Volume 2 – Arco 6
Capítulo 66: Partiu Canadá!
Pela milésima vez, eu escrevi meu nome inteiro na janela do ônibus.
Lá fora, o sábado estava chuvoso e as janelas, devido ao veículo estar todo fechado, embaçadas. Minha mãe perguntou, ao me observar usar o indicador de novo para rabiscar:
— Isso tudo é ansiedade?
Fiz que sim.
Após uma sexta-feira frenética, eu só conseguia pensar nas férias. E quanto mais pensava, parecia que mais distante ficava o aeroporto de Honorário. Já estávamos no centro; havíamos acabado de passar pelo “Coração Honorário”, um dos monumentos históricos da cidade. Ainda assim, nada de chegar ao destino.
Não era possível enxergar muita coisa através da janela, apenas um amontoado de borrões de luzes que indicavam que o trânsito estava caótico — talvez pela chuva, talvez por ser o primeiro dia de férias de julho, era difícil dizer. Verifiquei o relógio: eram cinco da manhã. Àquela hora todos os meus colegas de sala deviam estar debaixo dos cobertores, no décimo primeiro sono.
— Tenta não se meter em encrenca, Dio — pediu minha mãe. Havia preocupação em sua voz.
— Fica tranquila, mãe. O que eu menos quero é problema para o meu lado.
— Engraçado que você sempre diz isso.
Não consegui conter o riso.
— Ah, mãe, você sabe que eu não tenho culpa de atrair confusão. E agora eu sei o motivo dessa atração, né? Ninguém mandou você casar com um caçador de vampiros.
Sara também riu. Totalmente errado, ela sabia que eu não estava. E disse que eu era igualzinho ao meu pai, quando jovem: não conseguia ignorar uma aventura. Os olhos dela brilharam, e imaginei que estivesse pensando nele.
Minha mãe deveria estar morrendo de saudades.
No saguão de espera do aeroporto, o meu passatempo passou a ser observar os diferentes tipos de pessoas que embarcavam e desembarcavam dos túneis de acesso. Era interessante tentar adivinhar para onde cada indivíduo estava indo; alguns certamente viajavam a trabalho, trajados com roupas formais e maletas de couro. Outros, reunidos com o parceiro e os filhos, davam indícios de que estavam viajando a lazer, com semblantes descontraídos e carregando bagagens enormes.
Depois de alguns minutos, três dos meus amigos chegaram: Natsuno, Jhou e Pedro.
— O Riku não vem? — perguntei após cumprimentá-los.
Bocejando, Natsuno respondeu:
— Ele disse que não perde tempo com besteiras.
— Esse Riku não muda nunca — Jhou, o grandalhão, gargalhou. Então percebi a mochila gigantesca em suas costas. Típico.
— Bom, meninos — disse minha mãe ao ficar de pé —, o voo é daqui a alguns minutos. Tomem cuidado, viu? E fiquem longe de brigas.
— Tá bom — respondemos os quatro, juntos.
Eu a abracei forte e, acompanhado dos meus amigos, parti.
A primeira coisa que Jhou fez quando viu uma comissária de bordo foi perguntar o horário das refeições. Pedro abriu um livro e Natsuno colocou um fone de ouvido enorme, então cochilou antes mesmo de o avião decolar.
Eu me sentei próximo à janela. Era a segunda vez que viajava de avião e curtia ver a paisagem lá embaixo, mesmo que grande parte fosse florestas tropicais.
— Tô ficando enjoado — ouvi Jhou reclamar, assim que o avião alçou voo. O grandalhão estava, assim como o Natsuno, na poltrona de trás.
Eu só esperava que ele não vomitasse para cima.
De repente, Jhou se levantou e saiu correndo pelo corredor em direção ao banheiro. Os passageiros ao redor se assustaram com a cena, mas ficaram aliviados ao entenderem o motivo.
— E olha que é só o começo da viagem — ironizou Pedro.
Já tinham se passado algumas horas desde que o avião havia decolado quando a aeromoça serviu o café da manhã para os passageiros. Jhou demonstrou indignação:
— Só isso?
Embora seu prato estivesse cheio de pães e frutas.
— Se o senhor quiser, eu vejo se posso lhe servir mais pães — disse a jovem mulher, educada.
Quando Jhou sorriu e abriu a boca para responder, Natsuno foi mais rápido:
— Precisa não, moça. O nosso amigo só estava brincando.
A moça sorriu e continuou seu serviço.
