Volume 2 – Arco 7
Capítulo 87: Caçador Lendário
Abri os olhos e o clarão do dia iluminou a minha visão.
A despeito da praça agitada, eu me sentia tranquilo deitado numa toalha xadrez sobre o gramado e olhando para o céu com poucas nuvens. Tocava uma música na caixinha de som, um feat entre Zezé di Camargo & Luciano e Leonardo, coisa da minha mãe. Ela, inclusive, estava ao meu lado, cantando enquanto virava uma jarra de suco para encher três copos.
— Tony! — chamou ela.
Sentei-me na toalha de modo que pudesse vê-lo. Meu pai estava perto de uma árvore e gesticulava enquanto conversava ao telefone — como se a pessoa do outro lado da linha pudesse vê-lo. Com certeza estava resolvendo algo relacionado ao seu trabalho. Ele falou mais alguma coisa e guardou o celular. Quando chegou até nós, disse:
— Só BO para resolver. — E também se sentou.
Além do suco de manga, tinha sanduíches de atum, maçãs, bolo de chocolate cortado em cubos, torta de frango e água. Tony pegou um sanduíche e deu a primeira mordida. Eu peguei um pedaço de bolo numa mão e um pedaço de torta na outra, pois estava faminto, e também comi. Depois, juntos, demos um gole prolongado no suco.
— Meu Deus — disse minha mãe, quando voltamos a comer. — Eu estou criando dois dinossauros e não estou sabendo. Poderiam, pelo menos, comer de boca fechada?
Meu pai e eu demos uma pausa para nos entreolhar e, obviamente, obedecemos. Satisfeita, mas de forma educada, minha mãe também começou a comer.
Nem precisávamos elogiar para ela saber que estava tudo uma delícia. Ainda assim o fizemos. Dona Sara agradeceu com um sorriso e eu me levantei.
— Pai, vamos jogar bola? — pedi.
— Você não vai nem me deixar descansar a barriga? — disse ele.
— Por favor, pai, vamos!
Eu queria aproveitar ao máximo a presença dele, pois ele sempre ia embora ao fim do dia e só nos veríamos dali a um mês.
Tony facilmente deu-se por vencido e deu um beijo na minha mãe antes de se levantar. Eu já havia pegado a bola na mochila e corri na direção da quadra, com ele gritando para que eu o esperasse, pois ainda não havia terminado de comer a comida.
Aquele estava sendo um ótimo domingo de muito calor em Belém. Eu tinha uns oito anos de idade, e aquela cena realmente havia acontecido.
Mas ficou no passado. Percebi isso assim que acordei; era apenas um sonho. Na verdade, eu tinha quinze anos e estava deitado numa cama de hospital. Reconheci o quarto assim que abri os olhos. Não entendia como, mas havia sido levado para o Hospital Independência, localizado em Honorário.
— Não se esforce — disse tio Michael assim que tentei me sentar.
Eu nem o havia percebido na cadeira ao lado da cama. Considerando que meus braços estavam com ataduras, imaginei que meu estado físico não fosse dos melhores.
— Tio — falei, sentindo a garganta seca.
— Como você está se sentindo?
— Melhor, eu acho…
— Você dormiu por cinco dias.
A informação me surpreendeu. Imediatamente pensei no meu pai — no enterro dele.
— Seu pai será enterrado amanhã cedo — acrescentou Michael, provavelmente percebendo minha expressão. Seu tom de voz era inconsistente, quase falho. Tive a impressão de que meu tio segurava o choro.
— Eu não sabia que poderia demorar tanto tempo para enterrar alguém — falei.
— Caçadores têm uma genética diferente da dos humanos comuns. O corpo só começa a se decompor depois de uma semana.
Eu queria responder alguma coisa, mas não consegui, afinal de contas estávamos falando do meu pai.
Ainda não havia caído a ficha de que ele estava morto.
— E a minha mãe? — perguntei.
— Totalmente desolada. Não consegue parar de chorar. Esteve aqui o dia inteiro com você enquanto eu e o Hebert resolvíamos toda a papelada.
