Cheaters Brasileira

Autor(a): Kuma


Volume 1 – Arco 1

Prólogo: Chamado por um cabo de madeira

 

Assim quis o destino... — Foram suas palavras finais.

Ao meu redor, estavam os corpos tombados dos meus companheiros. A energia já havia deixado completamente seus corpos e os cristais se esmigalhado completamente até que restasse somente o pó para o ser levado pelos ventos revoltos e as chamas.

Estava sozinho agora. Prostrado diante de seu poder avassalador, eu apenas conseguia me manter consciente, mas com os músculos paralisados. Meu corpo estava completamente dilacerado, minha arma quebrada e minha energia estava me deixando também.

— Levantem... amigos! LEVANTEM, SEUS MERDAS! AINDA NÃO ACABOU! — rasguei os pulmões em um último brado de afronta contra ela. A maldita somente me olhou de cima com desdém, rindo das minhas palavras em deboche.

Você criou todo esse mundo. Mas ainda assim é tão patético... e muito mais fraco do que eu! 

A Soberana dos Dragões espalma sua mão, pronta para desfechar seu golpe final. Eu poderia dizer que isso seria um ato de misericórdia, mas não dela. Somente a morte não seria o bastante para satisfazê-la.

Então sua mão delicada como o de uma princesa, mas mortal como a lâmina de uma espada perfurou meu peito e encontrou meu coração. Espera... não era meu coração! Era algo ainda mais profundo...

Algo que estava na alma! Era meu |FRAGMENTO DE ALMA|!

Ela o toma de mim!

— O que...?!

Isso fica comigo! E agora, você morre. — Ela estava com a pedrinha roxa e brilhante na mão.

Me devolva! Me dê de volta... — A força desfaleceu abruptamente. Meu corpo ficou pesado e desabou de vez no chão. Eu sequer conseguia me manter consciente. Enquanto ela ia embora com o cristal roxo ensanguentado na mão, eu sequer pude levantar um dedo em resposta a isso.

Meus olhos semicerrados apenas observavam sua silhueta feminina desaparecer entre as chamas dançantes. Então era isso? Era meu destino morrer ali, dentro do meu próprio jogo? Da minha própria criação?

Eu estava morto, afinal. Era apenas questão de tempo até que eu fechasse os olhos e partisse. Não haveria uma segunda chance, nem mesmo uma reencarnação. Ali onde eu poderia me permitir descansar, não é?

Então uma voz estranhamente familiar soou em meio ao ambiente caótico:

Ainda não está bom o suficiente... — ele falava como se estivesse decepcionado. — Você não se cansa nunca de chegar à essa situação, não é mesmo?

— ...

Mil mortes não serão o bastante para isso, meu amigo.

Ele falava de forma complacente, como se fôssemos próximos. Era uma sensação agradável. Será que isso era a morte? Ser abraçado por uma escuridão aconchegante até perder todos os seus sentidos gradualmente e se entregar ao vazio?

Mas como cheguei até essa cadeia de eventos para começo de conversa?

Então...

 


 - RETROCEDENDO. CARREGANDO... 

 

 

PULA! AGACHA! ESQUIVA!

 

— Estamos quase lá!

— Pega o martelo!                               

*Som exagerada de explosões de pixels* *onomatopeia de salto*

“Simplesmente maravilhoso! Arrebatador!”, esse foi meu pensamento enquanto observava os moleques jogando na Lan House que tinha perto de casa.

Desde que eu me lembro, sempre fui apaixonado por esse mundo colorido e digital. O mundo onde os heróis vão resgatar as princesas do grande vilão gorila arremessador de barris, com seu poderoso martelo — ou seria uma marreta? — e tem que passar por inúmeras provações no caminho.

Quem não gostaria de viver altas aventuras em uma realidade mágica com criaturas incríveis? Ser o herói de um reino, derrotar o grande e poderoso rei demônio, conquistar as heroínas? Acho que pode imaginar do que eu estou falando, não é?

