Chamado da Evolução Brasileira

Autor(a): TheMultiverseOne


Uma Cidade Pacata – O Dia em que o Pesadelo Começou

Capítulo 73: Energias

— Não se acumulem aqui…! Por favor, não se acumulem aqui! Retrocedam para o limite demarcado! Repito, retrocedam para o limite demarcado…!

Tentava, mas dialogar com a onda de populares acumulados ao redor de todo o perímetro da construção se mostrava uma tarefa de proporções hercúleas.

— Não fiquem por perto, ou podem acabar sendo feriados…!

Dentre a massa, pais e mães desesperados exigiam explicações para os veículos parados e trabalhadores plantados no gramado da área externa, sem fazer nada por seus filhos.

Profundamente, desejou poder fazer alguma coisa para aliviar o sofrimento quanto à expectativa do inimaginável a ocorrer lá dentro, na estrutura que, a cada segundo, mais lembrava uma fornalha.

“Eu queria muito estar pensando nisso como uma brincadeira, mas parece que só um time de helicópteros dedetizadores vai liberar a passagem para a escola…”

O homem em pesadas vestes contra chamas não tinha como usá-las, pois qualquer pessoa que se aproximasse acabaria sendo ferroada pelo enxame infernal, até não estar mais de pé.

— Nós quase perdemos o Louis para essas coisas…

Há não muito tempo, foi realizada a terceira tentativa de forçar entrada entre a cortina de insetos, operação que não apenas falhou como as primeiras, mas a superou nos termos negativos.

Agora, um colega importante foi afastado, mandando para o hospital com prontidão, após ter sido ferroado por mais de quarenta abelhas.

“Essas abelhas não deveriam estar se comportando assim… Mas o que diabos tá acontecendo nesse país…?”

O enxame não agia de um modo normal, e em primeiro lugar, nem as maiores colmeias chegavam perto de se equiparar ao amontoado, em termos de volume.

Por senso comum, as abelhas deveriam evitar a fumaça, mas essas a buscavam conscientemente, se organizando em uma absurda parede invencível e altamente nociva.

Essas atacavam até mesmo por cima das vestes mais reforçadas, tomando decisões estranhamente inteligentes para coisas tão pequenas, buscando qualquer pequena brecha ou pontos mais fracos na costura.

Caso não fosse tão absurdo de se cogitar, pensaria ter um humano no controle de tudo, comandando cada pequeno soldado de forma estratégica.

— Santo Deus… Quantos já não devem ter morrido…

As reflexões silenciosas do bombeiro foram perdidas no ar de gritos e apreensão dos civis que assistiam ao espetáculo horrível, mistos ao barulho de veículos em aproximação.

“Então, a mídia enfim chegou…”

Pressentiu que não demoraria tanto assim, embora ponderasse a respeito da repercussão do caso, assistindo homens e mulheres arranjarem os equipamentos de filmagem para uma transmissão ao vivo.

“Bem, contanto que eles não furem o bloqueio…”

A tarefa durou meros segundos, agilidade que nunca deixaria de surpreendê-lo, mesmo já tendo visto tantas vezes. Como toque final, o novato da emissora local arrumou os cabelos para a câmera, preparado para cuspir, com esperança, somente os fatos confirmados.

“Huh…?”

A transmissão não se iniciou como deveria. De longe, os viu arrumarem o equipamento novamente, checarem cabos e conexões, para tentarem outra vez e atingirem o mesmo resultado.

“Por que eles estão acenando para mim? Não podem falar pelos comunicadores?”

Dois de seus colegas acenavam do carro de bombeiros, o chamando para mais perto, como se quisessem falar algo.

— Usem o comunicador…! — exclamou. — Falem pelo rádio…! O rádio!

As coisas se tornaram confusas no instante em que um deles respondeu com um sinal de negação, balançando os braços e formando uma cruz.

— Eu vou descobrir o que tá acontecendo… — pressionou o botão em seu rádio comunicador. — Jackson na escuta…! O que vocês… Oh.

O comunicador já havia captado uma transmissão. Do outro, se ouvia somente sons de estática e interferências.

— Estranho…

Tentar alterar a sintonia resultava no mesmo sinal, que ficava mais alto a cada momento, mesmo que o volume permanecesse imutável.

— Uma transmissão criminosa está afetando os nossos equipamentos…?

Jackson não teve qualquer tempo para teorizar, pois quando menos esperou, foi forçado a vivenciar a sensação mais excruciante de sua vida.

— GAAAAAH…! 

O choque durou poucos segundos, mas a sensação foi a de longas horas submerso em um líquido viscoso, onde todo o som vinha abafado e não podia respirar. 

Como reflexo, cobriu os ouvidos, para logo se lembrar da ineficiência do método, por não se tratar de um barulho.

— Mas… que merda… foi essa…?!

