Carta da Alma Brasileira

Autor(a): Zeugma


Volume 1

Capítulo 7: Dualidade

Ester tomou a pose de luta, observando o seu inimigo ranger os dentes enquanto baba escorria pelas suas duas cabeças. Estava ele pensando em como devorá-la? Talvez..., mas Ester não recuaria.

Partiu para cima!

O monstro tomou a iniciativa, rapidamente pulando na direção do pescoço da jovem garota.
Talvez por ter passado por situações desesperadoras inúmeras vezes em sua vida algo havia mudado em seu interior. Era como se pudesse enxergar as aberturas da criatura, enquanto via se aproximar em câmera lenta.

"Eu consigo ver!" Pensou Ester

Em resposta à investida do lobo, Ester esquiva para o lado e agarra o monstro pela barriga, arremessando-o com toda força contra uma árvore. "Rrrrr!!" Rosnava em meio a grunhidos de dor, mas antes mesmo que pudesse estabilizar-se Ester já estava a sua frente com o punho fechado preparando outro golpe.
 
Seus instintos animais o salvaram dessa porrada, saltando para longe antes que o atingisse. Contudo, a árvore atrás não teve a mesma sorte, sendo partida em dois pelo soco poderoso de Ester.

A criatura percebeu — ela era a presa.

"Quando foi que eu fiquei tão forte?" Pensou enquanto olhava para sua mão.
A luta prosseguiu com um outro ataque do lobo, tentando morder a perna de Ester. Com dificuldades ela agarra a cabeça que iria lhe morder, mas a outra não teve piedade. Dentes afiados cravaram na pele de Ester, formando uma grande ferida em sua perna esquerda. Seus gritos dor ecoaram pela floresta pútrida enquanto ela forçava o lobo a recuar, sem êxito. 
 
— Sai de mim!! 
 
As veias de seus braços saltaram, seus bíceps enrijeceram, surpreendendo o lobo com uma força esmagadora, esmagando seus ossos e forçando-o a soltar sua perna. 
 
"Não posso perder o foco nem por um instante!" — Pensou
 
Os 4 olhos do lobo fixaram-se nos olhos pequenos e azulados de Ester. Ambos já estavam feridos e ofegantes, pensativos sobre qual o próximo passo. Encaravam-se fixamente enquanto caminhavam em círculos, sempre de frente um para o outro. Ester toma a iniciativa dessa vez, porém, fugindo?! Ela de repente começa a correr em direção as árvores, logo sendo seguida pelo lobo faminto.
 

Ambos desviavam das árvores e arbustos procurando o melhor caminho, até que... Ester some?! Após ela passar por uma das árvores a criatura perde a vista de sua presa, procurando-a e farejando-a imediatamente. 
 
Boomm! 
 
Antes de localizar seu alvo a criatura é surpreendida com um grande estrondo ao seu lado. Uma árvore que Ester socou enquanto estava escondida desaba sobre o corpo do animal, prendendo-o imóvel no chão. 
 
— Parece que eu venci! 
 
O lobo não desistia, gemendo e se mexendo tentando libertar-se. Ester observava com um olhar de infelicidade, arrependimento. 
 
"Eu preciso mesmo matá-lo? Não quero fazer isso..." — Pensou
"Não tem como fazer isso de forma indolor... droga!"
 
A criatura começou a erguer o tronco de árvore com suas últimas forças, o tempo de decisão de Ester estava se encerrando. 
 
— Me desculpa!
 
Golpeou o lobo com socos consecutivos. Socos, socos e mais socos! O som de seu crânio sendo quebrado ressoava incessantemente. O sangue jorrava pelo solo ao redor, manchando-o de vermelho. O lobo deu seu último suspiro em meio às lágrimas de Ester. Ela havia vencido, porém não estava feliz.

— Me desculpa... eu precisava fazer isso se não... 
 
Ester parou por alguns segundos refletindo sobre a necessidade de suas ações enquanto lágrimas escorriam por seu rosto de luto pela vida que havia acabado de tirar.
 
Porém, seu luto durou pouco tempo... Algo lhe tirou do transe em que estava, chamando sua atenção. Um tipo de espectro transparente começa a se esvair do cadáver da criatura a sua frente, como se uma névoa espessa estivesse fugindo de seu corpo e desaparecendo no ar.
 
— Que negócio é ess-
 
Antes de terminar sua fala uma dor de cabeça imensa a interrompe. Seus joelhos despencam com força no chão e ela agarra seus cabelos enquanto gritava de dor.
 
— Para!! Por que isso do nada! Faça parar!! 
 
Roy, que observava ao longe, percebeu algo estranho e se aproximou, removendo sua invisibilidade.
 
— Ester, o que houve?
 
