquejou Juno, segurando meus ombros.
— Esses otários não fazem ideia de quem eu sou — disse enquanto empurrava Juno do meu caminho.
— Esse cara aí é Oolong Ark! Ele é o maior caçador de tesouros da região de |REN DO SUL| e |REN DO NORTE|. E ele encabeça o maior grupo de mercenários da região também, os...
— Tô nem ai pra quem ele é! Esse filho da mãe me chamou de pequenina e se abaixou na minha frente! Na minha frente, porcaria!
— Ô Jun-jun, por que cê veio com essa alpinista de poltrona aí ao invés de vir com a gente, hein? Vacilou e vacilou feio, ô pepinha!
Alpinista. De. Poltrona?!!
— Deixa eu matar ele! Os outros podem viver, mas ele eu não vou perdoar... — Uma veia se projetava da minha têmpora enquanto os dentes trincavam como pedras em atrito. — Deixa, vai? Só ele...
— Ele é... meu chefe também, Lelê... — Juno se ressentia um pouco ao falar aquilo, desviando o olhar do grupo. — Eu... não posso fazer nada.
— Pode apostar que sim. E você escolheu vir com uma forasteira do que com seus irmãos. — Oolong contorceu seu rosto em uma expressão maldosa. — Quando a gente voltar pro esconderijo, vou ter que dar um trato em você, Jun-jun! ♦ ♦
— Você não vai fazer nada com ela, porque ela não vai voltar com você, seu idiota! — desafiei.
O silêncio veio como uma chuva torrencial no salão, pesada, letal. Nós dois nos encarávamos, como um desafio, uma jura de morte um para o outro. Eu e ele, duas vontades se colidindo através dos olhares cruzados. Juno observava aquilo, seus lábios se movendo para dizer algo, mas não conseguia. Sua voz emudeceu completamente.
E literalmente, as palavras eram ditas por ela, mas nada saia. Seus lábios se mexiam, mas as palavras saiam... mudas? Ela olhava para mim e parecia gritar, mas nenhum som chegava aos meus ouvidos.
O que é isso...
Zzzzztt...
— O que é isso?
Zzzt... zzzztttz....
Uma sensação nauseante me atingiu como um estouro de uma manada de javalis atrozes. Não soube como explicar o que se passou nos momentos seguintes e até me pus a imaginar que poderia ser fruto de uma magia antiga da torre, ou mesmo um ataque inimigo, um ataque de Oolong.
Mas era algo mais... complexo — não sei se eu poderia descrever assim — que isso. Algo na própria realidade que estava se remontando e se remodelando. Coisas saiam de outros lugares, se encaixando com outros, pessoas e coisas saiam de um ponto aqui para um acolá; mesmo meus sentidos eram uma confusão de cartas embaralhadas, como se eu pudesse ver pela minha pele e sentir pelos olhos, ouvir com a boca...
Tudo muito rápido, como um piscar de olhos, tudo muito intenso. Não tive sequer tempo de processar o que tinha acontecido e já não estava mais no lugar que estava antes.
O salão havia desaparecido completamente! Eu estava sozinha, minha cabeça tão pesada como uma esfera sólida de //FERRANIUM//, girando e girando e girando...
— Droga... — Eu caí sob os joelhos, desorientada, os olhos como duas esferas flamejantes dentro das cavidades. Meu estômago era um mar tempestuoso, a procela no ápice de seu furor.
Demorei bons minutos prostrada, todo o ambiente escuro centrifugando ao meu redor, como se eu estivesse no olho de um furacão no vazio. Onde eu estava, na verdade? Ou melhor... o que tinha acontecido para que estivesse onde eu estava agora? O que tinha acontecido com a realidade ao meu redor?
Deixei para me preocupar com isso quando a tontura e a náusea passaram, quando pude pelo menos me levantar e me situar. Não era nenhum lugar que eu já tivesse estado antes, ou mesmo me lembrava de tê-lo ignorado enquanto entrava na torre com...
Juno! Onde estava Juno? Minha mente gritou para que eu desse mais urgência a isso. Ela não estava em nenhum lugar, perto ou longe.
— Juno? Juno, onde está você?! — Só tive meu próprio eco como resposta. — Juno? Responda! Junooo!
Era inútil. Ela não devia estar nem pelas redondezas, pois não tive nenhuma resposta além de barulhos ocasionais de água pingando e passos fantasmas em algum lugar. Estava em um corredor tão vazio quanto frio, o vento reproduzindo uma percussão sombria ao soprar pelas frestas das paredes e pilares de pedra irregulares.
Era um lugar amplo, apesar de me passar a sensação de que eu ainda estava em um corredor. Várias pilastras altas com sulcos e relevos se erguiam segurando a pesada escuridão que se assentava acima, sem parecer que tinham algum fim. Se mostrava como um espaço criado, que não deveria existir... que
Juno! Onde estava Juno? Minha mente gritou para que eu desse mais urgência a isso. Ela não estava em nenhum lugar, perto ou longe.
— Juno? Juno, onde está você?! — Só tive meu próprio eco como resposta. — Juno? Responda! Junooo!