Pensar na tristeza que minha mãe estava sentindo me deixou ainda mais desolado. Ela e meu pai eram como carne e unha, uma cumplicidade que era difícil ver entre casais por aí.
— Eu não pude fazer nada… — falei, lembrando das cenas terríveis que culminaram na morte dele. — Não pude ajudar o meu pai contra aqueles ninjas covardes…
— Não havia muito o que fazer — disse meu tio. — Vocês foram emboscados por um clã inteiro. Se tem alguém que pode ser considerado culpado nessa história, esse sou eu. Eu não deveria ter deixado o Tony ir sozinho. Era mais do que óbvio que os ninjas estavam por perto.
— Não, tio, você não tem culpa. Minha mãe e a Bruna corriam perigo, era preciso tirá-las de lá e só você conseguiria fazer isso em segurança. Meu pai sabia o tempo todo que os ninjas o queriam. Eu só não consigo me conformar que ele perdeu a vida assim. Tivemos uma noite tão boa, em família…
Lágrimas rolaram dos meus olhos. Tio Michael também não suportou e chorou. Nesse momento, a porta do quarto foi aberta e Hebert entrou.
— Eu… apareci no momento errado? — perguntou, sério como era raro vê-lo.
Michael enxugou as lágrimas e fez que não. Hebert perguntou como eu estava me sentindo e eu respondi o mesmo que antes.
— Seu corpo foi tratado de forma intensa pela medicina dos Monges Profetas — explicou. — Ele ficou dilacerado por dentro, havia a chance de você ficar tetraplégico.
Estremeci com a informação. Como gatilho, uma dúvida surgiu:
— E o que foi que aconteceu, afinal de contas? Como foi que eu sobrevivi aos ninjas? Por que eles não me mataram?
Os dois homens trocaram um olhar significativo. Era como se um perguntasse ao outro quem contaria. Foi Hebert quem disse:
— É natural que você não se lembre, até mesmo porque esteve fora de si quando, hã… fez o que fez.
— Ainda não entendo. O que eu fiz?
— Diogo, você é o Caçador Lendário — disse Hebert, sem rodeios. — Nós acreditamos que você sobreviveu porque o poder oculto que existe dentro de você, conhecido como Espírito Lendário, se libertou provavelmente quando seu pai morreu na sua frente. Isso fez com que você…
Outra hesitação.
— Fala! — exigi. Hebert parecia sem coragem de completar o que quer que precisava ser dito. Ele lançou um olhar ao meu tio, como quem dissesse: “Agora é com você”.
— Você matou todos os ninjas naquela noite — explicou Michael. — Por sorte, os Sacerdotes Divinos apareceram a tempo de apagar o poder oculto antes que ele causasse mais danos ao seu corpo. Se eles tivessem demorado mais alguns segundos, você não teria suportado e… teria morrido.
Em outras circunstâncias, eu ficaria incrédulo quanto ao fato de ser o Caçador Lendário, ter quase morrido e ter sido capaz de liquidar uma gangue inteira de ninjas. Mas a falta que sentia do meu pai suprimia tudo isso. Eu só pensava na cena em que ele me protegeu do golpe de espada do Glen. Ele caindo morto na minha frente após fazer um último pedido…
Proteja a sua mãe…
— Todos, exceto um — disse Hebert, trazendo-me de volta. — O Conselho informou que Glen Vinográdov, o líder dos ninjas, sobreviveu e fugiu.
— O quê? — perguntei de imediato.
— Ele aproveitou que os sacerdotes estavam focados em apagar o Espírito Lendário e deu o fora, deixando, inclusive, a Takohyusei dele para trás. Você estava prestes a matá-lo, garoto, e só não o fez porque os sacerdotes o impediram a tempo.
— Eles não deveriam ter feito isso! Eu não me importaria de perder a vida a custo de matar aquele maldito! Pois foi Glen quem matou o meu pai!
Michael saltou da cadeira, com uma expressão dura que eu nunca tinha visto.