Sim! O sonho de todo adolescente! Poder ser um herói de armadura reluzente montado em um grande corcel de batalha branco, um grande e sábio mago com poderes ilimitados ou um ninja astuto e letal que se esgueira nas trevas para derrotar seus inimigos. As possibilidades são infinitas!

Mas eu não queria somente “ser”. Eu queria bem mais que isso.

Queria criar! Queria ter um mundo desses só para mim! Um mundo em que eu pudesse escolher quem seria o vilão e quem seria o mocinho. Um mundo onde as pessoas possam sentir toda essa emoção que eu sentia. Criar esse lugar em que as pessoas poderiam encarnar, de forma sincera, seus próprios desejos, mas que não precisasse alguém morrer e reencarnar para isso – deixe isso para os Isekai!

Desde o dia em que me apaixonei por esse mundo, meus esforços se voltaram completamente para alcançar esse sonho. Procurei dar o máximo nos estudos e galgar as séries da escola para chegar o mais rápido possível na faculdade. No ensino médio, fiz um curso de informática integrado e me dediquei bastante para estudar programação – e meu professor era um maníaco!

Não só isso. Eu pesquisava sobre desenho, modelagem de personagens, regras de mecânica, desenvolvimento de enredo e narrativa. Pesquisei tudo que estava ao meu alcance e que julguei que poderia ser útil para a criação do “meu mundo”.

Entretanto, eu ainda achava pouco. Não era o suficiente. Algo faltava.

Só pode ser a faculdade, não é? Eu pensava isso e varei noites e noites para tirar as melhores notas no técnico. Assim que terminei o ensino médio, corri para encontrar uma boa faculdade de jogos digitais. Confesso que o mercado aqui no Brasil é promissor, porém os solavancos e barreiras que os novatos enfrentam são brutais, mas havia bastante demanda. De certa forma, era algo para mim, que estava começando também, me aproveitar das novas tendências.

Pelo mercado ser tão novo onde eu morava, também não havia tantas faculdades realmente boas e nomes de referência. Mas não seria isso que impediria de eu alcançar meu sonho de criar meu universo, não é?

Então me matriculei em uma academia de jogos regular e enquanto as aulas corriam, retomei minhas próprias pesquisas. Isso fez com que eu me destacasse entre os outros estudantes da minha classe e, aos poucos, a referência deles passou a ser eu ao invés do professor.

Não que eu me importasse com isso, é claro.

Conforme minhas pesquisas iam avançando — e consumindo material de fora também — as aulas da faculdade começaram a se tornar um verdadeiro tédio; não havia desafios, coisas novas para aprender...

Os professores só ensinavam coisas que eu já sabia!

Não tinha nenhum progresso! Antes o que eu pensava que seria um trampolim para o meu grande sonho, agora se tornara uma pesada bola de chumbo — daquelas do tipo do Wang do KoF que voa na sua cara, sabe?

Então passei a me concentrar mais nas minhas pesquisas do que na faculdade até chegar uma hora que larguei completamente. Nesse meio tempo, eu e uns amigos que tinha conhecido no ensino médio, estávamos envolvidos com um projeto que eu já vinha concebendo desde os tempos de escola.

Os meus amigos não haviam pesquisado tanto quanto eu, mas eles tinham bons conhecimentos na área também. O que nos atrasava agora era somente a falta de material de trabalho. Computadores para modelagem e renderização de jogos não eram nada baratos.

Mas no fim, demorou cerca de três anos para que conseguíssemos criar a primeira versão “Alfa” do jogo. Um servidor capenga alocado no meu próprio computador estava sendo usado como servidor primário de testes e faríamos uma das grandes reuniões que sempre fazíamos mensalmente para discutirmos aspectos relevantes sobre o jogo.

Só que dessa vez, não seria uma reunião qualquer e todos sabiam porquê.

Iriamos nos reunir na casa de Gabriel para testarmos a primeira versão do jogo realmente funcional! Era uma emoção que eu não sabia descrever com palavras.

A reunião já estava marcada para duas horas da tarde e eu sempre sou um dos que chega depois — tipo, meia hora depois do combinado. Se eu estiver inspirado, até uma hora e meia! — e cheguei praticamente saltitando no local do encontro. Apertei a campainha e quem me recebeu foi a mãe de Gabriel, que me disse para esperar no quarto dele.