De repente seus gritos cessaram, ficando imóvel de joelhos enquanto olhava para cima. 
 
— Ester?!
 
— Roy, volte. — disse Ester
 
— Oqu-
 
Roy foi interrompido, transformado em uma carta antes de exclamar qualquer coisa. Ester se levanta lentamente, limpa a terra de seus joelhos e começa a se aproximar do cadáver. Em seus olhos havia algo de estranho, seu brilho estava diferente, como se não fosse a mesma pessoa. 
 
Ela chega até onde está o corpo e olha fixamente para a aura saindo dele, agarrando-a! Ester pega a névoa estranha com as mãos e começa a juntá-la na palma de sua mão, e com um movimento brusco começa a devorá-la! 
 
Parecia um tipo de animal selvagem comendo a carne de sua presa, devorando-a sem remorso algum, aproveitando a refeição. Era como se comesse uma nuvem, mastigando enquanto inalava pelo seu nariz. De fora era uma visão grotesca, apavorante. Aquilo realmente era humano? Após terminar de consumir q aura, levantou a cabeça para o céu e lambeu os lábios enquanto sorria. 
 
— Arghhh!! 
 
Um grito quebrou a tensão, trazendo novamente a consciência de Ester. O brilho em seus olhos parecia aos poucos voltar ao normal. Sua primeira e inevitável ação foi vomitar, e após esvaziar sua barriga, limpou o que restou em sua boca sobrando apenas um gosto amargo.
 
"Que porra aconteceu comigo?!" Pensou 
 
"De repente tudo escureceu. Foi como se eu estivesse afundando em um oceano de mãos que me puxavam para baixo sem parar... Foi horrível!"
 
— Roy! — Exclamou enquanto procurava-o em volta 
— Eu permito que você apareça, venha logo!
 
Sem resposta.
 
"Algo muito estranho aconteceu... será que fui atacada por alguém?"
 
— Venha!
 
Seu Grimório rapidamente surgiu e, a primeira página que Ester fixou seu olhar foi a de suas cartas. Para seu alívio, Roy, o herege estava lá. 
 
— Ainda bem! Mas por que ele voltou a ser uma carta? Melhor perguntar diret-
 
Tu-tum! Tu-tum! 
 
Uma dor imensurável tomou conta de seu peito, como se alguém tivesse o apertando.
Ester paralisou. Uma sensação totalmente nova surgiu em seu corpo. Era como se todo seu sentido nervoso estivesse sendo bombardeado por informações infinitas, como se uma outra consciência estivesse forçando a entrada nela.
 
Imagens, a princípio aleatórias, começaram a passar como um rolo de filme em sua mente. Informações absurdas e incompreensíveis lotaram seu cérebro, fazendo-a paralisar. 
Era como a visão de um animal, desde sua infância até o fim de sua longa vida, sendo devorado pelos dentes de um grande predador.
 
— Para!!! Eu não aguento mais! — Gritava com as mãos em sua cabeça
 
Lentamente sua dor ia diminuindo, recuperando sua respiração e desacelerando seus batimentos. 
 
— Que porra foi essa?! 
 
Olhava para seu corpo à procura de algum ferimento, mas não havia nenhum visível. Enquanto observava percebeu que havia algo diferente, como se seus músculos houvessem ficado maiores. 
 
— Isso é estranho... essa sensação, é como se meu corpo tivesse ficado leve como uma pena e forte como pedra!
 
No meio de seus devaneios um som lhe chama atenção. Passos, muitos deles! Os arbustos de todas as direções balançavam, as árvores se moviam, o chão tremia, um exército de criaturas se aproximava rapidamente. 

Enquanto se aproximavam uivos eram ouvidos por toda mata, só que dessa vez Ester não tremeu como antes, ela estava diferente. Enfim, suas novas ameaças surgiram. Uma grande manada de lobos encarava-a de cima de um pequeno barranco, rosnando e farejando-a.
 
Vuoosh!
 
Os lobos dão um grande salto e iniciam uma investida contra a jovem, atacando simultaneamente em diversas direções. Ester estava cercada! 
 
— São muitos! 
 
Um deles então pula, mirando em um dos braços de Ester. 
 
Paft!
 
Em um instante, com um poderoso soco de Ester a criatura é arremessada pelos ares em um tronco de árvore, restando apenas o eco dos seus ossos quebrando e seu sangue espalhado pelo caminho. 
 
Uau! — Exclamou enquanto observava seu punho — Parece que eu realmente fiquei mais forte! 
 