— Jamais diga uma coisa dessas! — repreendeu ele, feroz como um tigre. Pensei até que seria atacado ali mesmo. — Primeiro que você não é nenhum assassino! E sua mãe… Ela já perdeu seu pai, não suportaria te perder também!
Eu queria debater, dizer que as palavras do meu tio não tinham fundamento, uma vez que ele mesmo dissera que matei todo o clã Vinográdov, mas Hebert pigarreou e se pôs entre Michael e eu.
— Acho que não é hora para discussão — disse. — Quanto mais demoramos para chegar ao assunto que interessa, mais tempo perdemos.
Eu não sabia do que ele estava falando. Nem queria entender, para ser sincero. Naquele momento eu só queria ficar sozinho.
— Diogo — chamou Hebert —, eu sei que você está de luto, na verdade todos nós estamos, mas ainda temos um serviço a ser feito: encontrar Glen. Não só pela morte do Tony, mas pelas outras que ele cometeu e pelas que ele ainda pode cometer. Glen agora é um fugitivo do Conselho. E o Conselho nos deu o aval para caçá-lo. Você tem alguma informação que possa servir de pista para o paradeiro dele?
Balancei a cabeça.
— Não tenho nenhuma.
— Pense um pouco — pediu o caçador. — Qualquer coisinha, algo que você viu ou ouviu.
Pensei no trio de ninjas que solicitou minha ajuda. Eu deveria ter perguntado a eles onde o clã estava escondido. Eles haviam informado sobre o tal grupo secreto que os contratou, mas nenhuma localização de esconderijo nem nada do tipo. Então me lembrei da frase do Glen ao constatar que os três ninjas foram os responsáveis por vazar informações.
Por isso não apareceram no galpão ontem à noite!
— Um galpão — falei. — Ouvi Glen falar sobre isso.
— Existem milhares em Honorário — disse Hebert. — Ele não deu mais nenhum detalhe?
Eu fiz que não.
— Esses ninjas causaram problemas demais — comentou meu tio. — Foram tantos assaltos e assassinatos aqui na cidade… E agora isso. Mataram o meu melhor amigo. E a troco de quê?
— Jamais imaginei que eles fossem chegar a esse ponto — disse Hebert. — E agora com a informação do Diogo que foi o Glen quem matou o Tony… É difícil acreditar. Mesmo com todos os problemas, Glen não era uma pessoa ruim. Isso é muito estranho.
Contei aos dois sobre o encontro que tive com o trio de ninjas na noite anterior à morte do meu pai. Falei sobre o grupo secreto, sobre os assaltos de fachada e que eu e meu pai suspeitávamos de que a Eclipse do Caos — facção com membros da tribo Minetsu — estava por trás dos ninjas.
Hebert e Michael se entreolharam mais uma vez. Havia muito significado no olhar deles.
— Não sei por que, mas algo me diz que você já sabia sobre essa organização do mal, tio — falei, encarando-o.
— Seu pai confiava em mim — disse ele. — Devo ser uma das poucas pessoas de fora da organização Ko-Ketsu que sabe sobre a Eclipse do Caos. O que você acha disso, Hebert?
— Eclipse por trás dos Ninjas da Noite? Eu sinceramente não duvido de nada, embora não entenda o que um grupo queria com o outro.
Veio como uma lâmpada que se acende.
S-senhor, mas as ordens não são outras? Dissera um dos ninjas, momentos antes de Glen tentar me matar. Dei a informação aos dois.
— Então, pode ser que o tal plano fosse matar o meu pai — completei, me lembrando de outras palavras do Glen no decorrer da batalha da praça. — Talvez os membros da Eclipse não quisessem sujar as próprias mãos, daí contrataram os Ninjas da Noite para fazer o serviço.
— Pode ser — disse Hebert. — Ainda assim, os Ninjas da Noite roubaram objetos valiosos de Venandi. A Rocha Milenar do Mago Brim, que estava sendo transferida de local; as Tábuas do Guardião, tesouro do clã Queiróz; além de uma série de Takohyuseis.