— O Gabriel não está aí? — perguntei um pouco intrigado. Para onde eles podem ter ido?

— Acho que eles saíram para comprar alguma coisa. Daqui a pouco eles voltam. — ela responde enquanto me convidava a entrar.

Então eu vou para o quarto de Gabriel e me sento na cama, admirando a tela do computador e já sonhando em jogar meu próprio jogo. Sentir todos os movimentos que nós criamos, ver todas as texturas que nós implementamos. Apreciar cada centímetro quadrado. Cada pixel do jogo, desde a grama do chão até as grandes e colossais construções das cidades.

Eu queria aproveitar cada minutinho daquela gameplay.

Mas os meus amigos estavam estranhamente demorando mais que o previsto e só eu tinha a prerrogativa de me atrasar! Será que havia acontecido algo que eu não estava sabendo?

— .....

O computador estava ligado e, coincidentemente, o jogo já estava aberto. A tela inicial estava posta e preparada para o login.

“Será que...?!”

Não... se tivesse acontecido alguma coisa do tipo paranormal, a mãe do Gabriel já tinha dado a falta deles, não é? Quer dizer... essas coisas só existem nas histórias de ficção, não é mesmo?

Porque eu estou cogitando essas possibilidades absurdas? Por que estou perdendo meu tempo pensando essas besteiras? Eu devia mais era procurar por eles! Com certeza eles estariam no mercadinho comprando alguma coisa para comermos enquanto jogamos.

“É isso! Vou até lá para ver se encontro eles!”

Eu levanto decidido a sair, mas a tela do jogo novamente captura minha atenção. Tem alguma coisa errada..., foi meu principal pensamento.

Mesmo que tivessem ido até o supermercado, não ficava nem a dois quarteirões da casa do Gabriel. Eles já teriam voltado a essa hora. Então...

Claramente eles não vão estar lá, não é? Isso não é como um anime de Isekai no fim das contas... — Eu estava claramente tentando me convencer disso.

“Mas e se...?”

— NÃO! NÃO TEM COMO! A mãe do Gabriel já estaria nervosa e preocupada com o sumiço deles! Não tem como!

Eu dizia aquelas coisas para mim mesmo, mas não é como se o meu nervosismo estivesse passando! E por que eu estava nervoso para início de conversa?! Que sensação de insegurança era aquela que me atrelava à tela de login do meu próprio jogo?

Era como uma energia convidativa que me chamava. Que me atraia a fazer o login e jogar o jogo. Meus amigos haviam acabado de desaparecer misteriosamente e eu não podia deixar meus delírios pessoais atrapalharem em um momento tão crítico! Eu tinha que ser forte!

— Acho que enquanto eles não voltam, eu poderia dar só uma “testadinha” no jogo, não é?

AAAAAHHH! Que tipo de amigo eu sou?!! Eu devia estar indo avisar à mãe do Gabriel que todos haviam sumido, mas eu estava prestes a logar no meu jogo ao invés disso! Mas não é como se tivesse acontecido algo com eles de qualquer forma...

"... não é?"

— Tem alguma coisa de muito errada aqui!” — reafirmei. Eu estava me autodeclarando um completo louco e perdi para minha própria insanidade. Então respirei fundo e procurei me acalmar. Afirmei meus dois pés no chão e encarei a tela do computador com um olhar firme.

Entrei usando minha conta de admin, e acessei o único servidor disponível — no caso era o meu projeto de servidor — já acessando o menu de criação de personagem. Até ali, nenhum evento paranormal ou fantástico havia ocorrido. Só estava com vergonha de mim mesmo em continuar pensando que poderia acontecer algo de fato.

Continuei então; fiz o personagem e segui para o jogo propriamente dito. Não havia tutorial ainda, então o jogo só iria jogar meu personagem feito no mundo — eu havia programado na cidade inicial — e eu poderia controla-lo livremente a partir dali. Bem... era o que devia ter acontecido, mas em vez disso, recebi uma tela preta infinita no meio da face.

