Chamado da Evolução Brasileira

Autor(a): TheMultiverseOne


Uma Cidade Pacata – O Dia em que o Pesadelo Começou

Capítulo 101: Ódio

CLAP!

O contato das mãos trouxe consigo a mais sinistra mudança já presenciada pelos olhos secretamente aterrorizados da moça.

— Uma ilusão?! Hah…! — zombou, se esforçando para esconder os tremores. — Depois de tanta porrada, acha mesmo que a merda de uma ilusão vai me derrubar…?! Manda outra que essa foi engraçada, Mark…!

A ideia por trás de um corpo tão decadente possuir tamanho ímpeto gerava terríveis sensações, nas escalas mais intensas.

"Vai dar para vencer isso…" solidificou a postura de combate, pondo as mãos frente ao rosto. "... Eu… ainda posso vencer… né…?"

A incerteza, na forma do frio na espinha, sempre tão constante, a fazia tremer diante da visão das capacidades definitivas do jurado rival, quando o horizonte se reduziu às trevas.

O brilho rubro das lentes reinou imperioso entre a fumaça negra. Viva, a escuridão — densa a ponto de ser tangível — cobriu o espaço ao redor deles, dividindo-os do mundo.

— Grrr… — rangeu os dentes, combatendo o súbito congelamento das pontas dos dedos, pondo-se à frente. — Até quando vai ficar de showzinho?! Eu já sei o que tu faz…! Vem logo e cai para cima…!

Externava confiança, mas por dentro, desejou um prolongamento da apresentação, quando, infelizmente, ele resolveu atender sua demanda.

— GRRRRRRRR…

Depressa, as densas nuvens se moldaram, a tomar forma inimaginável e a forma nascida do ódio ganhou vida, seus grandes olhos brilhando em rubro profundo.

— … Ah, então é assim que vai ser…

Ventania nociva cruzou os fios loiros ao rugir da fera titânica, apontando se tratar do ato final.

— Heh… Hehehehehe…!

O choque entre azul e vermelho abandonou quaisquer regras; um deles haveria de morrer e o vitorioso deteria do direito de viver em função da própria versão.

— Ahahaha…! Eu não aceitar que fosse de outro jeito, Mark…! — maníaca, a mulher travou os punhos e tomou impulso. — É AGORA OU NUNCA, EU E VOCÊ…!

— GRAAAAAW…! — A imensa criatura respondeu em espécie.

O embate inicial teve o início declarado.

— … HIEEEEAGH…! — Com a força acumulada, a loira saltou rumo à forma reptiliana adiante. — Não adianta se esconder dos meus olhos, Mark…!

Do canto da vista diversas vezes aprimorada, sutis movimentos podiam ser captados entre as nuvens.

— Eu sei onde você tá, e, principalmente…! — Em pleno ar, mudou de curso, encarando um ponto indistinto.

Tais, invisíveis para pessoas comuns graças aos efeitos da [Ilusão], não podiam escapar da percepção aumentada de vinte e uma pessoas juntas, e, com isso, surgiu uma brecha.

— Te peguei, seu merda…!

O agarrão entre as sombras puxou o rapaz pelo pescoço, violentamente trazido em direção ao outro punho de Samantha.

— …! — O mundo de Mark virou, girando no ar.

O impacto massivo foi bloqueado em parte pela reação veloz de cobrir o rosto, porém não houve maneira de se defender da potência bruta.

— Hhhgh…

Mark manobrou o corpo no ar, pouco antes de cair. Ágil, contraiu a musculatura do abdômen e mudou o sentido do giro, caindo ajoelhado entre as sombras.

— Haaaah… — suspirou, elevando o braço esquerdo.

As sombras do chão moldaram em conformidade e dentre o brilho de sangue, formaram várias dezenas de tentáculos negros.

Mas o quê?! — saltou longe com uma série de cambalhotas, assustada. — Que porra…?!

Aquelas não eram ilusões.

"Essa merda…!" travou os dentes, evitando a rápida aproximação dos apêndices. "Como ele tá fazendo isso?!"

O toque gelado e úmido do tentáculo na base da perna abria possibilidades demais e não desejava pensar nelas.

