Uma Cidade Pacata – Olhos Voltados para Mim
Capítulo 112: Na Mira da Lei, Ato 1
“Por quê…?”
Os dedos sem descanso deslizavam sem rumo pela tela levemente rachada, mostrando os poucos contatos — suficientes de sobra para os dez dedos — sem novidades ou sinais de vida.
“Por que não me responde…?”
De todos esses já tão poucos personagens em sua vida, só se preocupava com um, em particular.
“Não me faz isso…”
Mandou diversas mensagens, sequer visualizadas por ele, e a falta de qualquer mísero sinal de vida a estremecia de dentro para fora, em um misto de agonia e venenosa antecipação.
“Não me deixa pensar que aconteceu o pior, Mark…”
A cada dia, escolhia ter fé e pensar no melhor, afinal, a habilidade do garoto e o potencial explorado com seu poder eram inegáveis.
“Me responde… assim que for possível.”
Porém, os dias começaram a passar rápido demais e a ausência, impulsionada pela distância, passou a corroer violentamente às muralhas da frágil esperança por ela erguidas.
No topo disso, a paisagem pacata de Elderlog se via substituída por poluição e arranha-céus, e entre os sons de carros a ir e vir, somados à dor de cabeça em pontadas intermitentes, a última semana não contou com um mero segundo de paz.
“... Quanto tempo eu vou ter que ser obrigada a permanecer aqui…?”, perguntou a si própria, olhando pela varanda do hotel, rumo ao horizonte de pedra e vidro de Washington D.C.
Longe de casa e sob circunstâncias tão desfavoráveis, Lira Suzuki não sabia o que fazer, e embora o curso natural das coisas fosse um retorno para Elderlog, outras pessoas tinham planos diferentes.
“... E falando nelas…”
O semblante da moça se distorceu em desgosto, diante do inconfundível barulho daquele par de saltos altos.
— Yahoo…! Bom dia, Lira!
Outra vez, ela — a última pessoa cuja vontade de ver se despertava em seu peito.
— Já se sente um pouquinho melhor? Logo a empregada vai trazer os seus remédios, tá bom? Só vê se tenta abrir o coração um pouquinho mais! E, claro, se quiser conversar alguma coisa, pode contar comigo! Eu te ouço a qualquer hora, minha futura afilhada!
Em outro contexto, a Suzuki talvez risse do discurso vergonhoso.
— Eu acho que a gente podia se conectar, bater um papo honesto, falar sobre as nossas expectativas… Já fazem cinco anos e nós duas mal trocamos palavras, Lira!
Incômoda e obnóxia como só aquela mulher podia ser, tomou o espaço da varanda, apoiando os cotovelos de frente para a vista da grande Downtown.
— Então…! — forçando um agudo desnecessário, focou na menina. — Acha que o cabelo combina com a minha roupa? O seu pai disse que sim, mas… Eu bem que queria uma opinião feminina e você parece ser o tipo que sabe muito!
O quanto a mera ideia de estar ao lado dela a incomodava não cabia no dicionário.
“... Grandes…”, tremeu, enojada. “... Muito grandes…”
— Ah… Então você não acha…? — notando a diferença na expressão da jovem, pegou uma mecha do próprio cabelo. — Eu bem que pensei que se platinasse o cabelo e usasse esse vestido cinza, ficaria uma combinação legal…
Esse não era o problema.
“... Como ela consegue andar com essas… coisas…?!”
As duas não se encontravam muitas vezes, tampouco ficavam cara-a-cara por mais de quinze minutos, mas ao passar de alguns desses breves momentos, uma tendência se fez nítida:
A cada vez, eles pareciam maiores.
“Como ela não cai para frente…? Ele pensa que isso é beleza..? Ugh… Isso é nojento…!”
A merda possibilidade de tal escolha ser mero fruto de mero fetiche posava nauseante.
— Hmm… Talvez eu devesse valorizar o meu decote…? — parou. — O que acha, Lira?
“Não…! Definitivamente não…!”, travou os dentes, em negação. — Eu… já vou entrar agora, Giulia. Não tô me sentindo muito bem…
Ser forçada a aturar a dona do par de melancias não constava na lista de desejos, logo, Lira religiosamente fingiu a pior dor de sua vida, fugindo para longe dali.
— Oh, meu Deus…! Lira…! Precisa de ajuda?! — preocupada, Giulia a seguiu. — Eu sei…! Vou falar com o seu pai…! Ele vai chamar o hospital e…!
— Não precisa…! — cortou o ar com a mão, dividindo espaço entre elas. — Só me deixa sozinha, Giulia…!
Em passos rápidos, a Suzuki fugiu entre os corredores do hotel, até chegar ao seu quarto particular. Ali, trancou a porta por dentro e se lançou na cama, enfim se deixando soltar o ar acumulado.
“... Eu tenho que voltar para Elderlog…”
As camas de Washington podiam ser mais macias, porém nada vencia o conforto real de se estar onde nomeou de lar.
“... Eu odeio isso tudo…”
Estar em Washington, presa em um hotel, a falta de respostas de Mark… e Giulia Romano.
