Volume 9

Capítulo 278: A vila do abuso duplo

— Ichinojo é um conhecido de Daijiro?

— Eu não sou próximo o suficiente para ser considerado um conhecido, mas preciso encontrá-la. Você sabe onde ela está no momento?

— … hum-hum, por que estamos aqui? Vamos conversar na minha casa. Ichinojo, você tem a habilidade Ferraria?

— Eh, sim, eu tenho.

— Nesse caso, siga-me.

Doxco disse e devolveu o smartphone para mim antes de me convidar para a vila.

Ouvi dizer que era uma vila de anões, mas também havia outras raças morando lá. Vi humes e homens-fera.

Claro, era fato que a maioria era formada por anões. Havia um grande número deles que não eram vistos nas outras cidades.

As anãs não tinham barbas, como Ririana disse. Elas pareciam apenas mulheres baixas, por isso não era de admirar que houvesse quem as confundisse com meias-humes.

Embora meios-humes fossem ainda menores em estatura.

 — Erm, Doxco-san.

— Doxco está bom. O que foi?

— Houve halflings[1] entre anões e humes?

— Não há muitos, mas eles existem. Além disso, essa cortesia é desnecessária. Não há ninguém na vila que fale assim.

Essa parecia ser uma vila bastante direta.

— Existem tão poucos halflings, embora existam tantos humanos?

— Hã-hã. Independentemente de anões ou anãs, eles gostam apenas daqueles que são bons com bebidas. Se um hume puder secar um barril inteiro, será bem-vindo como genro ou noiva.

— Bom, isso parece justo. Beber um barril inteiro é quase impossível.

Quando passamos por uma lanchonete próxima, já senti o cheiro de álcool. Ainda era meio-dia.

Eu também não poderia beber um barril inteiro.

 — Que tipo de bebidas existem nesta vila?

— Elas são em sua maioria absintos[2] feitos de iosna[3].

Absinto? Isso também era vendido no Japão. Mas eu nunca tinha experimentado isso antes.

Só tenho memória de um mangá de beisebol com o mesmo nome.

 — O absinto desta vila é incrível. Vai queimar se exposto ao fogo e beber lhe dará uma sensação de felicidade a ponto de sua esposa morta aparecer na sua frente.

— Isso não significa que ele é alucinógeno?

— Bem, eu não me casei desde o dia em que nasci.

— Então isso significa que isso causa ilusões?

Aliás, devido a esse efeito colateral alucinógeno, a distribuição e as vendas do absinto fora desta vila foram proibidas e ele era produzido, vendido e consumido apenas nesta vila.

A propósito, o absinto vendido no Japão não tinha esse efeito colateral alucinógeno — ouvi dizer que a venda de absinto foi proibida no passado na Europa ocidental pelo mesmo motivo.

Esses caras estavam fazendo uma coisa tão ridícula.

— A propósito, foi Daijiro quem nos ensinou o método para criar absinto, sabia?

Essa mulher tem uma gama tão ampla de conhecimentos. Espere um minuto, ela não era apenas uma criança quando veio a este mundo?

Por que ela sabia como fazer álcool?

Havia tantas coisas que eu queria contestar.

 — Bem, eu ainda recomendo cerveja ou vinho para humes. Que tal isso? Devemos tomar uma bebida?

— Não, eu quero conversar primeiro.

— É mesmo? Que pena.

Doxco respondeu e seguiu em frente.

Antes, no portão, comentei que era uma pena que Haru não estivesse aqui, mas agora estava feliz por ela não estar aqui.

Se ela estivesse aqui, provavelmente ficaria bêbada o dia inteiro com o cheiro de álcool.

 — Estamos aqui, esta é minha casa.

— Isso é enorme.

A casa para a qual fui levado devia ser o maior prédio de tijolos da vila. Era ainda maior do que a doca que construímos no Meu Mundo para abrigar o veleiro e vi o mesmo prédio antes de entrar na vila. Talvez não fosse apenas uma residência, mas também uma oficina. Havia uma grande chaminé no telhado e fumaça negra saía dele.

 — Oya, bem-vindo de volta.

Uma anã veio nos cumprimentar quando chegamos.

A esposa dele? Pensei comigo, mas Doxco mencionou há pouco que ele não era casado.

— Quem é esse garoto hume?

— Ichinojo. Ele é um convidado, então deixe-o usar a segunda sala de recepção nos fundos.

— Tá bem, por aqui, chefe da vila-san.

Doxco assentiu e foi em direção ao fundo da sala.

Quando vi a casa, e mesmo antes disso, quando notei que o trabalho e o nível dos outros anões eram muito mais baixos do que o de Doxco, imaginei que ele não era uma pessoa comum.

— Então Doxco é o chefe da vila?

— Bem, isso é apenas decorativo. Afinal, nesta vila, o chefe é o homem com o mais alto nível de ferraria.