— Ah, mas que DROGA…! — E tão logo a atitude mudou, começando a pisotear as sombras.

A incrível força reduzia o abraço das sombras ao nada, rasgando e partindo os ataques infinitos, formando o caminho de volta até ele.

— Vai precisar de mais do que isso para me parar, Markinho… — sorriu com ameaça, partindo uma corda escura com facilidade. — Como sempre, não passa de pura exibição e um monte de fingimento…!

O rapaz ocultou-se de volta nas sombras e, em deleite, Samantha derreteu de animação.

— Se esconda, Mark…! Se esconda o quanto quiser…!

Não precisava vê-lo para descobrir sua localização, acusada pelo barulho singelo dos passos a traçarem vários círculos no entorno.

Paciente, aguardou, antecipando o momento certo…

— … Porque eu sempre vou te achar…!

A massa no interior da palma alegrou-a além de qualquer limite; no turbilhão de tamanha confiança, puxou para mais perto e o encarou no fundo da alma.

— Te peguei, Markinho…! — zombou, focando no aperto em torno do pescoço. — … Huh…?!

O construto ilusório tão convincente gargalhou sem fazer barulho, reduzido a mais uma pilha de fumaça, ao menor aumento da pressão.

— Ugh…! — olhou para o chão, aterrorizada pela velocidade nas mudanças de fenômeno. — Argh…!

A substância viscosa sob os pés da baderneira se agitou, formando pequenas ondas em torno dos sapatos.

— Urgh…! Mark…! — Em pânico, passou a se debater para fugir. — Para com esses truquezinhos…! Aparece na minha frente…!

A massa gelatinosa se comportava de forma viva, envolvendo-se nos calçados surrados, subindo na pele por baixo dos jeans, para proporcionar a agoniante sensação de sequer poder se mover.

— Que… porcaria é essa…?!

Se comportava como uma mistura da areia movediça de filmes de aventura, junta da mais potente cola na existência, onde o mero ato de tocá-la a permitia se espalhar mais rápido, como se surgisse do próprio ar e contaminasse da mesma forma que um vírus.

Caso desejasse sair dali, somente o máximo esforço geraria resultado.

— HAAAAGH…! — Ao trancar os dentes, a mulher se puxou para fora de uma única vez. — CHEGA DESSA PALHAÇADA…!

Não compreendia a série de eventos e a grande ignorância quanto ao futuro incerto desafiavam as perspectivas de vitória.

“Eu tenho que descobrir como isso funciona…”

Ao longe, a forma conhecida do construto ilusório surgiu, esboçando as grandes e raivosas luzes da fúria. Dali, pôde antecipar o próximo ataque, se esforçando para manter atenção em qualquer possível brecha a ataques-surpresa.

“Eu já lidei com isso antes… Essa situação não é tão nova assim…”

De punhos cerrados, não ameaçava tirar os olhos do réptil colossal, cheio de ações suspeitas, agindo como um mero animal intimidado, focado em vencê-la pela imprevisibilidade.

“Pensa, Samantha… Pensa como esse arrombado do cacete pensaria, se estivesse no seu lugar…! Pensa em como ele mudaria de estratégia para te derrubar, do jeito que fez em todas as outras vezes…!”

Se de algo ela sabia, era que a capacidade de Mark em superar as adversidades não vinha de meras força, velocidade ou alguns pulinhos a mais ou a menos.

“Como ele deve estar pensando…? De que jeito ele vai me atingir?!”

A grande marca do jovem franzino detinha um nome claro: “adaptabilidade”.

“O que ele percebeu sobre mim e tá pensando em usar como meio para me ferrar agorinha mesmo?!”

Ele sempre sabia a melhor forma de passar pelas adversidades e as soluções vinham das maneiras mais inesperadas.

"Ele não vai me atacar de frente, porque acha que é isso o que eu espero."

O monstro abriu a mandíbula, exibindo carreiras incontáveis de dentes massivos, prontos para rasgar carne com a facilidade de fatiar manteiga.

"Ainda não entendi direito se isso é mais uma ilusão ou como ele faz parecer tão real, mas…"

Com um ano inteiro para pensar, desenvolveu as próprias cartas na manga.

"Preciso agir como se estivesse sendo surpreendida e, assim…!"