“Eu nunca vou dar a satisfação para ela… Nunca!”
Nem para ela, nem para seu pai — Hidetaka Suzuki — , quem, por anos a fio, resolveu se acovardar do papel de agente decente em sua criação.
“Ela nunca vai substituir a mamãe… Nunca vão me fazer esquecer dela… Nunca…!”
As tentativas de “cobrir e superar”, de tratá-la como algo que não faz mais parte da história, jamais seriam perdoadas, e com tal desejo solidificado em seu coração, reiterou sua determinação.
“Ainda vou descobrir a verdade do que aconteceu com a mamãe.”
Jamais engoliria a historinha patética e cheia de buracos, contada nos últimos instantes, quando, desde o fatídico dia, compreendeu haver algo de profundamente errado por baixo dos panos.
“Vou descobrir, e quando isso acontecer, eu…!”
Ding!
A notificação no smartphone lhe abalou as estruturas internas e diante da mensagem na tela, jurou estar a um passo do ataque cardíaco.
— Isso…! — Animada, Lira saltou da cama, quase derrapando ao cair de pé. — É… do Mark…!
Arrastou e levou a saída de áudio para a orelha esquerda, deixando o áudio de longos um minuto e meio rolar, ansiosa pelas explicações e as grandes novidades que ele traria.
… … …
— … Huh…?
Devagar, o celular, ainda aceso, escapou entre seus dedos, dando lugar à mais indescritível explosão indescritível de sensações.
[…]
— … Mando o papo ai — preparou a postura de combate. — Só não vai ficar putinho com a resposta que eu der…!
Mark fechou o punho, desferindo um soco cheio em direção ao plexo solar do homem gigante logo à frente.
— “Conversa” é só um termo um pouco mais delicado — bloqueou, de braços cruzados em frente à região a ser atingida. — Acredito que todo mundo saiba o que significa ter gente armada entrando na sua casa…!
“Huh…! Ele até que reagiu bem…!”, pensou o adolescente, ao ter o ataque bloqueado. “Essa galera é meio especializada… será que…”
— … E formalidades são uma parte importante do processo, garoto…! Dito isso…
“Droga…!”
O agente respondeu com agilidade, ignorando quaisquer pressupostos sobre o tamanho de seu corpo. Rapidamente, desferiu um golpe giratório com o próprio braço massivo, evitado por pouco.
“Ele é bom…!”, evadiu, saltando para cima e para trás, evitando ser acertado.
Antes que seus pés pudessem tocar o chão, o pálido já tinha duas armas apontadas em seu curso.
— Podemos nos apresentar melhor depois dessa…! — apertou ambos os gatilhos.
“É…!”, ativou seus poderes. “Eu vou ter que dar cabo dele… não dá para ficar brincando muito…!”
A chuva de projéteis foi interrompida com o súbito sumiço do adolescente de olhos vermelhos, cujas balas atravessaram como se fosse um fantasma, deixando seis grandes buracos na parede já arruinada.
— Os seus carinhas aí não foram nada demais… Trabalho básico, sem cerimônia… O terceiro ainda deve estar beijando a grama!
“Hmm… Então ele consegue ficar invisível…? Eu preciso me manter mais aten…”
— … Mas você até que sabe uma coisinha de bater em alguém com classe…! — materializou, surgindo detrás do homem titânico.
— Huh?! — Sem tempo de reação, o Agente Walker sofreu o primeiro ataque.
— Uno…!
Tão ágil quanto as balas que falharam em perfurá-lo, o Menotte conectou um potente chute giratório contra o rosto do oponente.
— Dos…!
Aproveitou-se do estado de desorientação e da perda de equilíbrio para carimbar o centro de seu abdômen com o solado do sapato, dirigindo para onde desejava que fosse.
— E… Tres!
Confiante, formou uma investida de corpo inteiro, visando defenestrá-lo. Sem impedimento, ligou a lateral do ombro com o centro do peito do agente, impondo força.
— … Heh… — jorrando sangue pela boca, o homem riu. — Até que eu sei de alguma coisinha, né?
“Hein?!”, ao olhar para baixo, Mark percebeu o fator diferencial. “Ele se prendeu na parede do quarto com a força bruta das pernas?!”
O súbito contato firme da mão esticada contra o ombro oposto o despertou para a inesperada mudança de ares do combate.
— … São anos de treinamento para se chegar nesse nível, garoto!
“Merda…!”, incapaz de reagir com o corpo franzino e mal-posicionado, Mark não teve escolha, senão se deixar vitimar pela força do gigante.
— Não é algo que se conquista da noite para o dia…! — Walker exclamou, o mandando para longe.
… CRAAAACK!
— Kyaaa…! — Assombrada, Mary-Jo cobriu os olhos ao presenciar a sombra alvinegra do Menotte atingir em cheio a parede do corredor.
O impacto ressoou pelas paredes e sua amplitude de propagação derrubou um dos pequenos quadros mantidos por seu pai, rachando a proteção de vidro.
— Prefere se render? — O profundo grave vibrou, ameaçador.