— Ué... o jogo bugou?

Tentei clicar várias vezes e tela preta. Apertei todos os botões possíveis do teclado e... tela preta. Sugeri voltar os menus e... outra tela preta! Tentei acessar o gerenciador de tarefas e... mais uma tela preta! Alt + F4? Adivinha... OUTRA TELA PRETA! Tentei reiniciar? Tela preta, mas era uma tela preta esperada.

E ainda assim, mesmo reiniciando, quando o sistema operacional reiniciou, ele voltou na mesma tela preta! Como assim?!

“DROGA! DROGA! JOGO IDIOTA! ESTÁ DE SACANAGEM COM A MINHA CARA, É?”

— .....

 


- Código X12-0 – error -


 


É VOCÊ !


 

O que?!

E então um vendaval assolou todo o quarto, revirando todos os livros e papéis que estavam no quarto. Todas as coisas pequenas saem voando em um vórtice que se abriu desde a tela do computador. O guarda-roupas, a mesinha com o ventilador, a estante e até mesmo a cama foram movidos de seus lugares...

Mentira! Seria assim se estivéssemos em uma história “normal” de Isekai, mas a verdade é que nada na minha vida era normal, nem quando se tratava dessas coisas.

Na verdade, foi bem mais esquisito que isso...

Já assistiram The Ring? Foi mais ou menos o que aconteceu. Um braço comprido, branco e esquelético – acho que era o braço perdido de algum sociopata enclausurado – saiu da porra da tela e se aproximou do meu rosto!  

— AAAAAAAHHH! QUE MERDA É ESSA?!!

E então ela gesticulou na minha frente como se estivesse fazendo um truque de mágica ou algo assim. Eu já estava apavorado demais para esboçar uma reação diferente, então eu só consegui me encolher no cantinho entre o guarda roupa e a estante com uma face estática de pavor, tremendo e observando a tudo aquilo. Também já estava mais branco que o próprio braço.

Sua mão se fecha, depois se abre e depois estende dois dedos imitando uma tesoura e depois espalma.

“Está jogando pedra, papel ou tesoura esse troço?!”

Mais duas vezes seguindo essa sequência. E eu sem entender nada, congelado pelo medo.

Então aponta para mim e um raio verde bem fluorescente irradia da ponta do dedo moribundo, atingindo meu peito.

“MERDA!”

E eu senti uma coisa extremamente bizarra e até difícil de descrever logo em seguida: era uma sensação estranha de ter seu corpo desmontado completamente. Como se cada parte de mim se reduzisse a meros bloquinhos de montar, como um brinquedo de criança. Não só isso; eu pude ver esse processo totalmente absurdo com meus próprios olhos!

E não estava doendo! Meu corpo estava se desfazendo e não doía, mas eu também não sentia nada além disso. Eu não sentia absolutamente NADA e depois tudo se apagou. Foi tudo tão rápido que pareceu uma questão de milissegundos.

O mundo fugiu dos meus pés. Eu estava completamente imerso no silêncio e na escuridão.

Bem, senhoras e senhores... acho que morri.

 

____________________________________________________

Em algum lugar dentro de algum lugar.

Um jogo. Uma tela de computador. Um clarão bem forte com uma mão fazendo mímica. Depois tudo se apaga...

As sombras eram a única coisa que preenchia minha visão. Quanto tempo havia se passado? 1 mês? 1 ano? 10 anos? 100 anos talvez? 1000 anos, quem sabe? Meus olhos involuntariamente iam se abrindo e o canto dos pássaros inundaram meus ouvidos com uma bela melodia.

Acho que fazia tempo desde que eu havia escutado um som tão calmo e confortante. Era como se eu tivesse morrido e agora estivesse deitado nas campinas do paraíso.

"O que ainda está fazendo deitado aí?" 

Uma voz estranha se infiltrou na minha cabeça, interrompendo o lindo coro de pássaros. Não era a minha mente, tampouco era alguém falando no ambiente a minha volta. Parecia estar falando diretamente no meu subconsciente.

“Vamos, criança! Ainda há muito o que se fazer!”