Era inútil. Ela não devia estar nem pelas redondezas, pois não tive nenhuma resposta além de barulhos ocasionais de água pingando e passos fantasmas em algum lugar. Estava em um corredor tão vazio quanto frio, o vento reproduzindo uma percussão sombria ao soprar pelas frestas das paredes e pilares de pedra irregulares.
Era um lugar amplo, apesar de me passar a sensação de que eu ainda estava em um corredor. Várias pilastras altas com sulcos e relevos se erguiam segurando a pesada escuridão que se assentava acima, sem parecer que tinham algum fim. Se mostrava como um espaço criado, que não deveria existir... que não pertencia àquele mundo.
— Droga... eu sabia que isso era uma má ideia. Por que eu tive que me deixar levar pela conversa dela? Que saco! — A cada passo, uma reclamação, chutando a poeira do corredor.
Zuuuuu...
Isso até um calafrio inexplicável atacar os meus sentidos, me fazendo entrar em alerta máximo. Sem demora, invoquei o arco de gelo sentindo a presença de mais alguém além de mim naquele lugar.
— Quem está aí? — Novamente só o eco me respondia.
Olhei de lugar em lugar, apertando os olhos para superar a penumbra do ambiente, vez ou outra dissipada por um archote perdido, isolado em um mar de escuridão. Mesmo assim, não encontrei nada, porém continuei em alerta.
— Apareça! — gritei para o escuro. — Vamos! Apareça!
E então passos leves tamborilaram na escuridão, lentos e despreocupados pela cadência com que se mexiam. Deixei uma flecha preparada para o que quer que fosse que estivesse para chegar.
— O que quer? Veio me impedir de chegar ao topo?
Uma silhueta surgiu mais ao fundo do corredor, se aproximando lentamente. Uma pessoa vestida de um manto que se misturava à escuridão, que fazia parte dela. Recuei dois passos cautelosos, estudando cada movimento daquela pessoa antes de fazer o meu. Seria apenas uma flechada caso ela resolvesse atacar. Não era Juno. A figura que vi era bem mais alta que a ladra mágica, e seu porte era de uma caçadora, assim como eu. Engoli em seco e apontei o arco em direção a ele.
— Pare bem aí mesmo, ou eu atiro!
— Letícia... mesmo depois de tanto tempo, você não mudou nadinha. Continua a mesma pessoa afobada de sempre.
Quando ouvi sua voz, senti meu coração parar; meus lábios secaram e tentei engolir saliva quando pareceu que navalhas afiadas passavam pela minha garganta. Meus braços tremeram e vacilaram diante dela.
— V-v-você... não pode ser... — As palavras ficaram entaladas na garganta.
— Olha só para isso. Para essa postura, essa bagunça que você fez no seu corpo... nem parece você.
Quando dei por mim, estávamos no meio de um bosque enevoado, com cada lugar preenchido por neve e gelo. As arvores retorcidas e nuas de suas folhas, de caules insensíveis e gélidos pela tempestade sem fim me eram familiares. À nossa direita, um lago repousava dormente sob uma superfície de gelo pura.
Eu conhecia aquele lugar; aquela estrada dificultosa que tive que percorrer tantas e tantas e tantas vezes... Aquela tundra...
— Eifrim?!
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Em algum outro lugar da ||TORRE DO MAGO SOLITÁRIO||...
PLAYER: [Juno]
Merda! Que diabos aconteceu aqui?
Em um momento eu estava com a Lelê, o chefe e os capangas mal-encarados dele e em outro...
O chefe nem ninguém da ordem conseguia fazer magia daquele jeito. Isso significava afirmar uma coisa...
Era a torre! A ||TORRE DO MAGO SOLITÁRIO|| era a responsável. Claro, por que não seria? A torre inteira, cada canto de parede, fedia a magia antiga.
Então demorei um pouco para recuperar, minha cabeça rodopiando como um TOUPEIRAMON alucinado.
Senti vontade de vomitar e encontrei um cantinho reservado atrás de um pilar. Quando deixei tudo sair, pude me concentrar no resto.
A sensação desconfortável ainda era como um soco no estômago. Eu não sabia como definir aquilo, mas era similar a sensação de ter um osso quebrado — não que eu já tivesse quebrado algum.
Eu me sentia assim agora, como se cada minúsculo pedaço de mim tivesse sido desmontado e remontado naquele lugar.
Como ser... desfeito? Talvez eu pudesse dizer que sim. Não só eu, mas toda a realidade também. Sendo remodelada em uma fração de instantes.
E agora, onde estava a Lelê?! Ela se separou de mim quando a realidade enlouqueceu.
E eu estava sozinha em um lugar tenebroso daqueles. Perdida, indefesa, com frio... eu queria encontrar algum canto escondido e apertado e chorar.
Tapeei o rosto algumas vezes. Não era hora para isso Juno, não era hora para isso!
Respirei e inspirei fundo e comecei a me mexer, procurando alguma direção, algum rumo. Sem desespero!
— Lelê? Cadê você?! Lelê?! — Não ouvi nada além de vento.
Bem... essa questão do vento era curiosa também, pois eu teoricamente estava em um corredor fechado e escuro.