Passos pesados deixaram o quarto, impondo a imponente sombra frente a eles. Julgador, o maior dos agentes não se via mais sozinho, acompanhado dos atiradores já despertados.
— Alvo travado. Aguardando permissão para abrir fogo… — falou o homem à esquerda, em dor.
— Ainda não — sinalizou com o braço. — Antes, eu vou refazer a pergunta… O que acha de desistir disso e só vir conosco de uma vez, moleque?
… … …
— Desistir…? — Lentamente, se reergueu. — Tá me achando com cara de pai que vai comprar cigarro, ô filho da puta…?
O caçado deu uma risada seca, limpando a marca de saliva no canto da boca. Afiados, os olhos vermelhos, brilhantes, focaram o homem ao centro, perfurando-lhe a alma.
— … Parado aí…! Não vai dar mais um passo…!
O agente defenestrado anteriormente reapareceu ensandecido na entrada do corredor, agora carregando, além da arma, um profundo corte sangrento na testa.
— … Morra, sua aberração…! — deixando o ódio falar mais alto, desferiu três tiros contra o Menotte.
As balas perfuraram o corpo do adolescente e, para a surpresa de poucos, resultaram em zero efeitos.
— Credo, que raivinha! — “Mark” sorriu, se desfazendo em estática aos poucos. — Vai matar um adolescente por causa de um cortezinho na testa? Passa uma pomadinha que resolve!
— Droga…!
As balas descarregadas cederam no chão de carpete, no mesmo instante em que ele sumiu, deixando os investigadores estarrecidos, com exceção de um.
— Ah, agora eu entendi…!
Walker foi o primeiro a quebrar a atmosfera pesada do segundo piso, quando, despreocupado, tirou o celular do bolso e passou a digitar um número.
— Senhor… — chamou um dos atiradores. — A gente não devia… ir atrás dele ou algo assim?
— Ah, não! Não precisam se preocupar com isso! De vocês, eu só preciso que me façam um favorzinho…
Com o telefone ao ouvido, o imenso membro da CIA dirigiu o olhar para a pobre garota em estado de choque no canto do corredor.
— Ah… Eu não devia ter te deixado ver isso… Eu sinto muito.
Em lágrimas de puro pânico, ela balbuciava coisas sem sentido, segurando a própria cabeça em posição fetal. Diante de tamanho trauma, ele só podia rezar para que aquilo funcionasse.
— Apliquem amnésicos nela — disse, direto. — Se não funcionar, dupliquem a dose.
— Mas, senhor…! Se duplicamos a dose…!
— Eu disse: dupliquem a dose — reforçou o ponto, anulando qualquer abertura. — Agora, silêncio. Eu vou precisar repassar umas informações importantes… Ah, alô! Bauer? O contato com o sujeito foi estabelecido e tudo se encontra nos limites do esperado…
Conforme ele falava, o agente mais ferido andou até a moça. Ao chegar mais perto, puxou do terno uma seringa, preenchida de um líquido transparente.
— Eu prometo — ajoelhou, focando o braço esquerdo da jovem. — Você não vai lembrar de nadinha.
Infelizmente, não havia o que se fazer sobre os buracos de projéteis pelo quarto inteiro, porém, ao menos, ela não lembraria de um ser humano literalmente sumir diante de seus olhos.
“Em 87,4% dos casos, ao menos…”, refletiu, injetando a substância.
A fórmula em fase experimental urgia de aperfeiçoamento... e rápido.
[…]
— Alô…? Ah, Walker…! E aí, como foi? … Entrou em contato com ele? … Já saiu da casa? Pode deixar comigo…!
Desencostou da árvore, deixando sua sombra, e o pequeno riso perdia a timidez.
— Ele parece conseguir produzir algum tipo de fenômeno ilusório; algo que altera nossas percepções sinestésicas do ambiente e deixa as coisas muito mais confusas.
— Ah, é mesmo? Pode falar, eu tô anotando…!
— Deveria levar isso um pouco mais à sério…
— Relaxa, coroa! — gargalhou. — Pode ficar descansado aí… Só me manda o sinal do rastreador e eu já coloco a equipe para chegar junto!
— Deixo isso nas suas mãos, garota.
— Já é…! — confirmou, cada vez mais deixando o largo sorriso escapar. — Opa, chegou aqui! Hora de cair nessa…!
O sinal do rastreador indicou a localização do objeto, a deixando saber um importante detalhe.
— Ah, então você tá vindo justamente na minha direção? Mas que gentileza, pirralho!
Tocou o pequeno comunicador preso no ouvido direito e com a confirmação do sinal, pronunciou as palavras mágicas.
— Ativar o Protocolo de Assalto Número 42.
À distância, um sinal de fumaça no céu sinalizou a compreensão do comando. Com isso, a moça puxou a própria arma, se recusando a perder mais um segundo.
— Eu vou te pegar, Mark Menotte…
Com a agilidade um ninja e a perspicácia de um guerreiro espartano, carregou a arma em questão de segundos.
— E quando eu fizer, vou finalmente receber a promoção que eu mereço…!