Cavaleiros do Fim Brasileira

Autor(a): zXAtreusXz


Volume 1

Capítulo 16: A última promessa

— Trudy! Onde você está?

Bella disparava entre casas apertadas e becos tortuosos, o olhar varrendo cada canto em busca da pequena tecelã.

— Trudy, por favor! — a voz falhava entre o desespero e o cansaço.

Alguns moradores paravam ao vê-la passar. Uns, impactados pela aparência incomum da jovem; outros, assustados pelos gritos e pelos sons estrondosos vindos da feira próxima.

Ela virava esquinas, espiava por entre muros e portas entreabertas, cada vez mais aflita. Até que, ao dobrar um beco estreito, escutou um choro abafado.

Cautelosa, se aproximou.

Ali, sentada no chão de pedra suja, Trudy se encolhia. O rosto escondido pelas mãos trêmulas, soluçava enquanto apertava Grimmuff contra o peito, agora apenas um ursinho puído.

— Graças a Deus...

Bella disparou até a menina e a envolveu nos braços.

— Trudy...

A pequena continuou parada. Os ombros tremiam, e os soluços mal deixavam espaço para respirar.

— Tá tudo bem... tá tudo bem... — sussurrava, mais para confortá-la do que por certeza.

A resposta veio muda, mas sentida. Trudy se agarrou a ela, enterrando o rosto em seu peito.

Bella segurou firme. Permaneceu calada, o tempo necessário para o choro perder força.

Quando sentiu o corpinho relaxar, curvou o tronco e encostou a cabeça na dela.

— Já passou...

Deslizou lentamente as garras por entre os fios bagunçados, acariciando o couro cabeludo com a delicadeza de quem segura algo prestes a se despedaçar.

— Bella… me desculpa…

— Não, não precisa. Já ficou pra trás. Tá tudo bem agora — apertou o abraço, e beijou sua testa com carinho.

— Eu… eu abandonei vocês… mas você sabe que não foi por querer, não sabe? Eu não queria isso, e agora o Kant—

O nome mal saiu. Trudy engasgou com o próprio choro, mas Bella a interrompeu antes que afundasse de vez.

— Ei… a gente sabe. Eu sei. E o Kant também. A gente entende, tá bom? — afastou o rosto só o suficiente para olhar nos olhos dela.

Trudy baixou a visão, os dedos trêmulos passando devagar sobre os contornos da tatuagem que se enroscava pelo braço.

— Aquele homem… aquela coisa... — a voz falhou, carregada de ódio. — Matou todos eles...

As palavras saíam em fragmentos, como se cada uma abrisse um novo corte.

As lágrimas já não vinham mais com tristeza, mas com uma raiva fervente que crescia nos olhos marejados.

— Eu quero… quero vingança! — apertou os punhos até as unhas cravarem na pele. Os dentes cerrados, a mandíbula rígida.

— Eu entendo o que você sente — a expressão de Bella endureceu — mas tirar a vida de um humano é bem diferente de matar demônios.

— Mas ele matou todos…

Bella apenas tocou com delicadeza a bochecha da menina. O gesto dizia o que as palavras não conseguiam.

— Eu sei… — suspirou fundo. — Agora escuta com atenção. Você sabe voltar pro hotel?

— Acho que sim… mas por quê? — murmurou, limpando as últimas lágrimas com as costas da mão.

— Quero que vá até lá e espere dentro do saguão. Se não voltarmos em trinta minutos, quero que saia da cidade o mais rápido possível e procure os paladinos das cidades vizinhas.

— O quê!? Não! Eu vou com vocês!

— Não. — a voz veio firme, cortando qualquer insistência. — É perigoso demais.

— Mas, Bella—

— Eu disse não, Trudy! — inclinou-se, aproximando o rosto do dela. — Draevoth não é como os outros. Ele é diferente, muito mais forte. E o Kant… tem uma história com ele. Vai querer levar isso até o fim, mesmo que custe tudo.

— Então… por que eu tenho que fugir se vocês demorarem?

— Porque se não voltarmos nesse tempo...

