Chamado da Evolução Brasileira

Autor(a): TheMultiverseOne


Uma Cidade Pacata – O Dia em que o Pesadelo Começou

Capítulo 67: Explosão de Chamas

“Como será que o meu irmão tá…?”

O turno no hospital corria como o habitual, sem muitos pacientes para se preocupar, algo que, ironicamente, não a dava alívio algum.

E isso não se devia pela natureza do trabalho em si e, afinal de contas, até mesmo a tão competente Hannah podia se dar ao luxo de aproveitar um dia um pouco mais folgado no trabalho.

“Esse sentimento ruim… Desconforto.”

Algo terrível ocorreria em pouco tempo, pois “dias calmos” nunca foram algo natural em sua vida.

“Isso me lembra… Daqui a pouco, vou ter que olhar no leito daquela garota.”

Tinha em mãos o fichário com as informações de Emily Attwood e logo no contato com a primeira página, mordeu os beiços, ao lembrar de todo o sangue perdido por ela, no fim de semana.

Em poucas palavras, seus últimos dias no hospital foram repletos de puro sofrimento.

Dores em todo o corpo, potentes o bastante para se querer desejar a morte, juntas a febres de cozinhar os miolos… Uma estadia gratuita no inferno.

“Os gritos de agonia que ela deu durante a madrugada inteira… Oh céus… A quantidade de sedativo que tivemos que aplicar nela teria matado um leão africano…”

Por mais dessensibilizada que fosse, ver alguém assim doía, ainda mais ao ter plena ciência de que a medicina moderna tinha um belo e oval 0% de efeito em qualquer um desses sintomas.

A machucou profundamente ter de estar lá e ouvir a garota gritar que sentia suas entranhas rasgarem, de novo e de novo, e não ser capaz de fazer nada.

Não aguentava mais sorrir e dizer “esse remédio vai fazer você melhorar”, quando isso não podia ser mais distante da verdade.

“Ao menos, parece estar acontecendo de um jeito bom… Ou ao menos eu espero. Se ela não tivesse recebido o meu sangue, a coisa a teria matado em questão de alguns dias.”

Sua decisão de ter fé nas palavras de sua mãe mostrava o traço de sua fraqueza: Hannah era boa demais para esse tipo de serviço, e seu senso de julgamento sempre acabava deturpado.

“Eu sei, eu sei… ‘Não se pode querer ver a bondade de todo mundo, Hannah’... É, eu sei, mãe…”

Guardou o monte de papéis em seu local de direito. 

“Eu preciso descobrir como ela entrou em contato com aquilo.”

Em pouco tempo, iria dar uma espiada em Emily e tentar cair em suas graças com um pouco de sorvete.

“Huh?”

Uma mancha vermelha surgiu no papel.

— Hannah, você não vai acreditar no que eu tenho para te contar hoje…!

A voz gritante e luminosa de Mary a arrancou de seu bizarro transe. Em desespero, limpou a mancha, desajeitada, e enfiou o arquivo de volta em seu lugar.

— Ah, Mary…! — afogada em pânico, mostrou um sorriso plástico. — O que você tem para me contar?

Hannah sorriu tão bem quanto pôde, mas isso não enganou sua melhor amiga, em especial porque a mudança não tinha como ser tão facilmente mascada.

— Hannah… Tá tudo bem? — olhou, preocupada. — Tem certeza que você não tá se esforçando demais?

— Uh… Tá tudo bem, sim, Mary… Por que não estaria?

A loira torceu o rosto em careta, levando a mão ao queixo.

— Porque, Hannah…

Levou uma mão ao bolso, tirando dele o seu celular. Depressa, seus dedos a conduziram à câmera frontal.

— O seu nariz… — mostrou a tela. — Tá sangrando…

[...]

A energia elástica acumulada em suas pernas encontrou vazão em sua corrida e preenchido por uma vontade tão quente quanto às chamas ao redor, mirou nele.

— Eu vou descobrir qual é a de todo esse esquema… Nem que para isso eu tenha que arrancar de você!

O púrpura visceral roubou a temperatura da alma e a visão oculta por baixo da máscara adquiriu contornos turvos com a aproximação da larga e escura mão destra espalmada.

Por um milagre final, suas articulações reagiram de último milésimo, dobrando os joelhos e dando um curto salto para trás.