A boca se encheu do líquido amargo que foi seu café da manhã, cuspido, sem esforço, no gramado.

— Capitão Jackson…!

À distância, viu uma silhueta se aproximar em passos velozes e desesperados e rapidamente, o rapaz, um pouco mais novo, o levantou.

— Matt… O que diabos foi isso…?

— Eu não sei, mas…

O pânico generalizado tomou conta das ruas quando os primeiros civis se deram conta do que aconteceu e viram muitos dos seus desmaiados ou cobertos de vômito graças ao terrível choque. Por cada canto, muitos ainda gritavam e caíam, nauseados ao limite.

—Nenhum equipamento eletrônico funciona… Celulares, rádios, equipamentos de gravação… Até as luzes do carro ficaram malucas… e isso foi assim que transmissão estranha começou…

O bombeiro Matt pressionava todos os botões em seu comunicador, mas nenhum deles fazia coisa alguma, com nenhum traço de luz visível na pequena tela do dispositivo.

— Todo o perímetro foi afetado, e quando a largura de pulso e a frequência dessa onda cresceram, perdemos comunicação com a base… E quando chegou no pico, vimos pessoas desmaiarem…

Matt envolveu Jackson, ajudando-o a se levantar. O homem, desorientado, necessitou de vários segundos para fazer uma simples pergunta.

— Veio… da… escola…?

— Não podemos dizer com certeza… — pausou, arrumando o braço direito em torno do ombro. — E nem temos mais como descobrir a origem, porque o equipamento todo foi fritado nessa explosão…

E quando as coisas não podiam piorar, surgiu o terceiro membro enviado para o controle do incêndio, trazendo notícias igualmente péssimas.

— Capitão…!

Pietro, um pouco retardatário, se ofereceu para ajudar Matt, trazendo notícias nada animadoras sobre o acontecimento.

— Aquilo foi um Pulso Eletromagnético! — afirmou, em alto tom. — Desabilitou permanentemente qualquer aparelho elétrico… Agora, não vamos poder pedir ajuda!

Tais palavras levaram o capitão a gelar, encarando fixamente o vazio da rua, ciente do significado longe de fútil de tais dizeres.

— Eu não faço a menor ideia de como esses terroristas conseguiram acesso a algo assim, mas se realmente for algum tipo de arma eletromagnética…

— As abelhas… — apontou Jackson, em tremores. — Isso matou todas as abelhas…

Caídos em pilhas, os poucos insetos ainda vivos se debatiam em seus últimos momentos, fritos pela enorme quantidade de energia, abatidos como uma frota de drones de guerra.

— … Vocês três estão bem?!

O trio de bombeiros foi tomado de supetão pela voz que surgiu atrás.

— A escola…! Droga, pode ser tarde demais…!

Demoraram mais do que deviam para fazer a conexão; pelas roupas, aquela mulher indicava se tratar de uma enfermeira. 

Vê-la surgir de um modo tão imediato, era, no entanto, estranhamente calmante, e por um motivo jamais explicável por meras palavras humanas.

— Aqui, me deixem ajudar…

Sequer puderam questionar sua presença ou motivos, aceitando o suave toque das mãos tão quentes e tranquilas, os preenchendo de uma estranha sensação de paz.

— Saibam que eu sinto muito…

Nenhum dos três tiveram condições de reagir à pequena sensação estranha nas bases de seus pescoços, e quando viram, o torpor de seus olhos os abandonaram, para um conforto sonolento.

Levou somente cinco segundos de ação para derrubá-los como rochas.

“Trabalho feito… Mas agora…”

Ocultou a seringa, usada, no pijama hospitalar. Com os três apagados, seu trabalho seria muito mais simples.

“Eu preciso impedir isso...

Sem mais delongas, apressou um ritmo de corrida, invadindo corajosamente os portões da grande escola em chamas.

[...]

— Uh?!

Depois que a dor de cabeça martelante começou a passar, a primeira mudança notada por seus olhos foi a falta quase completa de iluminação.

Na grande sala escura, via nada além do contorno luminoso da grande porta, mandando um fraquíssimo brilho cinzento para dentro.

Os computadores com o sistema de câmeras não funcionavam, e mesmo pressionando violentamente todos os botões, nenhuma das máquinas respondia.

O plano caiu por água abaixo.

— Não…!

As abelhas exclamavam em sofrimento, podia sentí-las, e a avassaladora maioria havia morrido em um estalar de dedos.

O mesmo valia para as mariposas, escorpiões, formigas, aranhas… Tudo, cada uma de suas armas, varridas do mapa.

— Não… Não…! NÃO…!

Sabia o que isso significava e lembrava das sérias consequências que viriam por ter falhado em sua missão.

Em todos esses dias, nunca pôde escapar de seu olhar, sempre vítima da sensação de observação, às vezes, confirmada nos piores momentos.