— Tábuas do Guardião — repeti, pensando no meu Guardião. E com a menção do Hebert referente às Takohyuseis, outra coisa veio à minha cabeça. Na verdade, duas. — O Riku recebeu uma missão do meu pai, sem que meu pai soubesse. E a tarefa era deperizar dezenas de cadáveres de vampiros num prédio abandonado da cidade. Chegando lá, percebemos que a informação de que os corpos estavam separados era falsa. Era para metade estar no térreo e a outra metade estar espalhada pelos andares.
— Uma missão do seu pai, sem que ele soubesse? — indagou Hebert, confuso.
— E o que isso tem a ver com os ninjas? — quis saber meu tio.
— A missão era uma armadilha — respondi. — O Riku foi atacado por dois vampiros supremos que queriam a Takohyusei dele. Os vampiros tinham a mesma tatuagem que o Shin e o pai dele têm no braço: um eclipse azulado. Isso com certeza quer dizer alguma coisa.
— Meu Deus — disse Hebert. — Shaong trabalhando ao lado de vampiros? Isso não faz nenhum sentido!
— E nessa mesma noite — continuei — eu e o Natsuno fomos emboscados pelos Ninjas da Noite. E Glen também queria nossas Takohyuseis. Sendo que elas não podem ser comercializadas em Venandi. — Ou pelo menos assim o meu pai dissera.
— As pontas estão ligando aos poucos — disse Michael. — Tudo leva a crer que os ninjas estavam mesmo trabalhando para os capangas da tribo Minetsu. Hebert, qual será o motivo de eles quererem tanto as Takohyuseis?
— Reza uma lenda antiga de que a espada demoníaca de Onikira, a Souruita, era impossível de ser destruída. Após o aprisionamento dele, os monges da época se reuniram para fazer um ritual que dividiu ela em dezenas de outras espadas, que foram espalhadas entre alguns clãs. Elas são as Takohyuseis que conhecemos.
Olhei para o meu anel com uma curiosidade totalmente nova. Nunca imaginei que estava portando uma espada que, de certa forma, pertencera ao deus dos vampiros.
— O que será que esses caras pretendem? — comentou Michael assustado, mais para si mesmo.
— Não sei o quanto dessa lenda é verídica — disse Hebert. — E muito menos se a espada demoníaca poderia retornar à vida se todas as suas partes fossem reunidas. Para ser honesto, não acredito que seja esse o objetivo da Eclipse do Caos. Pode ser que sua intenção seja simplesmente enfraquecer os clãs que poderiam atrapalhar seus planos. E tirar a Takohyusei de um clã o enfraquece muito.
— Pra quem tentou matar uma criança em coma, roubar espadas para eles deve ser fichinha — comentei pensando no quão covarde o ser humano poderia ser.
— A propósito, ela, a Lia, acordou — informou Hebert, para a minha surpresa.
— Sério? — Finalmente uma notícia boa. — E como ela está?
— Bem, mas recebendo um acompanhamento intenso. Ainda não tivemos contato direto com ela, exceto o seu pai. Ele testemunhou o despertar dela. E disse que descobriu o poder que Lia tem.
— Visões do futuro? — sugeri.
Hebert olhou em volta, embora tivesse só nós três no quarto, e sussurrou:
— Como você sabe disso?
— Longa história…
Michael estava pensativo. Era difícil vê-lo sério daquele jeito, com a mente longe. Parecia que a morte do meu pai lhe causara um certo impacto.
— Vocês já conseguiram localizar aquele mago? — ele perguntou ao Hebert.
— Ainda não. Ele simplesmente sumiu do mapa.
— Do que vocês estão falando? — perguntei.
— Rituais são sempre um problema — respondeu Hebert. — Lembre-se sempre disso, Diogo. E infelizmente qualquer um pode aprender magia. Aqueles que se sobressaem, se tornam magos, e o pior de tudo é que grande parte deles vende serviços por aí como se rituais fossem uma espécie de mercadoria.