— Não vai se safar assim…!

Longe de estar livre, aproveitou a distância a mais e, cheio de uma dose ínfima de conforto, se lançou por cima de uma mesa em um gesto acrobático.

Nada o mostrava que esse cara iria parar, porém.

— Eu vou te pegar…! E assim que eu tiver as minhas mãos nessa sua cara… — O viu agarrar uma cadeira. — Então eu vou atrás de quem começou essa merda toda…!

Girou o corpo, se contorcendo por inteiro para jogar o pedaço de madeira parcialmente incandescente em sua direção. Em um trajeto de linha reta, foi mirado para acertar sua cabeça.

“Que precisão é essa?!” 

Diante do pouco tempo de reação, apelar para seu próprio talento foi a única resposta.

O mascarado espalmou sua destra e nela, pequenos focos luminosos se condensaram em uma esfera alaranjada, tão grande quanto uma maçã; um golpe feito às pressas e não mais que o suficiente para responder à altura.

— Eu vou descobrir como você conseguiu esse poder…!

O eco da voz dele se uniu ao som da explosão, e quando a onda de luz quente acabou, já era tarde demais para se tomar outra medida.

O cara alto, vestido em tons escuros, já havia subido na mesma mesa.

— Merda…! — falou alto, pela primeira vez em um tempo. — Não vai me pegar…!

Pisou firme na madeira e, de seus pés, ergueu-se uma súbita coluna de fogo que partiu a mesa em duas, criando uma parede que o impediu de avançar. 

Ryan foi forçado a abandonar o ataque e saltar de volta ao chão, ao passo que a madeira foi rendida ao seu destino final.

Os dois, outra vez, acabaram em posições distantes o suficiente um do outro.

— Você… Você tá fazendo isso por causa das garotas, né….? Você tá brigando porque quer salvar elas, né?!

A voz do mascarado, abafada, quase não foi compreendida em meio aos cliques e pequenos estouros do material inflamável a deixar esse mundo.

Isso, porém, não foi empecilho para o Savoia.

— Aquelas garotas? Eu não tenho como me importar menos com aquelas garotas…! — Ele exclamou, ao topo dos pulmões. — O que eu quero mesmo saber é…

Mostrou os dentes, apresentando-lhe a pura raiva na cor de ametista.

— É QUEM TÁ SE ATREVENDO A FAZER TODA ESSA MERDA NA PORCARIA DA MINHA VIDA…!

— Eh?! — Em um gesto reflexo, desviou de algo. “Esse cara… Que tipo de capacidade é essa que esse cara tem?!”

Livros, em suas dezenas, foram atirados com grande praticidade e velocidade, suficiente para fazer doer ao impacto com sua pele. Como uma máquina, aqueles olhos brilhantes calculavam uma rota e seus gestos seguiam o plano, sem erro.

“Como ele tá fazendo isso?!”

— Não importa o quanto você desvie, porque, no primeiro toque que eu te der…!

Pegou outro livro da estante decadente, um grosso exemplar cujo nome, chamuscado, não tinha como ser lido.

— Eu vou fazer você sofrer muito mais…!

Em momento algum de seu bombardeio ele sequer piscou, lançando coisa atrás de coisa com gestos transbordantes em potência.

“Espera… Esse jeito como ele tá se mexendo…!”

— Eu vou acabar com qualquer um que continuar me trazendo esses problemas…!

Aprendeu algo — ou melhor, lembrou — ao analisar os estranhos e intensos movimentos de seu oponente.

“Tudo isso não passou de um monte de distrações! Ele sabe que jogar esses livros todos é uma manobra insignificante!”

O mais alto cortou distância em um flash, surgindo quase que magicamente a poucos centímetros de seu nariz.

“Droga! Deu ruim!”

Como último recurso, expirou por suas narinas, liberando uma pequena quantidade de fogo.

Precisava formular um plano para lidar com ele, e depressa.

“Eu já não tenho mais energia…!”

— Volta aqui...! Agora mesmo…!

A perseguição pela biblioteca não os levaria a lugar nenhum e ambos tinham noção disso e, caso não tomassem uma atitude, logo se tornaria uma batalha de resistência.

“Só tem um jeito de acabar com isso…!”

Outro livro passou, quase cortando a borda de sua orelha, e em meio ao labirinto de estantes, continuou, sem olhar para trás.