E tinha a mais absoluta certeza de que esse era um deles.

Ele estaria ali para anunciar o seu fracasso e zombar disso, e deixar com que soubesse do futuro que aguardava.

— Não… Não…

A garota envolveu a si mesma, se jogando num canto da sala escura, esperando ser, esperançosamente, ignorada por isso que sentia chegando, mais e mais perto da porta.

A parte mais enganadora de tudo foi pensar sobre o quão calmo tudo havia se tornado.

Ela tomou seu último gole da própria saliva quando a porta da sala se abriu.

— EU VOU MATAR VOCÊ...!

Olhos rosados, jorrando lágrimas de sangue imparáveis e uma forma de postura animalesca, repleta da mais profunda raiva. Meramente ver tal figura a fazia querer vomitar de tanto medo.

Não adiantou ficar quieta, pois sempre a viu, desde o princípio.

— Você…

Um suspiro leve e trêmulo escapou entre seus lábios finos, e quando mirou nela, viu o fundo de sua alma e a crucificou, ali mesmo.

Várias formas surgiam ao seu redor, círculos de cores e tamanhos variáveis, tão brilhantes quanto ela própria, todos mirados em foco único.

— Eu vou te esmagar... Me desfazer de todos os seus ossos...

Possessa, Lira Suzuki bateu em disparada e a imobilizou pelo pescoço, mantendo-a presa no chão frio por uma força impossível de caber em tal corpo.

— Ugh…!

Ela tentou se debater, algo tão em vão quanto um inseto tentando fugir de seu destino pelo solado de um sapato qualquer. Lira a olhava de cima, em pura mania. Em sua face, ela via a própria morte.

— O que foi? Buscando por ar? Você acha que tem o direito de respirar…?

A Suzuki aumentou a intensidade de seu aperto, ficando as unhas polidas na carne da menina que não conhecia, mas que queria tanto ter o prazer de matar.

— Você vai morrer… Morrer… Morrer…!

A força sobrenatural lhe cortava qualquer chance de respirar e, aos poucos, sua visão se transformava em uma sombra nebulosa. 

— Olhe o que você fez comigo…! Hahahahaha!

Gargalhadas insanas escapavam entre seus lábios, cada vez mais altas e expressivas.

— VOCÊ ME QUEBROU…!

Livrou-a de sua mão esquerda, e quando pensou enfim poder respirar de novo…

— VOCÊ TOMOU TUDO DE MIM…!

… Sofreu um soco no estômago, que a esvaziou de todo o pouco ar remanescente.

— A CULPA É SUA… SUA…!

Uma leva de golpes extremos se iniciou —  um soco atrás do outro, cada um mais forte que seu predecessor — , todos mirados no rosto da adolescente.

— ELE… ELE NÃO TÁ COMIGO AGORA POR SUA CAUSA…!

Soube do que ela falava e, de fato, foi a responsável por separá-la do tal garoto, por ordens dele.

— MORRA…!

Não vivia uma sensação diferente de dor, e enfim caiu em termos com o fato de seu fim. Seria melhor assim, onde não teria de ver o sofrimento de quem ama.

“Mãe… Pai… Me desculpem…”

O punho da asiática faria o contato final com seu rosto. Em preparo psicológico para o destino inevitável, cerrou os olhos.

Porém, a dor nunca veio e em seu lugar, recebeu a mais pura inércia.

“O que…?”

Escutou algo sólido colidir com certa gentileza, seguido pelo som de algo muito mais grosseiro e  pesado, a rolar.

— Caramba…! E imaginar que eu veria um surto desses algum dia… Se eu tivesse demorado um segundo a mais, você teria virado torrada…!

De início, pensou ter sido enganada por sua própria mente depois de tantas pancadas, mas tal impressão morreu quando Lira foi tirada do chão pela mulher com roupas de enfermeira.

— Ela definitivamente é poderosa, mas não deve saber controlar direito… Ao menos é o que eu acho!

Pele escura, cabelos negros bastante ondulados e, em especial, chamativos e brilhantes olhos roxos. As únicas vestes se resumiam a um pijama hospitalar azul-escuro, que, mesmo assim, a deixava tão estilosa.

— Ela vai dormir por umas horas com a dose que eu administrei.

A tal mulher repousou a desfalecida Lira em um pequeno sofá no canto da sala e, por um breve instante, ela jurou vê-la escondendo uma seringa vazia entre as roupas.

— Mas, enfim…!

De humor jovial e extrovertido, sorriu cintilante e, compartilhando amplas energias positivas, a fez uma proposta irrecusável:

— Você vai me dar uma ajudinha com as coisas, né? — piscou, cheia de charme.

Mesmo em face de todo o trauma da quase-morte, a adolescente não pôde evitar de corar, posta contra tanto carisma.



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