A serpente dracônica submergiu, erguendo grandes ondas no repentino sumiço, transmutadas em dezenas de garras demoníacas.

As perigosas extremidades a cercaram, deixando lugar nenhum para fugir e o pouco chão livre se moldou na forma da imensa boca do monstro.

Ao passar do contato primário, notou o detalhe mais importante.

"Ah, então é assim que funciona…!"

O par de cortes nas pernas foi real, mas as duas presas não infligiram dano em simultâneo, a primeira deixando de doer ao primeiro contato da segunda.

Notar tal padrão a muniu de uma hipótese e, paciente, esperou pelo resultado de seu teste.

“Assim que essa coisa fechar a boca…”

Apertou os punhos de forma mais firme até então, entregando-se à mordida com intenção de devorá-la por inteiro. Os dentes fecharam, levando embora a pouca luz, dando-lhe o sinal verde.

“Acabou, Mark.”

Samantha mirou o soco na longa língua do monstro, a centímetros de tocar sua pele e o tato comprovou a teoria; ao fim, houve pele…

— Huh…?

Embora, não como imaginado.

— Bravo! Bravo! — O bater de palmas lentas ressoou agudo, misto dos passos daquela figura. — Foi uma exibição e tanto! Admito que gostaria de ter visto chegar às vias de fato, mas… posso dizer que estou satisfeito com esse final!

A ilusão cedeu e, entre os dois, ergueu-se uma sólida muralha, de aparência externa tão frágil e feminina; por trás do rosto de expressões suaves, residia um dos mais terríveis monstros.

“Eh…? Eu… não consigo mover o meu braço…!”

Ela absorveu impactos simultâneos — capazes de mandar pessoas pelos ares — sem mover um músculo ou fazer a menor careta, mantendo os dois poderosos combatentes em cheque…

E tudo ao usar somente um braço para cada.

— Urgh…! — A Wilson entrou em pânico, diante do olhar frio das lentes azuis.

Podia se mover o quanto quisesse… Nada afrouxava a preensão de mão inteira em torno do punho fechado.

— Minha… força…! Argh…!

Os rivais caíram de joelhos, sentindo na pele as forças sendo drenadas pelo firme contato.

“Ela…!”

A escuridão em torno de Mark era puxada de forma agressiva, circulando ao redor dela e sendo aparentemente absorvida em alto volume.

O processo de poucos segundos o rendeu limpo, revelando os ferimentos de sangramento vermelho comum.

“Mark…”

Nos últimos instantes de consciência, a fugitiva compreendeu o real nível da situação: nunca houveram chances de escape ou de adquirir poder suficiente para se equiparar a tais demônios.

“A gente ainda vai…”

O mundo, movido por seres tão cruéis, logo cairia em desespero e quando o plano maléfico encontrar seu pico, o caráter imparável de almas tão impuras trará qualquer justiça aos próprios joelhos.

Enquanto isso não acontecesse, ela ao menos esperava ter outra chance de realizar o último desejo.

“... Terminar isso.”

Com tal pensamento marcado nas profundezas da mente, também cedeu, indo de cara com o chão apodrecido do local tão nostálgico.

… … …

— Foi uma ótima intervenção! — parou com as palmas, admirando a cena. — Pelo fato de ter voltado para cá, imagino que tenha cuidado de algum assunto a mais de acordo com o plano? Talvez… aquilo?

As íris vazias exibiram compreensão, dilatando sutilmente ao aceno da cabeça.

— Ótimo! — sorriu, satisfeito. — Isso conclui o nosso pequeno trabalho por aqui. As primeiras peças foram colocadas em movimento do jeito certo…

O indivíduo sem nome cruzou os braços e arrumou os cabelos, corrigindo falhas inexistentes e, satisfeito, admirou o resultado de seus esforços.

— Todos eles são importantes peças na conclusão do nosso pequeno teatro. Nesse nosso cenário, cada compatibilidade a mais nos deixa mais próximos de, enfim, mostrar ao mundo a realidade das coisas…

Os planos de sua mente podiam ser comparados a um grande show de música, onde, aos poucos, os artistas convidados se alocavam e aceitavam o repertório.