Eu começava a ficar confuso com tanta informação. Hebert continuou:
— Informantes nos avisaram sobre aquele ataque que aconteceu aqui no hospital. Nós tentamos contato com o doutor Sanchez, mas não conseguimos, portanto viemos o mais rápido possível. Seu pai avistou um mago do lado de fora do hospital quando chegamos. Ele fugiu assim que nos viu, e não podíamos segui-lo, uma vez que a Lia corria perigo. Para a nossa sorte, você, o Riku e o Natsuno conseguiram segurar Shaong até a nossa aparição.
— Um mago — repeti. — Já ouvi sobre eles algumas vezes, mas ainda é meio difícil de aceitar que eles existem.
— Não se esqueça que eu me transformo num tigre — disse tio Michael. — Seu anel vira espada, e transforma vampiros em pó. O mundo é esse que conhecemos. Doido, assustador, muitas vezes cruel…
— E como se identifica um mago? — perguntei. — Quer dizer, como meu pai sabia que o sujeito era um?
— Através dos olhos. Uma pessoa ganha olhos azuis-cobalto quando aprende magia. Olhos assim chegam a ser mais chamativos que os olhos verde-esmeralda dos místicos.
— E acreditamos que foi ele o responsável por parar o tempo no hospital — disse meu tio.
— Loucura — falei. — Nunca iria imaginar que dava para parar o tempo com magia. Esse negócio de ritual deve ser macabro.
— Você ainda não viu nada — ironizou Hebert.
Pelo menos eu estava tendo uma resposta para uma das minhas milhares de dúvidas. Falei a mim mesmo que não queria nem chegar perto de rituais. Parar o tempo num ambiente era assustador.
— Eu ainda estou abismado com a tal missão que seu pai arranjou para o Riku sem saber — disse Hebert. — O Riku tinha algum motivo para mentir?
— Eu não faço ideia — falei.
— Ou ele ouviu a missão e inventou que seu pai que havia arranjado, ou então ele foi enganado por algum tipo de impostor — palpitou Michael.
— O Riku ser enganado? — falei. — Difícil, hein. E ele não tinha motivos para inventar que a missão foi dada pelo meu pai. Quando ele encontra uma pista, não se importa com a aprovação da organização ou do Conselho.
— Eu até tenho uma suspeita — disse Hebert. — Conhecemos, no passado, um místico capaz de mudar a aparência e a voz. Até mesmo a personalidade da pessoa clonada ele assumia.
— Tony já comentou sobre ele uma vez — disse Michael. — Ele era algum tipo de metamorfo e parece que deu um trabalhão pra vocês.
— Mas não acho que seja ele. Não faria sentido ele aparecer depois de quase vinte anos. Pelo jeito ficaremos sem resposta para essa pergunta.
A conversa havia me distraído um pouco, mas o silêncio que se formou entre nós três me fez lembrar que algo grave havia acontecido: meu pai morreu. Mais uma vez, lágrimas encheram os meus olhos, e senti a garganta seca.
— Eu sinto muito, Diogo, por tudo — disse Hebert. — Assim como você, eu também estou acabado pela morte do Tony. Éramos amigos desde crianças e crescemos juntos. Eu perdi… um irmão. — Sua voz falhou.
— Nós perdemos um irmão — corrigiu Michael, deprimido. — Tony era um dos homens mais impressionantes que eu conhecia. Jamais vou me esquecer da primeira vez que o vi em ação. Mesmo muito jovem, ele já demonstrava uma maturidade fora da curva. Sempre pensou além dos outros caras da idade dele. Não à toa fundou uma organização que hoje é reconhecida mundialmente.
— Ele era um cara incansável. Mal conseguiu dormir nos últimos meses, obcecado por rastrear o Caçador Lendário e colocá-lo em segurança. Na verdade, ele iniciou essa busca desde que soubemos, através de uma profecia, sobre a quebra do ciclo natural de surgimento do Caçador Lendário. Pois eles nascem dentro de um ciclo de quinhentos anos que nem sequer se fechou ainda desde o surgimento do último.
Michael comentara sobre isso uma vez, que meu pai estava procurando pelo Caçador Lendário. E imaginei que sua preocupação era devido à morte do amigo dele, o Décimo Lendário, que havia sido assassinado misteriosamente. Semanas depois foi a vez de seu clã ser liquidado. O clã da terra.