Seu plano demandava tempo, um recurso sem disponibilidade, ainda mais precioso que o limitado ar respirável.

Extraiu o máximo do pouco oxigênio restante, para um último ataque.

“Isso vai fritar com todas as minhas energias… Mas se eu passar por cima desse cara…”

O tempo desacelerou para o mascarado, levando-o a considerar todo o caminho que o trouxe até esse segundo. Com leveza, cruzou os braços em torno do rosto, se rendendo à reflexão.

“Essas posições que esse cara adota… Ele luta igual um multiesportista.”

Ele o alcançaria em segundos.

“Ele disse que só precisa de um toque para me vencer… Então, será que isso não é a verdadeira habilidade dele?”

Se desligou de toda a dúvida por esse breve momento, se concentrando no que vinha de dentro.

“De qualquer forma, eu continuo sendo muito mais forte do que ele. O meu talento é bem melhor do que saber jogar umas coisas e dar uns saltos por aí…”

O calor em seu peito cresceu, escapando por sua respiração. Inconsequente, seu inimigo caiu na armadilha.

“Foi mal, cara… Mas só pode existir um herói neste mundo e esse serei eu.”

Abriu a boca em um gesto de sopro, de frente com seu combatente a correr para tentar agarrá-lo.

[Explosão de Chamas]

O murmúrio, tão silencioso, veio logo antes da maior destruição material vista na história da cidade inteira, quando as chamas dançantes lamberam o rosto dele, envolvendo-o de todos os lados.

Uma imensa explosão cortou a edificação inteira e colunas de fumaça e fogo tomaram os corredores mais próximos dali. O fogo escapou por portas e janelas, irrompendo, violentamente, por qualquer caminho, possível ou não.

Nuvens e mais nuvens de insetos foram reduzidas a cinzas e brasas, chovendo por entre os rios sufocantes que tomavam conta dos corredores e, no fim, pouco restou do que um dia foi chamado de biblioteca.

O fogo, agora rejuvenescido e mais ardente do que nunca, terminou de consumir os livros, sendo as únicas coisas restantes as peças da ótima madeira rústica de Elderlog.

Mas mesmo essa madeira não duraria muito mais que dez minutos, antes de se tornar carvão e ele entendeu o significado disso.

— Eu… Eu venci…

O ex-mascarado caiu sobre os próprios joelhos. No chão, viu os restos derretidos de sua máscara, permanentemente grudados aos azulejos.

— Ah… Não… Se alguém me ver assim…!

Tentou se mover, mas seus músculos não respondiam. O último ataque consumiu todas as suas energias e o fato de ainda estar vivo não se tratava de menos que um milagre.

— Eu… Eu não… Eu não posso ser encontrado…

Mechas vermelhas e alaranjadas, variantes em um padrão de chama, acompanhado de olhos amarelos, as três cores básicas usadas por qualquer criança para desenhar uma labareda.

— Eu não posso deixar que eles me vejam assim…

Deslizou sobre os escombros, rastejando como um verme e começou seu lento caminho rumo à saída.

— Eu… concluí o meu trabalho… Eu… Eu fiz o que ele me mandou…

Falava, mas não tinha fôlego real, então cada palavra escapava como mais uma fração de ar corrompido, sem vida ou substância.

— Ele não vai… fazer mal para ela… Ele não vai… machucar mais ela…

O sorriso dela o muniu de energias e imaginá-la viva e bem, longe de todos os problemas, lhe foi o motivo para continuar se arrastando.

— Ela vai ficar bem… Ela vai…

Viu a saída coberta de fumaça, tão próxima. Assim que saísse pelos corredores, podia esquecer tudo isso e se fazer de mais uma vítima a ser resgatada.

Não duvidariam de seu estado, muito menos de seu visual — algo tão comum e crescente entre os jovens de seu tempo — e, no máximo, fariam uma piada ou duas, quando já estivesse na ambulância.

— Vai ficar tudo bem…

Sua mão tocou o chão um pouco mais frio do exterior. A missão foi concluída.

— Eu… Eu fiz…!

O turbilhão de felicidade se formando em seu peito o levou a rir como nunca antes, tanto que sequer notou a mudança completa no ambiente em que estava até abrir os olhos outra vez.

— Eh…?

Para definir o novo lugar, uma palavra bastaria:

Branco.



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