— Me deixa dormir mais uns 5 minutinhos, pode ser?

O mal que se espalha nessa terra está se alastrando muito rápido. Não há tempo para descanso, Juniorai!

A voz me chamou por um nome estranhamente familiar, o que me fez despertar com um pulo.

— Espera aí! O que...!

Então eu não ouvi mais nada. Me encontrei sentado no meio de uma campina carbonizada, com marcas de incineração por todos os lados. A relva chamuscada seguia uma trilha em direção à uma mata fechada. Havia algumas arvores derrubadas em volta também e, ao meu lado, uma estranha haste de madeira jazia encravada na terra.

— O que é isso?

Apanhei o cabo em minhas mãos, analisando-o cuidadosamente. Muito estranho, mas não mais do que eu estar em um lugar como aquele. E eu não aparentava estar em um lugar conhecido ou que ficava a uma esquina de distância da minha casa.

— Será que alguém esqueceu isso aqui? Muito estranho...

“É só um cabo de madeira comum... porque eu estou tão impressionado com isso? Mas ainda assim, é muito estranho uma coisa dessas estar cravado no chão assim, no meio do nada.”

— Então enfim acordou, jovem!

Instintivamente eu soltei o objeto no chão e me afastei com um susto. Não era algo muito normal hastes de madeira falarem!

— O que?! Vo-vo-você falou?!

Claro que falo. Porque eu não falaria?

— Porque você é um cabo de madeira?!

Acho que a frase saiu um pouco mais irônica do que eu achei que sairia. Para mim, era um fato tão irreal que jurei de pés juntos que ainda estava dormindo naquela campina – aliás, porque eu estava dormindo lá para começo de conversa?

Não me insulte, humano!

Ele realmente se ofendeu. Um cabo de madeira se ofendeu por eu chama-lo de “cabo de madeira”! Está bem... onde eu assinava meu prontuário alegando que eu tinha esquizofrenia? Eu já tinha desistido de tentar entender o que ocorria.

— Me perdoe, mas... o que você é então?

— Meu nome é Gallatin, humano. E você é meu portador.

— Não estou entendendo... você tem um nome, é isso?!

Exatamente. Sou sua Relíquia Hospedeira!

Quantos nomes! Não era mais fácil ele dizer que era apenas um cabo de madeira falante e com racionalidade acima da média? E que merda de nome estranho era aquele?

— Relíquia... Hospedeira?

Correto. Nesse mundo, alguns seres possuem uma Relíquia Hospedeira e que pode tomar qualquer forma, dependendo da conveniência.

— Ah, sim. Então minha Relíquia Hospedeira é... um cabo de madeira?

Aquela forma de chamar ele parecia irritá-lo. Mas eu ainda não sabia como deveria reagir a toda aquela informação, ou sequer para onde devia ir. Ouvi-lo me pareceu a única saída viável por hora, embora eu não soubesse se deveria confiar em cabos de madeira falantes.

Eu nem mesmo reagia muito diante de tudo que estava acontecendo. Para mim, eu estava preso em algum sonho maluco onde eu era um protagonista de uma história de Isekai — estava só esperando o grupo de heroínas me receber.

— Já disse que meu nome é Gallatin! Como ousa me tratar dessa forma, humano?

— Está certo, está certo! Desculpe-me senhor... Galla...tin!

— Hum! Melhor assim. De qualquer forma, temos que nos apressar, Juniorai! Preciso que você me toque para que possamos iniciar nossa jornada...

— E-espera um pouco aí! Jornada?! Como assim?!

A cada minuto naquela conversa, eu sentia que uma parte da minha sanidade mental — se é que eu tinha alguma ainda — ia embora.

Sim! Temos que partir para a Capital o quanto antes para iniciarmos...

— Está certo, engraçadinho! Não estou entendendo porcaria nenhuma e eu não vou dar mais nenhum passo antes de você me dizer tudo o que tá acontecendo! Para começar, eu não deveria nem estar aqui! Que lugar é esse?! Que jornada é essa e que diabos é essa “Capital” que eu tenho que ir?!