— Não posso deixar que morram ainda… Claro, tenho uma lista calculada para quando isso tem que acontecer, porém, até lá? Nada de perder os meus preciosos atores!

O perfeccionismo em seu sangue exigia a perfeição. A tal altura, já podia chamar a operação de sucesso, mas parar ali simbolizaria um desperdício sem precedentes.

— Precisamos fazer isso ser tão belo quanto puder…!

Levantou-se, abanando poeira metafórica das roupas até sentir-se “limpo” e, curioso, lembrou do detalhe que guardou para questionar.

— O que planeja fazer com todo esse ódio? Vai armazená-lo? Jogar em mais alguém? Ou simplesmente dispersar no ar?

A breve encarada o contou a resposta.

— Ah, entendi…! É uma ideia interessante! Bem, faça o que quiser…! Você tem a minha aprovação completa para testar isso — deu de ombros e abanou o ar. — Agora, é hora de retornarmos, eu suponho…

Relaxado, virou o pescoço para trás, focando na segunda garota, ainda com problemas para se levantar do grande lago vermelho formado em torno de si.

— Você ouviu o que eu disse. Não é hora de ser preguiçosa, Anastasia. Levante de uma vez.

— Tá bom… Eu… já tô indo… — Sem estabilidade, ameaçou se reerguer.

Resíduos do sangue persistiam em escorrer do grande corte, agora quase fechado. Devagar, a rosada ergueu-se com a rigidez e o descuido de uma marionete, estalando vários ossos ao ficar de pé.

— Hehehehe…!

A carne do pescoço fundiu-se por completo e quase de imediato, a pele pálida e quase morta voltou a estado corado e quente, perfundida com novo sopro de vida.

Intacta, Anastasia gargalhou para a vida.

— Eu não entendi nadinha do raciocínio…! Ahahaha!

— Isso é porque você é irremediavelmente estúpida, ao ponto que te chamar de “cabeça de vento” seria dar crédito demais, porque até o ar ocupa lugar no espaço.

— Ehehehehe…!

Hunf… — suspirou, cobrindo o rosto. — Ao menos se faça útil e leve a nossa brutamonte aqui, certo? Lidar com isso vai acabar me deixando exausto e prefiro evitar a fadiga.

— Certinho…! Hora do mergulho!

Animada, a dona de longas meias um tanto cômicas jogou-se para dentro da mulher desmaiada, penetrando a carne como se fosse água e sumindo em seu interior.

Demorou poucos segundos, até que se ajustasse e tomasse controle completo, erguendo-a do chão como em vontade própria.

— Caramba, esse corpo até que é legal…! — estalou o pescoço e começou a dar socos no ar. — A Samzinha andou puxando ferro na prisão! Será que eu também fico forte se treinar?

As missões do dia para o trio alcançaram o fim e sem perceber maior necessidade em permanecer, o líder tomou o primeiro passo para deixar o ambiente saturado de poeira e fluidos.

— Vamos embora por agora. Não há mais nada a ser feito e nossa participação acabou.

Sem cerimônia, abriu o portão azul enferrujado.

— Ei…! Mas e ele?! — “Samantha” apontou para o desacordado Mark. — A gente só deixa ele aqui? Não seria mais inteligente levá-lo?

— Huh, olha só para você…! Falando em tomar escolhas inteligentes… — piscou, parando brevemente. — Não, nós não vamos levá-lo. Eu tenho um belo plano para ele e isso exige que esteja livre e bem vivo, igual um passarinho…! Agora, vamos.

Com o chamado, as duas o seguiram, deixando a cena confusa para ser descoberta pelas autoridades que, eventualmente, descobririam os resultados da pequena brincadeira.

— Ei, ei, querido…!

— Eu já disse para não me chamar assim… Quer ter o pescoço cortado de novo?

— É que eu queria saber… A gente pode ir naquela loja de doces que fica na esquina aqui perto?! A gente pode?! Pode?! Diz que sim…! Eu quero todos os pirulitos!

— Okay, okay… Podemos sim, Anastasia. Só não chame muita atenção, porque ainda precisamos desse corpo que está usando.

— Yay! Eu te amo…! … Ouch…!

— Nunca tente me tocar de novo.

— … Tá bom…



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