Natsuno riu da cara do grandalhão.
— Isso não se faz, Natsuno — choramingou ele. — Pensei que você fosse meu amigo.
Pedro e eu rimos. Depois, Natsuno explicou que preferia o amigo com fome ao invés de apto a vomitar tudo para cima dele.
Lembrando-se dos enjoos que andava sentindo, Jhou tornou a correr para o banheiro.
Após mais uma série de vômitos, Jhou perguntou:
— Estamos chegando?
— Cara, você perguntou isso não tem nem cinco minutos — falei. — Tá pior que o dia em que subimos o Monte Zentaishi.
— Dorme um pouco — sugeriu Pedro, finalmente fechando seu livro. — A previsão de chegada é só à noite. Tem chão pela frente.
— Que horas são agora? — quis saber o grandalhão.
— Duas da tarde — respondi.
— Vou ao banheiro.
Outra corrida em direção ao banheiro. Os passageiros já estavam até acostumados. Natsuno suspirou, impaciente.
— Meu Jesus amado. Até quando, Senhor?
A temperatura caíra drasticamente nas últimas horas. Lá fora, o céu escurecera de forma que parecia que o avião sobrevoava em meio ao nada. Meus amigos dormiam um sono pesado, Jhou roncando alto o suficiente para encobrir qualquer outro ruído que existisse no avião.
Eu não conseguia cochilar. Pensava no lindo sorriso da Sophia enquanto a imaginava na arquibancada do Miniestádio da escola, celebrando a nossa vitória e me dando um beijo — coisa que, para minha infelicidade, não aconteceu. Faltou o beijo. Faltou, na verdade, qualquer tipo de contato entre nós, seja físico ou visual. Não consegui encontrá-la após a final.
Encontrei Sandro, sim, que autorizou o namoro. Com palavras não muito gentis, é verdade, típico dele. Mas pelo menos me aceitou como genro.
Fiquei feliz. A vontade era de ir até a casa da garota e aproveitar o primeiro dia com ela como casal. Não consegui devido ao compromisso com os meus amigos de sala, compromisso esse que durou até tarde.
E agora eu ficaria dez dias longe dela…
— Senhores passageiros, permaneçam todos em seus assentos, por gentileza. Estamos prestes a aterrissar — anunciou a comissária de bordo.
— Ufa — disse Jhou. Ele abriu os olhos e bocejou em seguida.
Senti um frio na barriga quando as rodinhas do avião tocaram a pista de voo. Jhou ainda ficou um tempo sentado antes de descer, provavelmente recuperando a força que havia perdido com todos aqueles enjoos. Ele foi um dos últimos passageiros a sair da aeronave.
— Olá, garotos — foi Hebert Kogori quem nos recebeu, no saguão do aeroporto. Agasalhado dos pés à cabeça, eu ainda me surpreendia com a semelhança entre ele e o meu melhor amigo. — Como foi a viagem?
Enquanto Natsuno, Pedro e eu dizíamos "tranquila", Jhou respondeu:
— Horrível!
— Imagino que estejam cansados.
— Não, não — disse Natsuno. — Só um pouco enjoados dos enjoos de uma certa pessoa.
— Faz parte.
Hebert nos conduziu até um ponto de táxi movimentado feito um formigueiro. Só precisei daquele pequeno percurso para notar a imensa diferença entre Vancouver e Honorário. O cenário atual consistia de ruas e calçadas cobertas por neve e pessoas trajadas com camadas de roupas grossas.
Estávamos entre prédios enormes e ruas congestionadas.
Observando que apreciávamos a rústica e gélida paisagem, Hebert disse:
— Sejam bem-vindos ao Canadá. Um dos únicos países da Terra em que não temos a presença de vampiros. Até hoje. — Ele olhou para Pedro.
Se era uma piada ou não, eu não fazia ideia. Nem achei graça; Pedro mostrou-se desconfortável com o comentário.
De qualquer forma, nos dividimos em dois táxis e seguimos caminho.
Vários minutos de avenidas e edifícios depois, uma paisagem montanhosa começou a ganhar espaço. Assim como a cidade, as montanhas também estavam cobertas de neve, coisa que eu nunca pensei que fosse ver ao vivo.
Os táxis seguiram pela estrada sem fim até que começamos a ver um muro alto à esquerda da via. O muro continuou por um bom tempo, como se contornasse alguma coisa. Eu estava curioso.