Entendo que esteja confuso meu jovem, mas suas respostas chegarão no tempo certo e nos lugares certos.”, foi o que ele respondeu. E ainda estava dando uma de Mestre Yoda em uma hora daquelas! “Mas nesse momento, a única coisa que você precisa fazer é chegar até a capital sagrada de ||AMINAROSSA|| para que possa encontrar seu mestre de classe.

Classe... então eu tinha que seguir o caminho padrão de um jogador de RPG iniciante, é isso?

— Espera aí... — Então como somar 1 + 1, eu liguei os pontos na minha mente com as lembranças borradas do sonho que eu tive. RPG, jogo, escuridão, preto, tela preta, mãozinha, luz muito forte e eu acordo em um lugar estranho...

Era isso! Eu estava dentro do meu próprio jogo! Só podia ser isso! Como algo assim podia ser real?! Como isso havia acontecido?! Então não era só um sonho, uma alucinação ou algo assim? Era tudo real? Eu realmente fui sugado para dentro do meu...

“Ah, meu Deus do céu...”

— Ei, humano! Ei! Está me ouvindo? Ei!

Acordo com o Gallatin gritando no meu pé do ouvido. Eu desliguei por um momento, deixando os pensamentos inundarem minha cabeça.

— Ah! Desculpa! Eu só fiquei um pouco distraído. HAHAHA!”

Procure prestar mais atenção, humano! Daqui para frente, durante sua jornada, não haverá espaço para distrações! — e eu fui repreendido pelo bendito cabo de madeira. Já comecei naquele mundo muito bem! —Você tem que me tocar para ver os atributos que irei lhe passar. Agora você tem capacidades de verificar os atributos de qualquer Relíquia Hospedeira que possa a vir encontrar pelo caminho. Itens normais, mágicos ou não, também podem ser analisados.”

O que mais eu poderia fazer, né?

Seguindo suas orientações, eu toquei na haste de madeira e a palma da minha mão brilhou. Uma série de números e letras aleatórias surgiu na minha visão, formando uma espécie de ficha técnica acima de Gallatin:

 


NOME: GALLATIN

CATEGORIA: RELÍQUIA HOSPEDEIRA.

TIPO: PSICOCINÉTICO/GRAVÍTICO

PORTE: GRANDE

ATRIBUTOS: 50 DE FORÇA

                          30 DE DESTREZA

                          25 DE ENERGIA

                          40 DE CONSTITUIÇÃO

ATRIBUTOS ESPECIAIS: DANO ELEMENTAL: TERRA +100

             RESISTÊNCIA À PROPRIEDADES ANORMAIS: + 30%


 

Ao ver aqueles status, fiquei deslumbrado com todos os atributos que eu ganhava apenas por empunhar um cabo de madeira. Ainda assim, não soube avaliar ao certo se aquilo era algo muito bom ou uma droga. A forma como Gallatin se mostrava não parecia grande coisa, mas os atributos claramente não eram de um item comum de iniciantes.

Isso me deu corda para imaginar várias possibilidades de como seria a verdadeira forma da minha Relíquia Hospedeira.

Ótimo! Já terminei a sincronização. Deve ter visto meus atributos assim que me tocou, não é?

— Eu vi. Você, com certeza não é um item comum.

Nenhuma Relíquia Hospedeira é um item comum. Todas são dotadas de habilidades inimagináveis. Posso lhe garantir que esses atributos ainda aumentarão muito.

— Mesmo? — E ainda com possibilidade de upgrade?

Agora parando para pensar, eu posso ter colocado essa “forcinha” extra no começo do jogo mesmo. Não lembro ao certo — minha memória ainda estava meio zoada —, mas os novatos que jogariam o “Beta” teriam um item lendário exclusivo no começo.

Gallatin deve ser um desses itens.

— Sim. Até porque eu evoluo juntamente com você e me adapto às condições da batalha. Os status iniciais são bem generosos, mas ainda podem ser aprimorados com o passar do tempo.