— E pensar que o Caçador Lendário sempre esteve debaixo do nariz dele — comentou meu tio, olhando para mim.
— Mas há alguma prova de que eu sou mesmo, hã, isso que vocês estão dizendo? — perguntei, porque achava aquilo um absurdo.
— Infelizmente sim — respondeu Hebert. — Assassinar um clã inteiro sozinho… Liberar aquela quantidade de poder, que exigiu o esforço de vários Sacerdotes Divinos para apagá-lo… Ninguém tem dúvida, garoto. Eu lamento dar a notícia dessa forma, logo após uma perda importante. Este é um fardo que eu não desejaria a ninguém.
Ainda não havia caído a ficha. Na verdade, eu ainda não fazia ideia do quanto aquilo era importante: ser um Caçador Lendário. Olhei para o meu tio, encontrando olhos pesarosos. Pelo jeito, o fardo a que Hebert se referia deveria ser realmente pesado.
— Eu gostaria de saber o que Tony pensaria disso, sobre o próprio filho ser o caçador mais importante do mundo — disse Michael. — E, claro, saber o que ele faria. Acredito que as coisas não serão fáceis daqui pra frente. Não são todos que veneram o Caçador Lendário, pelo que sei.
— Não mesmo! — disse Hebert. — E é exatamente por esse motivo que o Conselho decidiu que, por enquanto, o Diogo terá que continuar vivendo sua vida normalmente, para não levantar nenhum tipo de suspeita. A Eclipse do Caos não pode nem imaginar que ele é o Décimo Primeiro Lendário. Por isso a informação é confidencial a nós três, ao Sandro e ao Conselho. Ninguém mais pode saber! Vocês entenderam? Nem mesmo o Natsuno, Diogo, entenda isso.
Eu fiz que sim, mas tive que dizer:
— Meio difícil manter um segredo desses, principalmente depois que… matei todos aqueles ninjas. Se a Eclipse do Caos é tão manipuladora quanto parece, eles com certeza vão ligar os pontos.
— Torçamos para que não. Sandro e eu tentaremos fazer espalhar a notícia de que os Caçadores de Elite entraram em ação após os ninjas matarem tanta gente.
— Que era o que eles deveriam ter feito — resmungou Michael, sério. — Não entendo como puderam deixar aqueles malditos bagunçarem tanto.
— Isso, infelizmente, está fora do meu controle — disse Hebert. — O que nos resta é aceitar essa nova realidade: que Tony se foi e que devemos proteger o filho dele. O Caçador Lendário.
Hebert se levantou. Eu queria fazer o mesmo, mas meu corpo parecia estar pesando toneladas.
— Eu vou indo nessa — disse o caçador. Ele fez uma pausa, respirou fundo e disse: — Nos encontramos amanhã, no velório do Tony. Ele será enterrado aqui mesmo em Honorário, onde viveu boa parte de sua vida.
Com essas palavras pesadas e repletas de sentimentos, Hebert se foi. Tio Michael permaneceu no quarto comigo, mas não trocamos mais nenhuma palavra pelo restante do dia.
Fui salvo pelo Décimo, e aguardo ansiosamente pelo Décimo Primeiro, pois a esperança de que estaremos todos protegidos está depositada nele. Essas foram as palavras do seu Juca quando o conheci, algumas semanas atrás. Será que ele ainda se sentiria esperançoso se soubesse quem era o Décimo Primeiro?
Eu, o Caçador Lendário que as pessoas tanto esperavam aparecer. A esperança da humanidade para o que quer que estivesse vindo. Agora as palavras das armaduras do Monte Zentaishi faziam mais sentido, assim como o porquê de Hara ser meu Guardião. Ou a Yasmim ser meu anjo da guarda.
Naquele momento eu não sabia, mas aquela responsabilidade faria minha vida tomar caminhos sombrios e inimagináveis.
Não seria nada fácil carregar o fardo de Caçador Lendário.