Os táxis pararam num estacionamento amplo e aberto. Nós descemos e nos aproximamos de um enorme portão de aço, guardado por dois homens vestidos de preto que prontamente nos abriram passagem. Hebert era um major da organização Ko-Ketsu, segundo o Natsuno, portanto todos os agentes — e os seguranças eram agentes — o conheciam.
Então eu pude ver o que havia do outro lado do muro — e fiquei boquiaberto: era quase uma cidade.
Embora pequena, a cidadezinha era organizada e estilosa. As construções de madeira estavam enfileiradas e eram divididas por estradas de paralelepípedo, muito bem iluminadas e ocupadas por adolescentes e crianças que, apesar do frio, estavam agitadas.
Era impossível não se sentir num filme americano natalino. Eu nunca gostei do frio, mas não tinha medo de confessar que achava bonito aquele tipo de cenário.
Hebert nos conduziu por algumas das estradas. Ele explicou que estávamos numa estação de esqui que a organização tinha o costume de alugar a cada quatro anos para os filhos dos agentes e os amigos dos filhos deles passarem as férias. Alertou também que seria bom evitar mencionar qualquer coisa sobre o mundo anormal, pois nem todos os hóspedes da vila — como chamou a área das pousadas — eram caçadores ou sabiam sobre.
Não só eu, mas todos os meus amigos estavam encantados, apesar do vento gelado que soprava o nosso pescoço. Nossos olhos observavam cada detalhe ao redor durante o tour; as belas casas e os diferentes tipos de pessoas. Alguns, eu reconhecia vagamente de algum lugar. Talvez da cidade de Firen, quando a visitei com o meu pai.
— Esse lugar é demais! — Jhou disse por todos.
— E aí, meus rivais! Suspeitei que eu os encontraria por aqui. — Yago, inconfundível mesmo de longe, devido aos chamativos cabelos alaranjados, surgiu com um sorriso no rosto.
— Yago! — Apertei sua mão, feliz pela presença dele.
Ao seu lado, uma garota de cara amarrada. Ela também tinha cabelos alaranjados, mas estavam enfiados numa touca preta.
— Esta é a minha prima Kelan — apresentou o garoto.
Kelan nos encarava com desdém. Seus olhos cor de mel, que ganhavam bastante destaque por conta do delineador, estudavam a cada um de nós de cima a baixo. O rosto dela era redondo, repleto de sardas. Ela era gordinha e um pouco mais baixa que eu e o Natsuno.
— Lembro de vocês — cuspiu ela. — São jogadores do 1ºB. — A ênfase na palavra "jogadores" carregava um tom de repugnância.
Também a encarei, certo de que a conhecia. Rapidamente seus olhos retornaram na minha direção, porém com expressão indiferente.
— Banheiro! — exclamei, de repente.
Ninguém entendeu nada.
— Tá passando mal, Dio? — ironizou Natsuno. — Não precisa gritar. É só ir.
— Não é isso, Natsuno. É que lembrei dela. No dia que flagrei você conversando com o seu pai sobre mim, no meu primeiro dia de aula, lembra? Eu só cheguei ao banheiro porque a Kelan me explicou o caminho. Bem que suspeitei que reconhecia esse olhar torto.
A garota não gostou do comentário.
— Um Kido na parada, e novato ainda por cima — argumentou ela. — Eu não te olhei torto! Eu só achei curioso. Mas nada demais. Ah, e parabéns pela vitória de ontem, embora eu ache que vocês ganharam por sorte.
— Ei! — disse Jhou.
Yago, rindo, decidiu que era hora de intervir.
— Vejo que vocês acabaram de chegar. Onde vão ficar hospedados?
Nós olhamos para um Hebert que até então só observava a conversa.
— Sigam-me, crianças.
Dobramos algumas esquinas, passando por mais construções parecidas, o que eu imaginei que aumentaria as nossas chances de nos perdermos com frequência durante aquelas férias.
Quando chegamos ao que parecia uma praça — uma área aberta o suficiente para o vento gélido soprar com mais força, envolta de árvores e bancos de madeira —, após Yago explicar que ali era o centro da vila, alguém gritou:
— Diogo!
Eu não consegui controlar o sorriso ao avistar, para minha surpresa, uma linda garota correndo ao meu encontro. Sophia me abraçou muito forte.
— Não sabia que você vinha — disse ela, depois me deixou respirar.