Mas a sensação era de como se eu estivesse em um lugar aberto e amplo. Como a praça da biblioteca, por exemplo. Tinha a sensação de que se eu estivesse com a minha vassoura, eu poderia voar ali.
E era tudo muito escuro. Vez em quando eu encontrava pilares gigantescos que se perdiam no teto... espera! Não tinha um teto. Era só uma massa negra acima.
Bem os pilares eram engolidos por aquela imensidão de escuridão bem onde deveria ser o teto. Pilares antigos com muitos sulcos e talhos por suas extensões.
— Que desgraça! Onde é que eu tô, hein? — Olhei de um lado para o outro, mas não via nada nem ninguém além de pilares e mais pilares.
De vez em quando aparecia um pilar com uma tocha acesa e depois outro distante deste e depois mais outro lá na frente.
Era isso que eu estava usando para marcar — ou pelo menos tentar marcar — a distância que andava.
Quer dizer... não que eu tivesse certeza de que o caminho que eu estava seguindo levava algum lugar. Na verdade, era como se eu não estivesse indo a lugar nenhum, ou andando em círculos.
— Sério isso? Será que eu vou ficar presa nesse lugar pra sempre? — Engoli o choro ao pensar na possibilidade.
Eu não podia me entregar ao desespero. Não podia me deixar levar por meus devaneios. Só a ideia de que eu nunca mais veria o mundo exterior ou a Lelê me apavorava profundamente.
Concentra, concentra, concentra... Segui em frente, dando mais tapas nas bochechas.
E então, depois de andar pra caramba, o corredor começava a se iluminar. As tochas que eram raras, começaram a se tornar mais frequentes nos pilares.
O caminho foi mudando, se transformando em um corredor de uma casa de pedra e barro simples. De repente o ambiente ficou bem mais morno do que o corredor que eu estava há pouco.
Estranhei. Era como ser teletransportada para outro lugar. Não só de mente, mas de corpo também, pois eu sentia tudo.
Ouvi um choro esganiçado de bebê enquanto um outro choro, dessa vez um choro de mulher, o acompanhava.
— Quem será?
Aquele corredor agora repleto de tochas dos dois lados e bem mais fechado que o outro, me levou a uma porta de madeira rústica e com uma maçaneta de anel de ferro.
As dobradiças da porta eram bem enferrujadas e as paredes, acabadas. Um lugar que precisava urgentemente de uma redecoração.
— Uma menina adorável, sem dúvidas — Uma voz gentil veio do centro do cômodo. — E ainda nasceu fortes correntes de magia. Será que a Princesa do Pensamento a abençoou como o dom da magia?
De quem ela estava falando? Claro, pelos choros, pelos berros e pela comoção, eu arriscaria que eu estava presenciando o nascimento de alguém.
— É uma linda menina, sem dúvidas — comentou o que deveria ser a parteira. — Já tem um nome para dar a ela, minha senhora?
A mulher se acalmou e, com a voz embargada e cansada, olhou para a menina chorosa no braço, dizendo:
— Vai ser chamar... Juno.
Ju-J-Juno?! Eu?!
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Enquanto isso, na entrada da cidade de ||GARDENMOON V||, uma tempestade se aproximava.
PLAYER: [Kildery]
Depois de taaanto tempo viajando, vez ou outra parando para lanchinhos ocasionais, cheguei à conclusão de que não viajar por longos períodos sem comer faz mal para a minha sanidade. Claro, eu tava com muita fome e tal, mas as últimas refeições de ||BASIN-C|| me deram uma indigestão do caralho...
Não tinha o que fazer. Eu não iria para as cidades maiores de qualquer jeito, lá tem muita gente sacana que não é gostosa e não me deixa comer em paz. Só me restava parar nesse cu de mundo aqui.
O ambiente é frio, tem neve e vento e chuva pra todo o lado e pouca comida, pelo menos nas florestas. Um lugar horrível para mim. Saco...
Mas acho que a espera valeu a pena, de qualquer forma. Conseguia sentir energia mágica transbordando aos montes daquela cidade. Era como um banquete interminável e radiante, bem na minha frente!
Um Self-Service para eu me esbaldar à vontade! Valeu o tempo que fiquei sem comer desde que saí da cidade dos anões.
— Huuum... Deve ser aqui que aqueles viajantes lá... como eram o nome dos cara lá? Kol-alguma-coisa... aah, sei lá... Deve ser aqui que... ele falou, né? — Cocei a cabeça, tentando relembrar o que eles disseram.
Aaah, que complicado minha vida. Saco... Se eu não tivesse ficado com tanta fome ao ponto de devorar eles na metade do caminho, talvez eles pudesse ter me respondido — e eles não deram nem pro buraco do dente. Bah, não importa mais.
Ainda bem que passamos perto daquela tal de ||FLORESTA DO GEHENNA||, senão eu teria morrido de fome. Há definitivamente males que vem para o bem, afinal.
Faltava pouco para chegar à ||GARDENMOON V||, a tal cidade da magiaa, ou sei lá o que... para mim, era a cidade da comida.
— Bom... já que estou aqui, acho que vou atrás da minha próxima refeição.