— Não… não fala isso! — se jogou no peito de Bella, os braços em volta do tronco, apertando com força.

— Trudy... se isso acontecer, vá atrás dos paladinos. Eles vão te proteger. Promete que entendeu?

Ela não respondeu. Apenas enterrou o rosto, soluçando baixinho.

Bella ergueu o queixo da menina com suavidade, os olhos firmes nos dela.

— Vai ficar tudo bem. Mas preciso que me diga: entendeu?

Com o rosto ainda molhado, ela assentiu num gesto quase imperceptível.

— Então vá. — completou. — E espere dentro do hotel. Vamos voltar para te buscar.

Trudy se levantou devagar. Abraçou Bella uma última vez, longa e apertada, antes de se afastar em passos lentos pela rua.

Bella acompanhou com o olhar. Quando a silhueta virou a esquina, uma lágrima escorreu pelo canto do rosto. Limpou com o dorso da mão enquanto um sorriso discreto surgia em seus lábios.

— Eu te amo… — murmurou.

 

(Campo de batalha — Feira Central)

 

Zane cortava caminho entre as criaturas infernais, derrubando uma após a outra com golpes flamejantes. Os ataques de Severin vinham em intervalos imprevisíveis, mas ele os desviava com precisão, revidando sempre que encontrava uma brecha.

— Deixa ver se entendi isso direito. — falou entre um golpe e outro, ofegante. — Você é a Morte?

Num salto ágil, recuou vários metros após unir os mindinhos, abrindo distância dos inimigos mais próximos.

— Não! — Kant rugiu, bloqueando os braços grotescos que Draevoth lançava em sequência.

Ducare, mais afastado, bufou alto enquanto lançava suas moedas com precisão. Cada uma atingia múltiplos demônios, que tombavam aos montes.

— É sim! Só é teimoso demais pra admitir!

Zane se agachou por um instante, recuperando o fôlego enquanto um vendaval carregado serpenteava por seu corpo.

— E você, esquelético... é o ceifeiro?

— Olha só, temos um cara esperto no meio do caos — retrucou Ducare, girando uma moeda entre os dedos. — Sou um de muitos.

— Ótimo. Então tenho umas pendências pra resolver contigo quando tudo isso acabar.

— Confiante, hein? — disparou a moeda. Ela ricocheteou de crânio em crânio, derrubando uma fileira inteira de demônios. — Isso se a gente sair vivo daqui. Não estamos enfrentando um qualquer do inferno, meu chapa.

— Aliás, não deixa ele encostar em você! — continuou, puxando outra moeda do bolso. — Tudo o que aquele desgraçado toca apodrece.

— Então, em resumo... é melhor evitarmos confronto direto, certo? — Zane manteve os olhos fixos em Kant, que já avançava como um raio contra Draevoth.

— Seria o ideal... — respondeu com um suspiro arrastado, como quem já previa a encrenca.

Ambos se preparavam para romper a linha inimiga, mas um estrondo às costas os fez parar.

O chão vibrou com uma sequência de explosões secas.

Um portal recém-aberto rasgava o solo, cuspindo demônios em massa. No centro do enxame, Tyler abria caminho com socos que detonavam ao contato. 

Cada golpe lançava criaturas aos pedaços, mantendo-as afastadas de Marie, que permanecia firme logo mais atrás.

— Que droga... — Zane rosnou entre os dentes. — Esquelético, estão atrás da loira.

— Beleza, e o das explosões ali... tá do nosso lado? — perguntou, ainda sem parar de girar a moeda entre os dedos.

— Olha só, aparentemente temos mais um esperto em meio ao caos.

Ducare gargalhou alto, sem esconder a empolgação.

Sem perder tempo, correu em direção a Tyler, arremessando uma sequência precisa de moedas.

Elas cortaram o ar como lâminas giratórias, atingindo os demônios com estalos secos.

Em meio à destruição que só se intensificava, Marie abraçava as freiras, protegendo-as com o corpo enquanto observavam o caos à frente com os olhos arregalados.

Tyler se virou ao notar a aproximação de Ducare e resmungou:

— Ah, que maravilha... mais coleguinhas daquele maldito.

