Chamado da Evolução Brasileira

Autor(a): TheMultiverseOne


Uma Cidade Pacata – O Dia em que o Pesadelo Começou

Capítulo 92: Predador

"Isso é loucura… Isso é muita loucura…!"

A missão impossível imbuída à pobre garota se aproximava de seu auge.

"Se o que a Hannah disse é mesmo verdade… Ah…! Eu nem sei o que esperar…!"

A fumaça crescia em volume, indicando proximidade com a biblioteca e por mais que pudesse parecer, a perca de visibilidade quantificava o menor dos problemas.

Ao topo de não poder respirar direito, o medo de alguém sair dali para matá-la corroía seu coração, tingindo cada movimento de profunda hesitação e aumentado alerta.

"Uuuh…! Eu… eu não sei o motivo de ter concordado com isso…!"

Diante de tamanha dor, ela não teve como dizer "não". Os olhos de Hannah suplicaram, tão cheios de luz, que sequer percebeu seu próprio corpo se movendo em direção ao princípio da tragédia.

Cof! Cof! — cobriu o rosto, fechando um dos olhos para protegê-lo das cinzas. — Eu só espero que isso funcione mesmo…!

Entrou na biblioteca da escola, lugar onde o pesadelo daquela tarde se iniciou. Lá dentro, não muito se via, além das sombras de estantes destruídas e afins.

“Que caos…!”

Cadeiras em pedaços esparramadas pelos cantos, algumas ainda queimando, e a certo ponto de vista, era um milagre ainda existir oxigênio na sala.

"As janelas… Algum fluxo de ar tá passando pelas janelas, mesmo que mínimo…"

Um incêndio de tamanhas proporções teria encontrado seu fim muito antes, caso existisse não mais que uma entrada aberta. Depressa, o fogo findaria todo o oxigênio, causando estrago razoável, mas limitado.

O restante da estrutura, não-inflamável, iria segurar a expansão da destruição; um bom sinal, em meio a tantas más notícias.

"Pelo menos o lugar inteiro não vai acabar caindo sobre a minha cabeça…"

Conforme ela pensava nisso, um grande barulho se destacou em meio aos cliques luminosos das brasas, gelando-a até a ponta do último dedo.

CRAAACK!

"Isso foi uma estante caindo?!"

O som veio de noroeste, do canto mais distante quanto possível da entrada.

"Não… Não foi tão alto assim… Uma estante em queda faria um barulho maior…!"

A ansiedade temerosa se manifestou em incontroláveis espasmos musculares e, por um breve momento, se permitiu esquecer o que levava em mãos.

— Ah…! Merda, eu quase ferrei tudo…!

Na destra, levava uma frágil seringa com agulha acoplada e alguns mililitros de algo que não queria saber do que se tratava.

— Eu… vou ter que usar isso nele…

Devido à falta de tempo, Hannah não teve muito tempo para explicar as coisas de um jeito adequado, deixando-a para correr em meio a montanhas de incerteza.

"Eu não posso ficar perdendo tempo…"

De fato, a Savoia disse tão pouco que seria preferível não ter falado nada, pois isso não geraria tantas perguntas novas e mais estranhas.

"Se ele estiver mesmo aqui e se as coisas forem do mesmo jeito que ela disse…"

Na velocidade permitida pelas pernas trêmulas, a adolescente de marias-chiquinhas prosseguiu entre a destruição.

"... Então eu não sei como isso vai ser possível."

A explicação não foi clara, mas uma ordem ficou expressa: Ann teria de parar Ryan a qualquer custo e a droga em sua mão era o único modo de fazer isso.

"Por favor, não esteja muito maluco, Ryan…!"

A imagem do olhar dela ao dizer para jamais hesitar, independente de como a situação se mostrasse, não mais deixaria os confins mais profundos de seus futuros pesadelos.

“Ela disse para não vacilar nunca… O que isso quer dizer de verdade…? Ah, eu lá sei…!”

E a incerteza trazia desconforto imensurável, mais profundo em relação a qualquer coisa que o calor opressivo podia sonhar em causar.

O caminho se mostrou difícil e o monte de livros empilhados, antes organizados de forma relativamente previsível e linear, agora formavam um labirinto de destruição e caos.

"Como eu vou passar por cima disso?!" pensou, admirando a pilha de madeira e papel a arder, vivaz.

O lugar podia ser comparado a várias fileiras desorganizadas de dominós, a forçando a andar cautelosamente, pelo medo da possibilidade de alguma peça ceder.

— … O que é isso…? A minha pele… Eu tô… com frio…?

Inicialmente, julgou ser um mero sintoma da crise de pânico que tanto se esforçava para conter, porém, algo interno passava a mensagem oposta.

— Isso não é normal…! Eu…!

— Então você é mais uma deles, hein? Me deparando com tantos me faria pensar que eu estou com sorte…!

A voz, grave e pesadamente masculina, caiu com o peso de uma bigorna sobre o ambiente saturado, roubando o pouco ar nos pulmões e o trocando por inimaginável tensão.