Sophia vestia agasalho azul-bebê e seus cabelos castanhos estavam enfiados num gorro de esquiador da mesma cor da roupa. Devido ao frio, a pele de suas bochechas tinha um tom rosado, e seus olhos pareciam ainda mais brilhantes que o normal.
Atrás dela, as inseparáveis amigas da escola: Ana e Jéssica. E na companhia delas, o motorista dos Macedo que eu não achava estranho estar presente, conhecendo o jeito protetor do pai da garota.
— Oi, gente — Sophia acenou gentilmente para os meus amigos, então seu sorriso sumiu. — Você?
— Cega você não está, querida — respondeu Kelan.
Todos nos entreolhamos.
— Ih, tá rolando um clima tenso — disse Natsuno.
As duas ficaram se encarando, como se fosse sair uma descarga elétrica dos olhos delas a qualquer momento.
— Vocês já se conhecem? — arrisquei.
Sophia virou a cara, não muito contente. Já Kelan abriu um sorriso de provocação. Enquanto isso, Hebert e Beto se cumprimentavam como amigos que não se viam há anos.
— Alguém me explica o que é que está acontecendo? — pediu Jhou, o porta-voz do grupo.
— Ela é uma bruta! — denunciou Sophia, apontando o indicador para a prima do Yago.
— Você que é frágil feito uma boneca — defendeu-se Kelan, arqueando uma sobrancelha. — Patricinha desajeitada!
— Desajeitada, eu?
— Sim, você!
Suspirei. Olhei para os meus amigos em busca de auxílio, mas todos deram de ombros.
— Ana… ou Jéssica… alguma de vocês poderia nos explicar o porquê da implicância dessas duas? — recorri à dupla.
— É por causa do handebol — disse Ana. — Nossas salas se enfrentaram no campeonato da escola.
— E ela não sabe perder — emendou Kelan, ainda em tom de ironia.
— Ah, sim — disse Pedro, como se uma lâmpada acendesse em seu cérebro. — Kelan, você é do 1ºE, certo? O 1ºE eliminou as meninas da nossa sala na semifinal — explicou.
— Mas só porque elas jogaram sujo! — reclamou Sophia. — Ela — apontou para Kelan novamente — não consegue jogar sem dar cotoveladas. Eu fiquei toda roxa e o juiz não fazia nada!
— Handebol é esporte de contato — disse Kelan, desafiadora e debochada. — Não quer contato? Vá jogar vídeo game! Simples.
— Bruta! — disse Sophia.
— Chorona! — replicou Kelan.
Yago decidiu se despedir de nós e levar Kelan consigo — alegou que as duas ficariam a noite toda discutindo se eles não fossem embora.
Por coincidência, a pousada onde meus amigos e eu ficaríamos hospedados ficava ao lado da pousada onde estavam as meninas. Combinei com Sophia de conversarmos melhor no dia seguinte, uma vez que precisávamos desfazer as malas e organizar as coisas, mas nos reencontramos horas depois, pois Hebert deu a ideia de aproveitarmos a lenha da lareira e fazer uma fogueira em frente a casa.
Talvez devido ao cansaço da longa viagem, as ruelas da vila estavam desertas naquele horário. Eu nem iria chamar as meninas — não queria incomodar, pois imaginei que já estivessem dormindo. Mas, atraídas pela fumaça e vendo a origem dela através da janela, as três decidiram sair e se juntarem ao nosso grupo.
Utilizamos os tocos de árvores que estavam no porão da casa como banco. Jhou carregou-as com facilidade.
Depois de algum tempo, Yago e Kelan também apareceram, acompanhados por Eslei e Salatiel, parceiros de caça do garoto.
E ficamos conversando por um bom tempo; primeiro sobre o campeonato de futebol, depois sobre a escola em geral, sendo a inspetora rabugenta Abigail o alvo das brincadeiras constantes.
Felizmente, as meninas deram uma trégua na discussão, embora Kelan e Sophia evitassem conversar uma com a outra.
Quanto à Sophia, eu queria ficar mais próximo dela, mas a timidez falava mais alto. A presença de Beto também me intimidava; era como se ele estivesse por perto para nos monitorar sob ordens de Sandro. Não havia como saber se ele ou a garota tinham conhecimento sobre a autorização do namoro. E eu não estava a fim de mencionar o assunto na frente de toda aquela gente.
De qualquer forma, aquela noite foi memorável. Era ótimo estar reunido com amigos, com quem eu podia jogar conversa fora. Eu só não imaginava que aconteceriam coisas durante as férias que marcariam para sempre a minha vida.