Ester ficou animada, observando atentamente os lobos que agora estavam recuando de medo. Dois deles tomam coragem e avançam, um deles vai em direção a sua perna e outro em seu ombro. 
Ester consegue conter o avanço do lobo que pula em seu ombro esquerdo, disferindo um chute em uma de suas cabeças e fazendo-o rolar pelo chão, morto. Porém, o outro se aproveitou e conseguiu atingir a perna de Ester, fazendo-a cair no chão. 
 
As criaturas perceberam a vantagem e perderam seu pavor, investindo rapidamente sobre seu alvo caído. Diversos lobos estavam em cima da pobre garota, mordendo e arranhando tudo que conseguem.
 
— Sai de cima, droga!! — Gritou enquanto se debatia no chão 
 
Ela se via numa situação desesperadora, sendo ferida em diversos lugares e perdendo muito sangue. Mas, quando os monstros acharam que haviam vencido, uma força descomunal começa a tomar conta de Ester, levantando todos aqueles lobos de uma só vez. 
 
— Venha! — Seu Grimório surge.
— Bola de fogo!! — Gritou enquanto pegava a carta com seus dentes
 
Booooom!!!
 
Uma luz invade a floresta, banhando o horizonte como se fosse o pôr do sol. Foi uma explosão grande o suficiente para que as árvores ao redor virassem cinzas. Uma grande nuvem de fumaça começa a se formar. 
 
Cof! Cof! 
 
Cercada pelos restos de cinzas dos lobos, Ester está de pé a tossir com queimaduras por todo o corpo e grande parte de suas roupas rasgadas.
 
— Porra, eu quase morri mesmo!! Se não fosse pela barreira de carne que os lobos fizeram eu teria virado churrasquinho...
 
— Mas, pelo menos dei cabo de todos eles. 
 
O local de sua batalha foi completamente destruído pelo fogo ardente, contudo, algumas coisas no chão estavam a brilhar.
 
— O que é isso?!
 
Aproximando-se percebe que são cartas semelhantes à de seu Grimório, porém elas têm uma categoria diferente. 
 
[Poção de vida - Consumível (x4)]
[Fabricado por magos á milênios atrás, esse líquido misterioso tem o poder de acelerar a recuperação de ferimentos e curar cicatrizes.]
 
[Presa de lobo demoníaco - Material (x8)]
 
[Obtida eliminando os lobos especiais enviados do inferno. Material especial usado na fabricação das seguintes armas: 
[Soco inglês demoníaco
Dano: 40
Especial:
Pacto de sangue: Quando o sangue do usuário é oferecido em oferenda para as presas elas respondem com a invocação de uma besta mágica. Quanto maior o sangue oferecido, maior o poder da besta. 
Itens necessários: Presa de lobo demoníaco x15]

— Incrível! Não sabia que tinha esse tipo de itens. Acho que eu to precisando dessa Poção de vida...
 
Ergueu seu braço e agarrou uma das cartas — Poção de vida. Num movimento único ingeriu todo aquele líquido viscoso, que percorreu por todo seu sistema digestório em um instante, espalhando-se para suas artérias e alocando-se em todo seu corpo. Seu corpo parecia estar febril, aumentando a temperatura para um calor estranhamente agradável, e aos poucos aqueles ferimentos adquiridos na batalha anterior foram fechando e cicatrizando.
 
— Realmente funciona! Melhor eu guardar umas dessa por precaução. Pena que não reparou minhas roupas...
— Agora, o que me chamou atenção foi esse item fabricável — Soco inglês. Lutar de mãos nuas não está sendo eficaz, mas eu não acho que conseguiria usar alguma espada ou algo do tipo. 
— Esse soco inglês parece ser uma boa até achar algo melhor. Só que... preciso de mais presas de lobo demoníaco. 
 
Ester olhou em volta do lugar em que estava como uma besta, até que seus olhos foram de encontro para as únicas coisas vivas que havia ali, os lobos que covardemente sobreviveram. Seus instintos animais lhes avisavam que era um erro avançar, então com o rabo entre as pernas eles fogem para viver mais um dia... isso é o que pensavam.
 
Um dos lobos mais lentos olhou para trás na esperança de ver a humana cansada desistir de persegui-los, afinal lobos são mais rápidos e resistentes! Porém, a humana fez algo que ele não compreendeu. Ela retirou uma carta de um livro que flutuava no ar e sussurrou alguma coisa — Passos ágeis? Algo do tipo.
 
Não importava, afinal já estavam longe o suficiente. Enfim poderia descansar e contabilizar suas baixas..., porém, em um instante todos seus pelos brancos arrepiaram como nunca. 
Instintivamente olhou para a direção da humana, e o que viu foi algo bestial vindo em sua direção.
 
Movia-se como um animal de quatro patas, pulava nas árvores e ganhava movimento gradualmente enquanto buscava sua vítima.
 
Em instantes havia o alcançado, revelando a criatura — Ester. 



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