— Não precisa nem tentar esconder… eu consigo ver pelos seus olhos.

A mudança na energia local a oprimia, como se uma pesada cortina de ferro empurrasse o ar para baixo, dificultando ainda mais o trabalho de respirar.

Ele surgiu da zona mais densa, sem dar o menor dos sinais, e antes de sequer ter noção disso, ela o encarava em retorno, mesmerizada pela pressão de sua presença.

A sensação se mostrava tão terrível quanto a de encontrar com aquele sujeito sem nome.

— Não vai dizer nada na sua defesa? Não vai tentar fugir ou dizer que tudo isso não passa de um mal entendido? Não é isso que todos vocês dizem?

Havia, porém, uma diferença em polaridade e mesmo que o temesse com cada célula do corpo, algo naquela presença a chamava ao encontro dele.

De relance, a garota viu o reflexo de seu rosto no pequeno bracelete em torno do punho esquerdo, onde dois pontos azulados adquiriam destaque especial.

"O quê…?"

imediatamente, compreendeu o sentido por trás das pulsações no centro de seu peito: os insetos a chamavam, de tão longe que quase não podiam ser ouvidos, evento catalisado pelas capacidades dele.

"Esse… é o irmão da Hannah…"

Ryan permanecia impassível, focado nela como um canibal a escolher, cautelosamente, qual parte iria saborear primeiro.

Não havia modo de dizer o que se passava por trás do vazio roxo daqueles olhos inexpressivos e a incerteza acerca da própria vida a afogava em angústia.

"Ele… Ele brigou com alguém…"

Arruinado, vestia trapos, com extensas queimaduras na metade esquerda do rosto e no respectivo braço, além do sangramento estagnado na testa, contido por uma bandagem feita às pressas, incendiada.

"Não me diga que ele…"

Ann soube instintivamente dos resultados e a descoberta a levou a temê-lo com a própria alma.

— Bem, se você não vai falar nada, eu vou assumir que é porque não tem nada para escutar, então…

"Ah…! Caramba…!"

O medo se aprofundou ao vê-lo assumir a instância combatente mais clássica: punhos à frente do rosto.

— Vamos só acabar com isso logo… — Ele anunciou, secamente.

"Eu tenho que dizer alguma coisa…!"

Desesperada, tomou um salto lateral, por pouco desviando da explosão de ar criada pelo intenso chute do rapaz.

— Se insiste em fazer isso ser mais difícil para si mesma… — Ryan já preparava outro ataque, tomando um pedaço de madeira na mão.

"Merda…! Merda!"

Não podia se dar ao luxo de perder a seringa e desviar para sempre seria simplesmente impossível.

"Ele é forte demais… e nem parece que tá tentando de verdade!"

Chamar os insetos também não servia de opção, pois logo morreriam, oprimidos pelo calor e os gases tóxicos.

"Rápido! Pensa em algo, Ann! Pensa!"

A única opção moldada pelo cérebro a mil veio coberta de riscos.

— Eu não queria ter que matar uma mulher, mas essas são as coisas que essa vida nos força a fazer. Se você é um deles, não dá para deixar isso de lado. Seria uma irresponsabilidade e tanto.

A entonação distante, dizendo algo no estilo "olha, esse é só o meu o trabalho", acompanhou a preparação do arremesso.

Em meio a tanta seriedade, profunda loucura e amplo desejo assassino podiam ser garimpados como o ouro de um rio; tão racional e tranquilo, só tinha um objetivo.

“Ele quer me matar…!” estremeceu ao cogitar, calculando qualquer possível desvio.

Tais olhos, desinteressados e dispersos, brilhavam com foco inquebrável, visando o centro do peito da estudante, despindo-a da condição de “humana”, reduzindo-a a uma simples presa.

— No seu lugar, eu não resistiria tanto — anunciou, já em posição. — Eu não te conheço, então não me dê motivos para te fazer sofrer mais do que o necessário.

Ryan era um predador, e ela invadiu seu território de caça.

“Eu preciso escapar dele…!”

Em tentativa de fuga, a jovem se aprisionou quando, no fim do corredor de livros, se deparou com uma selvagem pilha ígnea a bloquear o caminho.

"Ah… não…!" fez careta, mordendo o lábio inferior.

— É aqui que acaba. 

Frio, o rapaz preparou o pedaço de madeira como um lançador e sem hesitar, elevou o braço por trás da cabeça, aplicando força explosiva.

— Eu… Eu tô com a Hannah…!

Tendo cerrado a vista, Ann agradeceu a toda e qualquer divindade ao fim de vários segundos sem dor, feliz ao cúmulo com o funcionamento da aposta.

— Hannah…? De onde você conhece esse nome?

A hesitação cedeu e a permitiu ver novamente; receosa de um possível ataque, a menina manteve os braços acima do rosto, ocultando a agulha. A situação tomou ares de tudo ou nada, e algo mais teria de ser dito.