Eu fiquei bastante empolgado com a ideia e tomei Gallatin para mim. Como não havia nenhum canto para guardá-la — como uma bainha, por exemplo —, eu a prendi no cinto da calça. Para o meu alívio eu vim com as roupas que eu usava e não pelado.

Quem me encontrasse, iria se deparar com uma pessoa normal — ou nem tão normal assim — portando um cabo de madeira. Não iriam nem cogitar a possibilidade de algo tão simples como aquilo falar.

Mas espera... ainda faltava saber onde eu estava e para onde ficava a cidade que Gallatin mencionou e eu não fazia ideia de que lugar era aquele. Parecia ser um lugar inóspito e sem nenhum sinal de humanos por perto. Eu ainda conseguia ouvir barulhos e ruídos estranhos ecoarem de dentro da floresta – os olhos amarelos e brilhantes já saíam de dentro dos arbustos a me espreitar –, então eu já sabia para onde eu não deveria ir.

E é claro que ele saberia que não poderia mandar um iniciante para lá, correto?

— A cidade fica para o Norte, além da floresta. Atravesse-a para chegar ao seu destino.

Resposta errada, mané!

— Ei! E-e-espera aí! Eu vou ter que atravessar essa floresta?! Tá me tirando, não é?”

É o caminho mais rápido para ||AMINAROSSA||. Além dessas campinas, há um desfiladeiro profundo e demoraria muito para contorna-lo. Vamos pela floresta.

— E desde quando é VOCÊ que toma as decisões aqui?!

Sou sua Relíquia e você tem que ouvir o que eu digo!

— Isso não faz nenhum sentido! Eu que sou seu dono, ué!

Mas sem minha ajuda, você não vai para nenhum canto sozinho, humano!

Que lindo! Eu já estava tendo minha primeira discussão com meu cabo de madeira mágico. Já via que o caminho iria ser longo além dessa mata fechada.

Logo eu me recordo da trilha chamuscada que encontrei assim que acordei e a procuro. Ela partia do meio da planície e seguia em linha reta para a floresta, me deixando intrigado. Será que havia acontecido algo que eu não me lembrava?

— Você estava aqui desde quando mesmo?

Desde que você me materializou.

Eu preferia que ele não tivesse respondido. Só me deixou ainda mais confuso.

— Como eu te materializei?! Eu estava deitado no meio de um bocado de mato queimado e você estava encravado no chão. Como eu posso ter feito algo assim?

— Só respondi ao seu chamado e apareci. Sou apenas a materialização da sua essência interior e o meu poder também é um reflexo disso. Minhas capacidades serão apenas um suporte para que possa manifestar plenamente o seu poder.

Apesar das palavras bonitas, eu não me sentia mais tranquilo ou confortável com aquele fato; só havia me deixado com mais dúvidas e perguntas — parabéns para esse tutorial de merda! Talvez eu só descobrisse quando chegasse a ||AMINAROSSA|| de qualquer forma.

Acho que eu só estava pensando demais. Quer dizer... tudo era tão novo para mim, tão fantástico, tão irreal, tão... sei lá. Eu não seria o protagonista de uma história épica de RPG, onde eu teria uma princesa para salvar? Um reino para ajudar? Um Rei Demônio para derrotar?

E quem iria garantir que eu realmente seria um protagonista ou algo assim? Se eu não fosse, talvez viria para aquele mundo como um NPC sem qualquer traço de personalidade ou consciência, como uma planta, um animal ou até mesmo um inimigo a ser derrotado.

Minha garantia era a minha Relíquia Hospedeira. Mas então significaria que eu poderia encontrar outras pessoas que também possuem tais armas?

— Algum problema, Juniorai?

— Nada, não — suspirei.

Reúno coragem e fôlego para caminhar pela trilha chamuscada até o interior da densa floresta, temendo pelo que talvez eu pudesse encontrar lá dentro. Naquele sentido, ter Gallatin ao meu lado me confortava.

Ainda teríamos muito o que conversar durante o caminho. Sigo então o traço chamuscado que partia desde a floresta fechada, as pernas bambeando um pouco, receosas em continuar.

 

“Vamos, Junior! Era isso que você queria desde o começo... não é?”.



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