Doxco disse isso de forma indiferente, não se vangloriando nem um pouco.

Então, fui guiado para a sala de recepção... ou assim pensei.

— Sala de recepção?

— Sim, sala de recepção.

Tá, vamos recapitular. Vou listar as coisas necessárias para uma recepção.

Número um, para esperar pelo dono da casa, deve haver uma cadeira.

Número dois, deve haver uma mesa para colocar as sobremesas e bebidas.

Em outras palavras, deve haver um lugar onde o hóspede possa relaxar de modo confortável.

Fim da recapitulação.

Muito bem, o que estava diante de meus olhos?

— … está queimando.

— Sim, está queimando. O combustível são pedras mágicas.

O forno estava queimando com ferocidade.

Estava tão quente que, se você colocasse um espeto de churrasco, a carne queimaria e se desintegraria em carvão em um instante, e até o espeto de metal derreteria.

— Mas esta é uma oficina?

— É uma oficina. A melhor fornalha desta vila.

— Não estávamos indo para a recepção?

— Esta é a recepção. Você não pode dizer apenas olhando?

Olhei ao redor da sala mais uma vez.

Não havia cadeiras.

Havia mesas, mas nelas havia ferramentas de ferreiro, como martelos, pinças e bigornas.

— Você não pode dizer ao olhar?

— Não posso.

Doxco perguntou mais uma vez e eu gritei de volta.

O que é isso, a recepção era a oficina?

Foi um desenvolvimento inconcebível, como se você pedisse o especial do chef e fosse servido com o Umaibō[4] sabor camarão com maionese. Espere, que tipo de bobagem eu estou pensando?

— Para ser visto como um convidado, você deve primeiro empunhar o martelo. Essa é a hospitalidade dos anões, parte 2! Bem, isso raramente é praticado.

— Se raramente é praticado, não faça isso! Por favor, faça isso de forma normal!

— Então, você gostaria de beber até não aguentar mais? A primeira sala de recepção é uma fábrica de saquê.

— … este lugar está bom.

Ouvi falar do amor dos anões pelo álcool, mas não peça o mesmo aos seus convidados.

Que diabos, esta vila não é apenas uma vila de abuso de álcool, é também uma vila de abuso por ferraria.


Notas

[1] Halfling é outro nome dado a raça fictícia hobbit, criada por J.R.R. Tolkien. É uma raça humanoide fictícia que ocasionalmente é encontrada em histórias de ficção e jogos. Muitas das vezes são similares aos humanos, exceto pelo seu tamanho. Dungeons & Dragons começa usando o nome halfling (que continuou sem tradução por todas as 4 edições) como alternativa para hobbit por motivos legais. O termo halfling vem da palavra escocesa hauflin, que quer dizer um adolescente rustico estranho, que não chega ser homem e nem garoto, e assim é metade dos dois. Outra provável origem do termo é hobbledehoyor, que abreviado torna-se hobby. Essas palavras são pré-datadas antes de O Hobbit e de Dungeons & Dragons, podendo levar em consideração a origem do nome da raça fictícia dada por J. R. R. Tolkien.

[2] O absinto é uma bebida destilada feita da losna. Anis, funcho e outras ervas também podiam entrar na composição. Foi criado e utilizado primeiramente como remédio pelo Dr. Pierre Ordinaire, um médico francês que morava em Couvet, na Suíça, por volta de 1792. O absinto foi especialmente popular na França, sobretudo pela ligação aos artistas parisienses de finais do século XIX e princípios do século XX, até a sua proibição em 1915, tendo ganhado alguma popularidade com a sua legalização em vários países. É também conhecido popularmente de fada verde (la fée verte) em virtude de um suposto efeito alucinógeno.

[3] O absinto (Artemisia absinthium), também conhecido por losna, sintro, absinto-comum, absinto-grande, absinto-maior, alosna, artemísia, erva-santa e artemísia-absinto, é uma planta da família Asteraceae. Na Grécia Antiga, esta planta era dedicada à deusa Ártemis (Diana, entre os romanos, deusa da caça e da castidade). Daí a origem de seu nome científico. É uma erva originária da Europa e da Ásia, de folhas recortadas de cor cinzenta, de sabor amargo e que é utilizada como planta medicinal e na fabricação da bebida conhecida como absinto. O absinto contém pequenas quantidades de tujona, que se pensou outrora ser relacionado com o THC (tetraidrocanabinol), mas sabe-se agora que é um antagonista dos receptores GABA-A. O consumo excessivo de tujona pode causar espasmos e convulsões.

[4] Umaibō, ou "barra deliciosa", é um pequeno petisco do milho, cilíndrico do Japão. Sua consistência é semelhante ao Cheetos. A capa possui um gato, Umaemon, cujo nome é um trocadilho de um personagem de animação popular, Doraemon.



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