Ducare lançou mais uma sequência de moedas, derrubando as criaturas. Se aproximou, posicionando-se ao lado de Marie e das demais.

— Opa, você é a moça que o Kant salvou ontem à noite, né? Pode ficar tranquila! Ducare aqui não vai deixar demônio nenhum passar, hehe.

Marie e as freiras empalideceram ainda mais diante da figura esquelética. Nenhuma ousou se mover.

— É… acho que não tão acostumadas com um esqueleto falante, né?

Mais à frente, o campo tremia sob os golpes incessantes de Kant contra Draevoth. As lâminas cruzavam o ar em arcos furiosos, mas o demônio desviava com facilidade quase provocativa. Braços mutilados se regeneravam em segundos, e a criatura sorria enquanto recuava com elegância cruel.

— Cavaleiro… — disse entre uma esquiva e outra. — Estava aqui tentando lembrar... minha memória anda meio falha com o tempo. Qual era mesmo o nome daquelas duas?

Kant manteve o ataque constante, mirando o rosto do inimigo, mas os braços serpentinos e a multidão de demônios ao redor o forçavam a recuar e ajustar os golpes a cada segundo.

— Grená e Lyla? Grecha e Liza? Hm... — estalou os dedos, sorrindo. — Greta e Lizie, não é?

Ao ouvir os nomes, Kant soltou um grito primal e desapareceu no ar.

— Ah, vamos lá, não fica bravo... — Draevoth gargalhou, girando o tronco com desdém.

Ao se virar, sentiu um arrepio percorrer a nuca. Num reflexo, inclinou o rosto no último instante — uma corrente zunia no ar, roçando a pele infernal a milímetros de arrancar-lhe os olhos.

Do outro lado do campo, Kant segurava a foice unida pela corrente. O olhar cravado no inimigo. O peito subia e descia rápido, arfante, ele parecia inquieto. Algo estava errado.

— Sério mesmo!? — rugiu Draevoth, os dentes arreganhados num sorriso bestial. — Acha que um truque barato desses iria me atingir? Acha que sou algum demônio de beco que você pode enrolar com teatrinho, Kant!?

Levantou uma das mãos na direção da horda que se preparava para avançar. O gesto, firme, os conteve como uma ordem. Então, com um movimento seco, disparou uma rajada de facas negras direto contra o rapaz.

Kant rolou para o lado, escapando por pouco, mas uma das lâminas rasgou suas costas. 

Gemeu entre os dentes, ainda de pé, ainda firme. 

Draevoth inclinou a cabeça, curioso.

Outro enxame de lâminas cruzou o ar.

Dessa vez, ao tentar recuar, Kant se desequilibrou. O impacto veio brutal: várias facas perfuraram seu abdômen. Um grito agudo rasgou sua garganta. Caiu de joelhos, cravando uma das mãos na terra e agarrando a foice com a outra.

Ergueu o tronco com esforço e puxou a blusa, revelando uma velha cicatriz, exatamente onde as facas acertaram. Agora aberta de novo. A pele em volta tremia, como se ainda sentisse o impacto, escurecendo, apodrecendo devagar.

Marie, à distância, levou as mãos à boca, paralisada.

Kant olhou para o céu. 

Ele arfava.

E por um momento, o mundo pareceu silenciar. 

A luta de Zane, os gritos dos civis, a movimentação de Ducare e Tyler… tudo abafado, como se o tempo recuasse, sufocado pela dor.

Ele estava no limite.

— Por que não entrou no Umbral!?

A voz aguda e estridente de Draevoth quebrou o torpor, rasgando o silêncio como uma navalha.

Kant baixou lentamente o rosto.

O demônio então abriu um sorriso largo. 

Sacou na hora.

— Só pode ser isso... — murmurou entre os dentes, o olhos tremendo de excitação. — Ele está aqui, não é!?

Gritou a última frase como uma acusação, e então explodiu em gargalhadas. Os braços se ergueram, teatrais, como se apresentasse algo grandioso ao mundo.

— O Vazio!



















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