— Ela… está aqui, na escola… agora… Ela me disse… para encontrar você…

Agora, restava rezar para que funcionasse.

— Hannah? Aqui…? Mas o que ela… — Confusão o tomou por breves momentos, mas não durou muito. — Eu não acredito em você.

O olhar profundo das ametistas revirou a alma e, tomada por medo, a adolescente deu um passo atrás.

— É… a verdade…! Ela… Ela tá aqui…!

— Você vai ter que provar, e não vai ser com as suas palavras…!

"Uh-oh…!"

Sem outra opção, Ann saltou por cima do fogo, suplicando para que a labareda atingisse suas roupas.

— Ugh…! Minha perna…!

Por milagre, os jeans não foram incendiados, mas o fogo chamuscou a barra direita da calça, empurrando incapacitantes rotas dolorosas pelos tecidos acima.

"Eu não tenho tempo para olhar agora!"

— Ah, eu não vou deixar você escapar assim…!

A estratégia comprou alguns necessários segundos, ao caro custo de elevar a agressividade dele. 

A partir de agora, tinha motivos para se preocupar com ela, e a prospecção da operação não soava boa.

"Mas… Por quê…?" Uma importante dúvida surgiu.

— Você não vai fugir…! — A exclamação foi ouvida de longe, seguida do estrondo vindo da destruição de outra estante.

CRAAACK…!

Ela não compreendia o motivo daquele comportamento; se Ryan e Hannah eram, de fato, irmãos…

"Então por que ele ficou tão confuso?!"

Ao tomar a direita, ela por muito pouco evitou ser atingida nas costas por um pesado livro voador.

— Garota…! — Ele gritou, soando enfurecido. — Quando eu te encontrar, vou arrancar essas palavras da sua mente…!

"Eu não posso fazer barulho…!" Cautelosa quanto a sua localização, cobriu a boca.

— O que diabos a Hannah teria haver com essa porcaria?! Hein?! Me responde…!

Oculta atrás de uma das mesas destruídas, unia pedaços de um novo quebra-cabeça, cujo sentido ficava mais claro a cada vez que o ouvia falar.

— Você tá mentindo! Não tem como ela estar aqui! Eu conheço a minha irmã!

"Espera…"

— Ela provavelmente tá em casa, dormindo agora!

Enfim a revelação a alcançou.

"Ele… não sabe?"

Um tipo diferente de friagem cruzou-lhe o corpo e junto, veio a compreensão da conversa anterior com Hannah.

"Foi por isso que ela me pediu para 'ficar de olho' nele…?"

Hannah escondia a verdade de seu próprio irmão, por motivos que não cabiam a ela saber, porém que, de qualquer modo, não deixavam de intrigar.

— Eu vou procurar em cada canto…! Eu vou saber a verdade!

"Por que ela não diria a ele…? Qual o motivo de guardar isso como segredo?"

Hannah não aparentava ser uma pessoa ruim e, de fato, nada na doce enfermeira revelaria qualquer caráter maligno oculto, logo, para tal decisão, deveria existir um ótimo motivo.

"Mas… qual?"

Infelizmente, adivinhar coisas nunca foi o ponto forte dela e na insistência de tentar costurar uma teoria plausível, não notou o movimento de sua própria perna.

Tuk!

— … Então é aí que você tá…!

"Puta que pariu…!"

Simples descuido a levou a bater nos restos de uma cadeira, gerando não mais que o suficiente de barulho para revelar o esconderijo.

"Merda…! Merda! Merda!"

Infectada de nova dose da taquicardia inquieta do temor, fugiu, forçada a deixar o improvisado forte, rendido inútil.

Tentando correr, agarrou a seringa com força, quase ameaçando quebrá-la de vez. Em tal ponto, já não tinha mais certeza se poderia concluir o plano inicial.

— Eu disse…! Não vai fugir de mim!

Os sons de destruição da mobília a rodearam, dispersos entre a fumaça e, assombrada, a deixaram sem lugar para ir.

— Aargh…! — Ela, por pouco, evadiu-se do trajeto dos remanescente de uma cadeira.

O objeto se chocou com a estante logo atrás, prontamente desfeito em fragmentos da cor de carvão. O impacto gerou um efeito de cadeia, derrubando o móvel.

CRAACK!

— Eu vou descobrir o quanto você sabe.

Ryan tomou um passo à frente, "impaciente" sendo uma palavra pequena para descrever seu humor.

— Você vai me contar tudo.

Com um pisoteio, partiu ao meio a perna da cadeira, catando a parte solta.

— Uuuh…!

O medo a devorou por inteiro. Não havia para onde correr ou sequer como; Ryan era veloz demais, forte demais.

— Eu vou te falar uma última vez: não resista e talvez isso não vá doer tanto.

Ele a tinha encurralada; para qualquer lado, somente restos em brasa e, à frente, o púrpura final.

"Me mexer… Eu preciso me mexer…!"

O Savoia surgiu como um flash diante dela, esticando os dedos longos em direção à testa.

Teria de ser agora.

— Toma essa…!



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